Crise na educação paulista: Governo dobra a aposta e ataca professores

O que se passou desde a saída da categoria do “estado de greve”, não foi a conquista das pautas ou o recuo do Governo do Estado de São Paulo em relação aos ataques à Educação e seus membros - gestão, professores, estudantes, etc. Pelo contrário, a secretaria de educação seguiu avançando no seu projeto de desmonte da educação pública.

12 de Julho de 2025 às 21h00

Estudantes, professores, comunidade e sindicato protestam contra demissão de diretores. Reprodução/Foto:Apeoesp.

No dia 09 de maio os professores da Rede Estadual de São Paulo se reuniram na Assembleia da APEOESP, sindicato que representa a categoria, em estado de greve. Dentre as principais reivindicações apontadas no “Boletim Urgente 37” do Sindicato, constava: “Fim do autoritarismo, do assédio moral, da plataformização, das privatizações e militarização de nossas escolas.” Nessa Assembleia, com participação ampla de setores ligados à direção do sindicato, foi aprovado o fim da Greve, para entrada num “estado de mobilização permanente”, priorizando a execução dos embates na mesa de negociação permanente e a realização de abaixo-assinados.

Contudo, o que se passou desde a saída da categoria do “estado de greve”, não foi a conquista das pautas ou o recuo do Governo do Estado de São Paulo em relação aos ataques à Educação e seus membros - gestão, professores, estudantes, etc. Pelo contrário, a secretaria de educação seguiu avançando no seu projeto de desmonte da educação pública. Nos últimos meses, desde a criação da mesa de negociações”[1] e o fim da greve, várias medidas foram apresentadas: 1) Imposição da modalidade PEI em diversas escolas, 2) Demissão de diretores e equipes escolares, 3) Imposição de avaliação de desempenho sobre toda a comunidade escolar, 4) Fim do abono permanência, 5) Diminuição do limite de faltas-aula com ameaça de quebra de contrato e 6) Imposição da prova Paulista na avaliação.

1) Imposição da modalidade PEI em diversas escolas

Em 28/04/25 é publicada a RESOLUÇÃO SEDUC Nº 73 que “Dispõe sobre a expansão e conversão de jornada do Programa Ensino Integral - PEI - no âmbito da Rede Estadual de Ensino de São Paulo e dá outras providências.”

Tal Resolução apenas ajustava parâmetros para inclusão de escolas como no Programa de Ensino Integral (PEI). Contudo, uma semana após o final da Greve, a categoria foi surpreendida em diversas Regiões com a imposição da adesão à esse modelo em diversas unidades, sem o diálogo com a comunidade escolar.

Na Região Norte 1, que contempla Perus, Taipas, Brasilândia, Pirituba e Lapa, 18 escolas passaram por esse processo. Uma série dessas escolas se mobilizaram e, com o apoio da comunidade, conseguiram rechaçar a proposta. O problema fundamental apresentado pelas comunidades ouvidas sobre esse processo é que as escolas que já carecem de estrutura e melhores condições de trabalho para os professores estariam passando por um processo de transformação forçada para a PEI sem as garantias de uma educação de qualidade.

A Subsede Lapa do sindicato, coordenada pela oposição sindical, produziu um material de denúncia com 7 pontos: 1) Aumento da carga horária sem melhoria estrutural e/ou profissional; 2) Exclusão de estudantes trabalhadores; 3) Falta de garantia de matrículas nas escolas próximas das residência em escolas regulares; 4) Sobrecarga nas escolas regulares e aumento da distância média da casa à escola para estudantes; 5) Enxugamento de vagas e exclusão estudantil; 6) Aprofundamento de assédios, instabilidade e desemprego e 7) Falta de infraestrutura que permitisse a realização de atividades diversificadas. A Célula de Professores da capital de São Paulo do PCBR participou ativamente dessas atividades.

Apesar da mobilização ter conseguido reverter uma boa parte dos processos impositivos, algumas escolas ainda estão passando por ameaças, como é o caso da E.E. Silvio Xavier, onde a comunidade escolar rechaçou a proposta mas teve apresentada uma ata alterada indicando que a escola estaria aderindo ao programa. Nessa mesma escola, cartazes foram arrancados e policiais militares reprimiram estudantes. Essa questão pode ser acompanhada pela página da SubSede Lapa.

Panfleto criado pela Sub-sede Lapa da APEOESP apontando os problemas da PEI.

