Como o Saúde Caixa foi alinhado à agenda de privatização
Sem discussão com a categoria, Contraf-CUT aprova documento em que trabalhadores custeiam parte do plano de saúde caso recebam valores indenizatórios de qualquer ordem.

Edifício Matriz da Caixa Econômica Federal. Reprodução/Foto: Agência Brasil
Por Leonardo Damasceno
No dia 11 de novembro, a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF/CUT) anunciou a aprovação da minuta de proposta do aditivo ao Acordo Coletivo de Trabalho do Saúde Caixa que impõe prejuízos aos trabalhadores da Caixa Econômica Federal (CEF). Encaminhado aos trabalhadores na íntegra somente no dia anterior e com pouco tempo hábil de discussão, a CONTRAF possibilitou a aprovação sem o devido debate de uma cláusula que faz os funcionários arcarem com custos do plano quando recebem valores indenizatórios.
Enquanto ainda era realizada a votação, a entidade sindical divulgou a aprovação do aditivo com 65,84% dos votos, maior que os 51% de aprovação do aditivo ao ACT Saúde Caixa de 2023, analisado com maior antecedência. O novo documento transfere riscos aos empregados graças a um teto duplo, isto é, limitado ao custeio dos benefícios de assistência à saúde de 6,50% da folha de pagamentos e proventos ou a 70% do montante, aprofundando desigualdades entre grandes centros e interiores e inviabilizando famílias maiores com menor renda. O documento ainda exclui aposentados após 2018 do direito à manutenção do benefício plano, reduzindo o passivo futuro da empresa e expondo-os a risco social.
O documento aprovado introduz mais uma medida de precificação de risco ao Saúde Caixa, a previsão de descontos sobre os valores decorrentes de ações judiciais propostas por participantes ativos e inativos, possibilitando endividamento às custas de direitos trabalhistas, em desacordo com o artigo 468 da CLT. A minuta permanece expropriando direitos com a imposição de mensalidades progressivas em termos absolutos sobre a base salarial para cada dependente no plano do titular, e em termos regressivos para famílias com maior número de dependentes indiretos, além de vigorar a cobrança também em cima do 13º salário.
Os dispositivos fazem cumprir o papel das mesas de negociação de alcançar um cenário “menos pior”, segundo a própria CONTRAF/CUT, mesmo que isso signifique trabalhadores mais doentes, expostos a riscos, com salários menores e a Caixa com uma imagem mais agradável ao mercado, como idealizado por Temer e corroborado por Lula/Haddad — cenário que a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (FENAE) denunciava em sua cartilha “Saúde Caixa: conhecer para defender” de 2017 como caminho para a privatização do banco, mas que hoje é ignorado pelas entidades representativas em nome da governabilidade.
Em sessenta anos, a assistência médica para os trabalhadores da Caixa acompanhou desde o seu custeio integral pelo então Serviço de Assistência e Seguro Social dos Economiários (SASSE), extinto na ditadura empresarial-militar, até o modelo coparticipativo 70/30 do plano Saúde Caixa, criado em 2004. E, apesar de sofrer com inúmeros ataques, sobretudo desde o governo Temer, o plano ainda é superavitário.
O modelo de coparticipação dependia de reajustes anuais para manter sempre a relação 70/30. Em 2005 e 2006, porém, a empresa aplicou reajustes de 100% consecutivamente, como explica a diretora de Saúde e Previdência da Fenae, Fabiana Matheus. “O resultado disso é que, mesmo com a inflação médica aumentando o custo do plano todos os anos, os empregados pagam tanto a mais que, até hoje, sobra dinheiro”. O valor que deveria custear a assistência no ano seguinte é apropriado indevidamente pela empresa, a fim de “compensar os resultados insatisfatórios do banco à custa dos empregados, sacrificando direitos trabalhistas duramente conquistados", acrescenta.
O teto do custeio da assistência médica foi inserido no estatuto do banco em janeiro de 2017, ignorando o ACT vigente, o que expôs a fragilidade das mesas de negociação tripartites entre sindicatos, empregadores e poder público como espaço de defesa dos trabalhadores. A decisão de manutenção do teto foi corroborada pela Justiça do Trabalho e evidenciou os efeitos do enfraquecimento das lutas populares.
Os efeitos das medidas de austeridade são sentidos na pele pelos trabalhadores da Caixa, afligidos por maiores custos, evasão do plano de saúde e risco social. É preciso, portanto, explicitar a natureza de classe do conflito e o papel das entidades representativas e centrais sindicais como amortecedores da luta de classes neste aspecto, um papel evidenciado na naturalização da política de austeridade dentro da instituição financeira. Derrotas silenciosas são convertidas em vitórias aparentes, servindo ao Estado e a seus representantes, desorganizando a classe para enfrentar o capital e administrando apenas cenários menos desfavoráveis.