Um breve panorama da luta antimanicomial em tempos de Arcabouço Fiscal e da reorganização proletária radical

Um retrocesso e traição de um governo que deveria trabalhar para extinguir esses tipos de espaço, agora usavam recursos do próprio SUS criado a partir da luta de trabalhadores da saúde para financiar essas instituições que seguem a mesma lógica dos manicômios.

21 de Maio de 2025 às 0h00

Imagem adaptada de: Ricardo Stuckert/Presidência da República com imagem do Holocausto brasileiro: em Barbacena, MG, 60 mil pessoas morreram após serem aprisionadas no manicômio 'Hospital Colônia' — Foto: Divulgação/ O holocausto brasileiro. Elaboração: Jornal o Futuro.

Por Lucas Ultracultura

Nas últimas décadas do período monárquico no Brasil surge os primeiros manicômios conhecidos como Hospícios de Alienados, que eram locais de reclusão e “tratamento” para pessoas consideradas "loucas" ou com doenças mentais, que seguiam uma lógica onde violência, tortura e segregação eram considerados procedimentos médicos.

Décadas depois, com o fim da economia colonial escravista e o desenvolvimento de uma economia capitalista dependente e sujeitada politicamente aos países do centro Global (Europa e EUA), as contradições da sociedade brasileira aumentaram em uma proporção industrial. Com o surgimento e o constante crescimento da classe proletária no Brasil e a via socialista e comunista ganhando cada vez mais espaço nas discussões sobre a construção de uma nova sociedade e indivíduo. A classe dos poderosos, a elite tanto local como internacional, temendo perder o controle sobre os trabalhadores brasileiros intensificam e atualizam todos os seus mecanismos de controle e opressão social. E esse momento histórico é chamado de Ditadura empresarial militar.

Durante esse período (1964-1985) os manicômios que desde a colonização até os anos anteriores já eram ambientes desumanizantes, tornam-se ainda piores a partir do momento que os militares no poder usam das instituições psiquiátricas como ferramentas de opressão, tortura e até mesmo de ocultação dos rastros de seus “opositores”, ou meramente elementos destoantes e marginalizados que não se adequavam as fábricas e nem foram jogados nos presídios, e  que eram em grande parte internados sem diagnóstico.

Para além da perseguição política e higienismo social suscitado por práticas que disseminavam ódio, criminalizavam a pobreza e promoviam ações principalmente contra pessoas negras, indígenas e mulheres. O regime ditatorial atualizado com as mais modernas práticas capitalistas da época, transcende ainda mais a crueldade dos tempos coloniais, e incrementa a “lógica de mercado” a gestão dos manicômios, fenômeno esse chamado de mercantilização da saúde mental, pois mesmo no período brutal colonial essa questão da saúde mental ainda era tratada pelo menos como algo da responsabilidade do Estado, mas com o ingresso da agenda liberal, os militares fortaleceram as  iniciativas privadas que aumentaram significativamente o número de leitos psiquiátricos e internações, pois agora um doente não era mais tanto uma preocupação (pois ainda continuavam os leitos públicos, porém também em condições de igual precariedade devido ao desvio de investimento em favorecimento à iniciativa privada) do estado e sim lucro para os grandes empresários oportunistas da “loucura”.

Um sistema que agora graças aos aparatos mais sofisticados e sádicos do capitalismo se retroalimentam, onde violência, e os traumas da colonização e do racismo que geravam o sofrimento mental de milhares de trabalhadores brasileiros foram intensificados nas ruas, nas fábricas, nas escolas, e em todo o ambiente de convivência na desculpa de combater a “ameaça comunista”.

Mas para garantir que esse modelo fosse lucrativo à iniciativa privada, o governo militar precisou criar em 1977 o INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social) que unificava sistemas de pensões, aposentadorias e assistência médica, estabelecendo convênios com instituições públicas e privadas. E que na prática fazia a Previdência Social direcionar 97% de seus recursos para a manutenção de leitos privados por meio de subsídios financeiros, o que beneficiou também a indústria farmacêutica e aumentou a demanda por internações, na lógica que mais um interno era mais mais uma verba do governo “liberal”. Momento esse de nossa história brasileira intitulado pelo escritor e psiquiatra Luiz Cerqueira como “indústria da loucura”.