2) Demissão de diretores e equipes escolares

Concomitante à imposição da PEI, foram realizadas diversas exonerações de diretores sob o argumento de uma suposta “baixa produtividade”, “não cumprimento de metas” e “baixo aproveitamento”. Argumentos que não se sustentam. Uma série dessas escolas possuem oferecimento de Ensino Noturno e vinham melhorando mesmo nos índices oficiais. A maior coincidência não são das escolas com baixo rendimento e sim daquelas escolas com maior potencial de mobilização, dessa forma, está dada uma verdadeira intervenção na gestão escolar.

Diversos diretores, com vínculo profundo com a comunidade, alguns construindo a educação local há mais de 30 anos, tiveram, da noite para o dia, seu cargo de direção suspenso.

O mesmo processo ocorreu nas Escolas Municipais de São Paulo, mostrando um alinhamento entre o Governo Tarcísio e o de Ricardo Nunes no que diz respeito à perseguição de professores e ao avanço da privatização e militarização do espaço escolar. Alguns desses diretores, não podendo ser demitidos por serem concursados, foram realocados para a Diretoria de Ensino para não realizar função alguma, como apresentado em video de Denúncia feito por uma diretora cessada da EMEF Saturnino Pereira

3) Imposição de avaliação de desempenho sobre toda a comunidade escolar

Em 19/05/25 desde a RESOLUÇÃO SEDUC Nº 83 que “Dispõe sobre a Avaliação de Desempenho dos Integrantes do Quadro de Magistério - QM - das Escolas de Tempo Parcial e das Escolas de Ensino Integral, revoga dispositivos da Resolução SEDUC nº 61/2024 e dá providências correlata.”

A Resolução apresenta que “O Secretário do Estado da Educação, no uso de suas atribuições, e à vista do que lhe representou a Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos – CGRH, com fundamento na valorização dos profissionais da educação, considerando a necessidade de aferição das condutas positivas para o bom desenvolvimento do ensino público estadual e o direcionamento para a prestação educacional de excelência. Os integrantes do Quadro do Magistério - QM da rede pública do Estado de São Paulo, que estejam atuando nas escolas estaduais de tempo parcial ou de ensino integral, serão periodicamente avaliados”.

Com isso, aumenta-se o caráter persecutório sobre profissionais que já atuam sob condições de trabalho bastante precárias na Educação. A medida que visa implementar a avaliação da equipe gestora por estudantes e professores, e dos professores por estudantes e pela equipe gestora nada têm a acrescentar do ponto de vista pedagógico, isso se expressa pelas próprias questões presentes na avaliação, que apresentam muito mais formas de atestar a aplicação de atividades aderentes aos planejamentos e plataformas governamentais do que a capacidade docente e da gestão escolar, ao passo que é vinculada à pasta de recursos humanos e não às pastas pedagógicas.

Assim, a avaliação será usada para aumento da coerção e perseguição de professores e gestões escolares não alinhadas aos projetos neoliberais e de militarização escolar. A despeito dessa evidente utilização, alguns setores dos sindicatos de professores têm apontado para o problema de “falta de competência” dos estudantes em realizarem avaliações sobre os professores. Na medida em que avançam ataques contra toda a educação, esse tipo de separação entre os interesses do movimento estudantil e do movimento sindical de professores e da gestão escolar pode favorecer o avanço dessas medidas.

Já em 26/06/25 foi publicada RESOLUÇÃO SEDUC Nº 98, que “Dispõe sobre a evolução por desempenho e de desenvolvimento dos integrantes do Quadro do Magistério regidos pela Lei Complementar nº 1.374, de 30 de março de 2022, alterada pela Lei Complementar nº 1.396, de 22 de dezembro de 2023, e dá providências correlatas”

A Resolução estabelece uma série de critérios para a evolução escolar, ligando a progressão de carreira com a avaliação docente, desempenho de estudantes no SARESP dentre outras, como a participação nos programas de formação da EFAPE, bastante questionados pela categoria docente.      

4) Fim do abono permanência

Em 13/06/25 a PORTARIA SGGD/SGP Nº 2, que “Instaura procedimento administrativo destinado a invalidar os atos de concessão de abono de permanência que especifica, e dá providências correlatas.” Surge como uma ameaça também contra professores aposentados que, por necessidade e desígnio do próprio Estado, seguiram cumprindo função na carreira.

Em resumo, alguns cargos para os quais professores foram contratados já não existem mais. Isso ocorre devido à uma série de problemas que o próprio governo instaurou no sistema educacional ao não realizar concursos públicos para suprir o corpo docente necessário à Educação Pública no Estado. Contudo, em caso de continuidade na realização das funções, depois da aposentadoria, os professores e demais categorias, têm direito à um “abono permanência”, que reconhece o esforço daqueles que, podendo estar aposentados, seguem executando suas funções. É esse auxílio que o Governo está atacando com essa resolução, extinguindo o abono de todos àqueles que, por ventura, estavam sob uma função extinta.

