Greve da enfermagem no Hospital São Paulo expõe precarização da categoria e fracasso das OSS
Em greve desde 10 de novembro de 2025, os trabalhadores da enfermagem do Hospital São Paulo denunciam as consequências da gestão conduzida pela Organização Social de Saúde SPDM.

Reprodução/Foto: Hospital São Paulo.
Em ranking recente, o Hospital São Paulo destacou-se entre os melhores do mundo. Entretanto, a categoria da enfermagem soma 42 dias de greve, revelando o que é frequentemente omitido pela imprensa: desde 2022, o hospital vem enfrentando demissões em massa após a mudança na superintendência, sob a gestão da Organização Social de Saúde Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM). As demissões resultaram em sobrecarga de trabalho para os profissionais remanescentes, sendo essa apenas uma entre as diversas reivindicações apresentadas pela categoria.
A paralisação teve início após o não cumprimento do acordo firmado na última greve, onde foi decidido que a SPDM deveria realizar a reposição do quadro de funcionários. Denúncias indicam ainda que as poucas contratações realizadas, bem abaixo ao número previsto no acordo, vêm sendo ofuscadas pelo alto número de pedidos de demissão. Como Rodrigo Bizacho, auxiliar de enfermagem e coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Unifesp (Sintunifesp) revelou ao jornal Outra Saúde, as demissões tem como consequência a exaustão dos trabalhadores: “...nossos colegas estão pegando atestado médico por cansaço físico e mental, eles vão no médico e dizem: ‘doutor, eu saí do plantão e não estou aguentando mais’”.
Outras denúncias feitas pela categoria no Hospital incluem a infestação de pragas, como escorpiões, baratas e ratos, comprometendo gravemente as condições de higiene e segurança do ambiente hospitalar. A falta de uma fiscalização efetiva por parte do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren/SP), que tem se mostrado omisso diante das irregularidades recorrentes, contribui para o aprofundamento da crise.
Em entrevista para o jornal A Verdade, uma enfermeira ainda apontou: “Não descansamos desde a pandemia e, de lá pra cá, só piorou. Não tenho nem palavras pra descrever como piorou”. Vale lembrar que, durante a pandemia de coronavírus, a categoria da enfermagem esteve na linha de frente do cuidado aos pacientes. Estima-se que, entre os trabalhadores da saúde mortos durante a pandemia, 70% eram técnicos e auxiliares de enfermagem, e 25% enfermeiros.
Além disso, cerca de dois terços dos profissionais de saúde que faleceram nesse período não possuíam contrato formal de trabalho, segundo o cruzamento de dados do Ministério da Saúde com informações sobre desligamentos por morte no Novo Caged. De acordo com os dados oficiais de emprego formal e com os registros dos conselhos profissionais, os médicos correspondiam a 61% dos profissionais empregados, enquanto enfermeiros e técnicos de enfermagem representavam 20% e 18%, respectivamente. Tal distribuição evidencia ainda mais as desigualdades na exposição ao risco entre as diferentes categorias da área da saúde.
Essa precarização, agravada durante a pandemia, é aprofundada pelo modelo de gestão do Hospital São Paulo, o único hospital universitário federal do país sob a administração de uma Organização Social de Saúde (OSS). Esse modelo tem contribuído para a deterioração das condições de trabalho de seus funcionários e para o comprometimento dos serviços de alta complexidade prestados pela instituição. Isso ocorre porque, embora as Organizações Sociais de Saúde (OSS) sejam entidades privadas contratadas para gerir serviços de saúde sob a promessa de estabelecer metas de desempenho e promover maior eficiência, qualidade e agilidade, sem comprometer o caráter público e gratuito do atendimento, pesquisas demonstram que esse modelo de gestão não tem, necessariamente, resultado em melhorias para o serviço público.
Ao contrário, o que se observa é um processo de privatização camuflada dos serviços públicos, no qual essas instituições acumulam contratos milionários. Dados indicam que, entre 2009 e 2014, as dez maiores Organizações Sociais de Saúde do país mobilizaram cerca de R$ 23 bilhões em contratos de gestão e termos aditivos, com destaque para a SPDM, a maior entre elas.
No estado de São Paulo, os contratos permitem ainda a remuneração dos corpos diretivos, possibilitando que até 70% dos recursos públicos de custeio sejam destinados ao pagamento de salários. Soma-se a isso o fato de que a contratação de pessoal, diferentemente do que ocorre em outros órgãos públicos, dispensa a realização de concurso público, aspecto que tem sido amplamente questionado em razão de seus efeitos sobre a estabilidade e as condições de trabalho dos funcionários. Além disso, esses contratos autorizam a aplicação de recursos no mercado financeiro, dentro dos limites estabelecidos.
Como observado, a SPDM, a mais lucrativa entre as Organizações Sociais de Saúde, não apenas deixou de promover melhorias na gestão do Hospital São Paulo, como aprofundou a precarização do trabalho da enfermagem. Trata-se de uma tendência que extrapola a instituição e se manifesta de forma mais ampla no setor da saúde, especialmente em hospitais e instituições privadas, onde predominam vínculos precários e instáveis. Nesses contextos, profissionais são frequentemente contratados como pessoa jurídica (PJ), cooperados ou por meio de contratos temporários, modalidades que suprimem direitos, fragilizam a proteção social e expõem trabalhadores e trabalhadoras a jornadas exaustivas, sem garantias básicas como férias, 13º salário ou licença médica.
Outro fenômeno que impacta diretamente a categoria é o subdimensionamento das equipes, isto é, a alocação de um número de profissionais inferior ao necessário para atender à demanda existente. Soma-se a isso o fato de que as condições salariais permanecem como um desafio histórico da Enfermagem. Esses elementos compõem o conjunto de críticas dirigidas à gestão da SPDM, que, até o momento, não chegou a um acordo com a categoria.