No ano seguinte em 1978, já com o inchaço populacional desses espaços e o aumento exponencial da insalubridade, três médicos residentes do ironicamente primeiro Centro Psiquiátrico construído no Brasil, o Centro Psiquiátrico Pedro II no Rio de Janeiro, denunciaram no livro de registro da instituição, as condições de maus tratos e violência que eram submetidas as pessoas internadas; ao mesmo tempo que denunciavam as condições de trabalho.

Os trabalhadores então realizam uma greve em um episódio que ficou denominado como a Crise da DINSAM (Divisão Nacional de Saúde Mental) que a partir de uma carta encaminhada ao Ministro da Saúde com denúncias e reivindicações fez com que fossem demitidos 263 profissionais, desencadeando um processo de novas denúncias, manifestações e matérias na imprensa durante vários meses e que mobilizaram entidades expressivas no cenário nacional como a OAB, ABI, CNBB, dentre outras. O marco desse evento é a criação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que tem apoio popular, dos profissionais da saúde e de familiares de vítimas desse sistema psiquiátrico além de figuras políticas e ativistas dos direitos humanos. O que dá início a luta pela reforma psiquiátrica brasileira.

Em 1979 o documentário "Em Nome da Razão", dirigido por Helvécio Ratton, torna-se mais um marco na história da psiquiatria brasileira. Filmado no Hospital Colônia de Barbacena, Minas Gerais, expõe uma realidade que foi comparada aos campos de concentração nazistas e que deixou o evento conhecido como o holocausto brasileiro.

Após 8 anos de luta por meio de denúncias e organização dos trabalhadores da saúde, população e militantes dos direitos humanos a pauta da reforma psiquiátrica e em todo sistema de saúde sanitária ganhou um novo marco. A síntese da organização e horizonte político social que esses trabalhadores organizados com a população chegaram em 1987. Durante o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental em Bauru (SP) no dia 18 de maio, dia que ficou marcado como o dia da luta antimanicomial no Brasil. Onde o importante e valioso ainda nos tempo de hoje manifesto é compilado, o manifesto Bauru:

Manifesto de Bauru

Um desafio radicalmente novo se coloca agora para o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. Ao ocuparmos as ruas de Bauru, na primeira manifestação pública organizada no Brasil pela extinção dos manicômios, os 350 trabalhadores de saúde mental presentes ao II Congresso Nacional dão um passo adiante na história do Movimento, marcando um novo momento na luta contra a exclusão e a discriminação.

 Nossa atitude marca uma ruptura. Ao recusarmos o papel de agente da exclusão e da violência institucionalizadas, que desrespeitam os mínimos direitos da pessoa humana, inauguramos um novo compromisso. Temos claro que não basta racionalizar e modernizar os serviços nos quais trabalhamos.

 O Estado que gerencia tais serviços é o mesmo que impõe e sustenta os mecanismos de exploração e de produção social da loucura e da violência. O compromisso estabelecido pela luta antimanicomial impõe uma aliança com o movimento popular e a classe trabalhadora organizada.

 O manicômio é expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, indígenas, mulheres. Lutar pelos direitos de cidadania dos doentes mentais significa incorporar-se à luta de todos os trabalhadores por seus direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida.

 Organizado em vários estados, o Movimento caminha agora para uma articulação nacional. Tal articulação buscará dar conta da Organização dos Trabalhadores em Saúde Mental, aliados efetiva e sistematicamente ao movimento popular e sindical.

 Contra a mercantilização da doença!

 Contra a mercantilização da doença; contra uma reforma sanitária privatizante e autoritária; por uma reforma sanitária democrática e popular; pela reforma agrária e urbana; pela organização livre e independente dos trabalhadores; pelo direito à sindicalização dos serviços públicos; pelo Dia Nacional de Luta Antimanicomial em 1988!

 Por uma sociedade sem manicômios!

Bauru, dezembro de 1987 - II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental.