O problema se dá, na medida em que não são os profissionais que escolheram estar em funções extintas pelo Governo. A medida ainda causa bastante comoção entre a categoria, por notificar judicialmente os professores que receberam o abono sob pena de terem que ressarcir os valores ao Governo. A APEOESP ingressou com uma Ação Civil Pública contra a medida, conforme informe urgente 54. Professores que tiverem sido notificados devem entrar em contato com o setor jurídico do sindicato.

5) Diminuição do limite de faltas-aula com ameaça de quebra de contrato

Já no dia 26/06/25, a RESOLUÇÃO SEDUC Nº 97, que “Dispõe sobre limite de faltas-aula dos docentes da rede estadual de ensino e dá providências correlatas”, extrapolou os limites do debate entre os professores e comunidade escolar, ganhando destaque na grande imprensa.

A Resolução é categórica:

“O descumprimento da carga horária mensal mínima — compreendendo aulas com estudantes e atividades de trabalho pedagógico coletivo (ATPC) — será caracterizado como infração contratual e legal, nos termos do inciso IV do artigo 8º da referida Lei, quando as faltas atingirem ou superarem 5% (cinco por cento) da carga horária prevista em sua jornada de trabalho.
§1º - Nos casos previstos no caput, as Diretorias de Ensino poderão proceder a extinção do contrato de trabalho, não podendo o docente retornar no período letivo vigente.
§2º - A aferição do percentual de faltas do docente será apurada mensalmente, iniciando-se a partir de 1º de junho de 2025.”

Tal medida, rígida, não leva em consideração a estrutura escolar que leva esses profissionais à eventuais faltas por motivos de saúde, nem abre margem para um entendimento mais profundo sobre as razões pelas quais alguns professores podem ter excedido tal limite em algum período. Além disso, professores têm apontado que o limite é vexatório. Um professor que tenha a carga máxima de 36 aulas, caso falte em duas aulas no mês, poderá ter seu contrato extinto. Essa última medida foi apresentada próximo às férias docentes, que iniciam na próxima semana.

6) Imposição da prova Paulista na avaliação

A intervenção, por parte do governo, não se dá apenas no âmbito institucional e da gestão escolar, mas também está se apresentando no âmbito pedagógico. A Prova Paulista, que é um mecanismo de avaliação em larga escala do Estado de São Paulo, passou a constar como obrigatória na avaliação individual de cada professor. Com peso pré-estabelecido de 30% da média bimestral. É possível mudar o peso da nota mas é impossível excluir essa avaliação como uma das componentes da nota.

Tal medida diminui uma parte importante da autonomia docente, no que diz respeito à capacidade pedagógica do professor avaliar seus estudantes de acordo com o trabalho educativo realizado e das capacidades desses estudantes. Uma prova padronizada, realizada online numa plataforma, com conteúdos padronizados em avaliações de larga escala desconsidera uma série de especificidades do trabalho educativo cotidiano.

Printscreen da tela de um professor da Rede Estadual com a nota da prova paulista imposta.

A educação sob ataque

Todas as medidas apontadas vão no sentido da precarização da carreira do professor, da diminuição de sua potência enquanto transformador da sociedade, e demonstram a ofensiva do Governo do Estado de São Paulo sobre a educação. Ainda assim, setores majoritários na direção do Sindicato, ligados ao Partido dos Trabalhadores - PT, seguem sustentando que não há possibilidade de uma mobilização mais enérgica contra essas medidas.

Necessário lembrar do consenso programático entre o setor democrático popular e a extrema direita no que diz respeito ao financiamento da educação. Desde que assumiu o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad demonstra interesse em acabar com o piso da Saúde e da Educação. E essa semana foi anunciada a possibilidade da inclusão do “Programa Pé Meia” diretamente nesse orçamento, o que pode fazer avançar tal precarização.

É como se a defesa à educação por setores que apoiam o Governo Federal não pudesse ir até às últimas consequências. A lógica que rege as políticas de extrema direita de Tarcísio e Nunes e aquelas programadas por Haddad partem de um mesmo plano de fundo neoliberal, de desfinanciamento, desestruturação de carreiras e desinvestimento na educação. Cabendo à esses setores denunciar apenas a face mais autoritária das imposições de Tarcísio, sem contudo, ir às raízes dos problemas com medo de esbarrar em críticas necessárias ao Governo Federal.


[1] No site da SEDUC, onde são publicadas as Resoluções, essa que explicitava os termos da mesa de negociação criada é a única, até onde pudemos verificar, cujo arquivo completo está corrompido e inacessível.