Como podem ver esse marco demonstra um grande desenvolvimento da classe trabalhadora da saúde, que era também resultado de um grande desenvolvimento de toda a classe trabalhadora do mundo naquela época. Mesmo com a repressão dos anos de chumbo, o exemplo de países como a URSS e Cuba levava a compreensão que a luta só seria exitosa com a união de todos os setores classe trabalhadora e com o apoio popular. E naquele Brasil do final dos anos 80, sucateado e traumatizado, a luta ainda era pelo que o movimento colocou como os “direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida”. Coisas que iam totalmente contra a antiga lógica mercantilista e punitivista que marcou o período da ditadura empresarial militar.

Por isso, mesmo que esses trabalhadores e pacientes estivessem ainda lutando pelo mínimo de uma sociedade que preserve a vida e a integridade de seus cidadãos, a luta e os acúmulos dessa empreitada de profissionais por uma possibilidade humanizada de cuidado foi referência em todo o mundo pelas contribuições de autores como Franco Basaglia, David Cooper, Ernesto Venturini, Nilse da Silveira e Paulo Delgado, e pelas vitórias políticas alcançadas pelos trabalhadores durante a redemocratização que em contramão a política liberal privatizante passada, agora estabelecia que a saúde eram sim responsabilidade do estado, o que fica redigido no artigo 196 da Constituição Federal de 1988 que estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam reduzir o risco de doença e outros agravos e assegurar acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

A materialização dessa conquista é a criação do SUS em 1989. E nesse mesmo ano a classe trabalhadora tem sua primeira vitória com o fechamento da Casa de Saúde Anchieta, um hospital psiquiátrico em Santos (SP), que foi o primeiro hospital psiquiátrico no Brasil a ser fechado, marcando um ponto crucial na luta antimanicomial no país. A intervenção no Anchieta foi um marco na mudança do modelo de atenção em saúde mental, substituindo a internação por um sistema de atenção psicossocial desenvolvido em 1992 pela Portaria/SNAS nº 224, de 29 de janeiro, institui os Núcleos de Assistência Psicossocial (NAPS), que foram posteriormente substituídos pelos CAPS.

O CAPS então torna-se o modelo pronto do que aqueles profissionais acreditam ser o cuidado mental profissional, tendo por seus princípios: Humanização do atendimento, Tratamento não hospitalar, Reabilitação psicossocial, Inclusão social e a criação de uma rede de cuidados.

Todavia, apesar da vitória e concretização dessa nova estrutura de saúde (o SUS) e mais específico o RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) e CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) o estado brasileiro ainda mantinha sua estrutura burguesa e dependente dos países Capitalistas, protegia e custeava os luxos dos generais genocidas por meio de pensões e mega salários, e também após o fim da União Soviética a pela propaganda intensa sobre o fim da história, os trabalhadores da saúde que em 1987 sabiam que apenas as via da organização e da mobilização popular poderiam dar condições para a construção de uma sociedade minimamente saudável, aderem a batalha meramente institucional nos moldes da democracia burguesa, acreditam que pela retirada dos militares do protagonismo político a batalha havia sido vencida, mas aquilo que os sustentava ainda mantinha-se e desenvolvia-se. O liberalismo. Os atores mudaram, mas a peça continuava.

Por isso, mesmo tendo esse modelo no cuidado mental já em funcionamento e trazendo bons resultados. O ministério da saúde apenas aprovou em 2001, 9 anos depois, a Lei nº 10.216, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, consolidando o modelo de cuidado em saúde mental baseado nos CAPS. A lei também prevê a substituição dos manicômios por outros modelos de atendimento em saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

No entanto esse não foi o fim dos manicômios no Brasil, processo esse que estava ocorrendo de forma lenta e gradual (como toda política feita para a população pelos “sociais liberais”), em meio a diversos sucateamentos da classe trabalhadora inspirados pela continuação do pensamento liberal que nasceu na ditadura e consolidou-se nos governos FHC. O que por consequência enfraqueceu a classe trabalhadora de forma geral, uma classe que mesmo atacada e cada vez mais precarizada ainda mostrava o grande poder de mobilização, o que era uma grande ameaça a um sistema que tem por premissa o sacrifício dos trabalhadores em detrimento do lucro empresarial. E para que esse sacrifício fosse exitoso era necessário que suas vítimas se entregassem mudas ao abate.

Uma mudez que só seria obtida por meio da domesticação, ao alimentar a ilusão dos trabalhadores que nos piores anos das últimas décadas haviam mostrado protagonismo e força, agora depositavam sua confiança em mais um gestor do sistema burguês, crentes que o identitarismo e o nome, partido dos trabalhadores, fosse suficientes para obter o que antes sabiam que só a aliança com o movimento popular e a classe trabalhadora organizada seria capaz.

Durante esse período as expectativas de mudança por parte dos trabalhadores, ao se ter um presidente de origem proletária no poder eram altas. Expectativas essas inclusive de muitos membros e apoiadores da luta antimanicomial que estavam também nas bases do PT como o caso do próprio político e sociólogo Paulo Delgado (criador da lei da reforma psiquiátrica) que foi fundador do PT; Membro da Comissão Executiva Nacional do PT; Vice-Líder do PT, 1989 e 2002-2004; Secretário de Relações Internacionais do PT, 2003-2004.

No entanto, apesar dos excelentes quadros políticos e profissionais, o CAPS enfrentava os desafios de ser gerenciado por um governo que por mais que tenha sido apoiado majoritariamente por trabalhadores, era ainda um governo a serviço do capitalismo, um governo liberal, e com a ilusão da possibilidade da “conciliação de classes”, onde cada melhora social e humanizante para os trabalhadores deveria em contrapeso gerar um estrondoso ganho a iniciativa privada. E mesmo em um momento de crescimento econômico o CAPS durante todos os anos governos do presidente Lula nunca chegou ao seu propósito que era o fim dos manicômios em todos os cantos do país, faltava estrutura, profissionais e logística.

E em menos de uma década de governo petista o que vimos na verdade foi o caráter cada vez mais rebaixado que num tom mais brando trouxe insalubridades dignas da ditadura militar, um preço que a social-democracia está sempre disposta a pagar a fim de não desagradar seus financiadores e “aliados”. Pois quem paga a banda escolhe a música.

E a prova disso foi que no ano de 2011, sob o governo de Dilma Rousseff (PT). Sem função bem definida, as famosas “comunidades terapêuticas” foram incluídas como parte da Rede de Atenção Psicossocial por meio da portaria 3.088 do Ministério da Saúde.

Um retrocesso e traição de um governo que deveria trabalhar para extinguir esses tipos de espaço, agora usavam recursos do próprio SUS criado a partir da luta de trabalhadores da saúde para financiar essas instituições que seguem a mesma lógica dos manicômios.

Essas “comunidades” já existiam no Brasil desde década de 1960, as Comunidades Terapêuticas (CTs) são instituições privadas que oferecem internações para pessoas que fazem uso “problemático” de drogas. Em sua maioria, tem ligação com igrejas católicas ou evangélicas, se localizam em espaços afastados da cidade e pregam a abstinência e doutrina religiosa como o mecanismo de reinserção na sociedade.

Após o golpe de 2016 e o crescimento da igreja Evangélica bem como do poder da bancada evangélica, base ideológica de um fenômeno que começava a ganhar força, o bolsonarismo, o financiamento público a essas entidades se tornou mais robusto desde o ano de 2017, com Michel Temer (MDB) na presidência. E no final desse mesmo ano o coordenador de saúde mental, Quirino Cordeiro Júnior, junto ao ministro da saúde da época Ricardo Barros propõe o retorno dos hospitais psiquiátricos.

Em fevereiro de 2019, durante o governo Bolsonaro, o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta emite uma nota técnica com novas diretrizes para política nacional de saúde mental, entre essas a retirada da psicologia da pasta de álcool e outras drogas, compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia pelo SUS e internação de crianças e adolescentes, ferindo o próprio estatuto da criança e do adolescente (ECA).

A medida recebeu críticas e houve um recuo temporário, porém, em dezembro de 2020 o novo ministro da saúde e general filhote da ditadura Eduardo Pazuello que além de nomear um defensor do eletrochoque como coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, órgão ligado ao Ministério da Saúde. Também propôs a revogação de cerca de cem portarias sobre saúde mental. Editadas entre 1991 a 2014, os atos, caso anulados, desestruturariam do dia para a noite estratégias como o Consultório na Rua por exemplo.

Logo aquela semente plantada, ou melhor, aquela raiz que nunca foi arrancada, ainda em 2011 com inclusão das Comunidades Terapêuticas como parte da Rede de Atenção Psicossocial, agora se tornava uma árvore frondosa, que só até 2020 arrecadou R$ 560 milhões em investimento federal.

E com uma classe trabalhadora desorganizada e ludibriada pelo parlamentarismo burguês, os militares, governo, e agora o “neoliberalismo” são os agentes de mais um retrocesso humano, um esquema mais mortal e lucrativo do que foi na época da ditadura empresarial militar, o esquema que os gestores do “mercado” mais adoram, o repasse de dinheiro público a iniciativa privada. Porém, a ganância da última trupe militarista que estava na gestão do Brasil custou a vida de milhões de brasileiros o que somado a uma maré de crimes cometidos pela presidência e capangas da época impossibilitou a manutenção desses mesmos atores. Mas, infelizmente a peça neoliberal continuava.

E em janeiro de 2023, Lula cria um setor específico para comunidades terapêuticas atendendo prontamente a pedidos de entidades religiosas, principalmente as evangélicas. O Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, no entanto teve uma vida curta neste formato. Lula em maio de 2023, voltou atrás e ampliou a pasta para atender outras questões, renomeado para Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas. Até 2024, o governo Lula havia financiado quase 15 mil vagas nessas comunidades terapêuticas no país, com mais de R$ 50 milhões sendo repassados para esses espaços.

Provando que para os poderosos o crime compensa e muito.

No ano de 2024 Lula realiza uma redução de 80% nos contratos com comunidades terapêuticas em todo o Brasil. Essa decisão reduz o número de instituições recebendo apoio financeiro federal, de 500 credenciadas para 100 com contratos firmados. Porém, se posicionando contra essas reduções, o Ministério de Desenvolvimento Social planejou propor ao Congresso Nacional um incremento de R$ 180 milhões no orçamento. Atualmente, a pasta comandada por Wellington Dias do PT paga R$ 38 por dia por pessoa atendida nessas comunidades terapêuticas que possuem convênio com o governo.

Outra decisão acertada do governo Lula foi  a criação de um grupo de trabalho interministerial com o objetivo de tirar adolescentes das comunidades terapêuticas, seguindo uma resolução do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas aprovada em março. Essa resolução proíbe o atendimento de adolescentes por essas instituições, alterando uma norma de 2020 do governo de Jair Bolsonaro, que permitia tal prática.

Apesar desses pequenos “avanços” em relação a saúde mental no governo Lula, não há o que se comemorar, pois a maior marca desse Governo Lula-Alckmin é o Novo Teto de Gastos que com pequenas modificações, mantém a arquitetura fiscal criada no Brasil por Michel Temer. A tendência é um governo de cortes permanentes no orçamento destinado para políticas sociais. Um projeto de austeridade, que ataca políticas sociais que atendem de forma limitada demandas da classe trabalhadora e a manutenção de todos os interesses da burguesia na apropriação do fundo público.

Logo, até as mudanças mínimas que eram esperadas com a saída do governo Bolsonaro não estão sendo realizadas, o novo governo que em seus tempos áureos era capaz de pelo menos jogar as migalhas que caiam dos banquetes que eles mesmos proporcionam aos milionários para o resto da população, agora em atos caricaturais que provam sua rendição aos interesses burgueses, recolhem essas poucas migalhas que a pouco haviam caído no chão.

Exemplo disso foi com o programa pé de meia que se anunciou como uma grande novidade e a salvação do jovem brasileiro e poucas semanas depois, perdeu 76% do orçamento para 2026.

Porém o que chama mais atenção nessa política de constante corte de gastos no que é essencial para o Brasil foi o ataque ao Ministério da Saúde, maior vítima do bloqueio com total de R$ 4,4 bilhões.

Nesse mar de retrocesso e rendição a terra que temos a vista é a do fascismo. Ironicamente o governo petista aquele que emergiu com a força dos trabalhadores da década de 70, e que abriu o caminho para o Bolsonarismo, agora está novamente pavimentando o cenário ideal para que os poderosos esmaguem com facilidade um povo doente, mal educada e que cada dia é cada vez mais precarizado, pronto para se sujeitar a qualquer tipo de trabalho pelo mínimo para sobreviver, e aqui o neoliberalismo supera seu predecessor, pois enquanto que no colonialismo era necessário que o senhor de escravos garantisse a saúde mínima dos trabalhadores escravizados para não perder o investimento que fizera ao adquiri-los por meio do tráfico humano, o neoliberalismo garante os ganhos de diversos setores da economia e do poder com o adoecimento de seus trabalhadores que gastam um terço que ganham com remédios simplesmente para seguir trabalhando.

Pois, enquanto no passado a esquizofrenia foi o sintoma de uma classe trabalhadora que mesmo esmagada seguia lutando, seguia desviando-se do que se senhores e algozes a impunham, hoje a ansiedade e depressão são as maiores causas de sofrimento mental de uma classe desorientada, superexplorada e insegura pela impossibilidade de um futuro digno.

Marca disso é a “epidemia de adoecimento mental” no ambiente de trabalho, agravada por anos de retrocessos nas políticas públicas de proteção ao trabalhador. E só ano passado (2024) foram concedidas 472.328 licenças médicas devido a transtornos mentais no país. Esse número, quando comparado ao ano anterior, representa um aumento de 68%.

E isso apenas de trabalhadores com carteira assinada, agora os trabalhadores que estão na informalidade que correspondem a 39,2% da população seguem na ativa, às vezes até mais doentes que os CLT’s, pois enfrentam as mesmas insularidades sem nenhuma garantia.

Falta de garantia e retrocessos associados a longas e estressantes jornadas de trabalho que são no fim das contas as principais causadoras do adoecimento mental, claro, aliado a todas as outras mazelas como as mudanças climáticas, o aumento do custo de vida, sequelas da COVID etc.

Mas apesar de toda essa queda livre direto ao abismo desde a última conquista substancial da luta antimanicomial (em 2001 aprovação da lei da reforma psiquiátrica), não devemos pensar que a luta está perdida, devemos rememorar o 18 de maio, não com um saudosismo idealista personalista, mas sim de um modo objetivo e materialista, nos apropriando daquilo que a classe acertou e de modo crítico perceber, evidenciar e combater as contradições que levaram ao enfraquecimento do movimento, e usa-lo hoje como um ponto de partida de uma luta que só terá tido êxito quando a “estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, indígenas, mulheres” não só finalmente acabarem, mas que também tenhamos mecanismos de controle para que esse tipo de opressão nunca mais se estabeleça.

E assim como os trabalhadores de 1987, é necessário um ponto de ruptura com as estruturas da opressão, mas para isso devemos nos posicionar para além da mera recusa no papel de agentes da exclusão e da violência, é preciso tomar um papel protagonista nessa luta que hoje ainda perpassa fortemente a área da saúde, e que será fundamental que novamente esses profissionais demarquem uma posição de classe, e reivindiquem e renovem o sentido da luta pela saúde, sabendo que ou estão a serviço do capital e do lucro ou da humanidade, essa que tem ainda como única esperança de continuar como espécie, a força da classe trabalhadora, a única classe capaz de parar o coração do capitalismo e a partir de sua organização pulsar um novo tipo de sociedade.

Mas para isso precisamos agir rápido, recuperar esses 38 anos de luta e de desmobilização da classe trabalhadora não será fácil, mas assim como a luta antimanicomial ganhou forma e força com o grito em nome da vida, da liberdade e da saúde. Entoamos hoje esse mesmo grito quando exigimos a redução da jornada de trabalho.

Sabemos que apenas a redução não resolverá todos os problemas desses trabalhadores, mas que será assim como em 87 mais um ponto de partida para união das forças populares com os trabalhadores que vem se organizando em torno da causa.

Por isso, os profissionais de todos os segmentos são fundamentais, e em especial nesses tempos de epidemia de doença mental os profissionais da saúde, que alinhando-se às nossas fileiras poderão direcionar suas forças e conhecimentos a fim de garantir que tenhamos a possibilidade mental de empreender essa luta e reconstruir o que de melhor havia em nosso recente passado de lutas por melhorias para os trabalhadores e população.

Pois só teremos uma sociedade livre de manicômios em um mundo primeiro livre da segregação da propriedade privada, livre da anulação do diferente, livre da competição pela sobrevivência, onde a lei seja a cooperação, uma sociedade comunista.