Amazônia vendida: destruição no PAE Maracá
Enquanto o governador do Amapá, Clécio Luis (Solidariedade) e os senadores Davi Alcolumbre (UB) e Randolfe Rodrigues (PT) celebram o maior plano de manejo florestal do Brasil, comunidades denunciam irregularidades, contratos abusivos e destruição de seu modo de vida.

Encontro em Defesa da Floresta em Pé. Reprodução/Foto: Ester Cabral.
O governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), divulgou com orgulho que o maior plano de manejo florestal sustentável do Brasil está em curso, tal proposta tinha sido apresentada na COP 28 em Dubai. Com 172 mil hectares autorizados para exploração – quase um terço do território do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Maracá, no município de Mazagão – a promessa é de desenvolvimento verde, geração de renda e ‘respeito’ à floresta.
Mas por trás dos discursos oficiais e da articulação política dos senadores Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Randolfe Rodrigues (PT-AP), outra história é contada pelos moradores do assentamento. Uma história marcada por contratos assinados sem consulta, promessas não cumpridas e empresas já multadas por infrações ambientais.
O PAE Maracá foi criado para garantir o uso sustentável da terra pelas comunidades tradicionais, com atividades como a coleta de castanha e a pesca. Mas desde 2016, a floresta da região começou a ser explorada por serrarias e contratos que mudaram aos poucos a lógica do território.
A responsável pelo projeto atual é a TW Forest, que recebeu da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) a Autorização de Exploração Florestal (Autex) em setembro de 2023, sete anos após o início das atividades ilegais realizadas pela empresa. A autorização veio quatro meses após a empresa ser multada pelo IBAMA em R$ 120,2 mil por irregularidades ambientais. Dois meses depois, outras duas multas somando R$ 10,1 mil foram aplicadas por novas infrações, entre elas a exportação de madeira sem documentação adequada.
O projeto de manejo foi firmado entre a TW Forest e a Associação dos Trabalhadores do Assentamento Agroextrativista do Maracá (ATEXMA), presidida por Rogério Chucre. Mas moradores denunciam que a assembleia-geral que deveria aprovar o contrato nunca ocorreu.
Em troca da cessão dos direitos de uso da terra, foi prometida às famílias uma “bolsa verde” de R$ 900 – valor que, na prática, não é política pública federal, mas compensação paga pela própria empresa aos assentados. E, que muitos consideram irrisório diante da riqueza extraída e que não chega a garantir nenhuma sobrevivência frente ao custo necessário para viver.
Em junho de 2024, o Incra decidiu suspender a extração de madeira no PAE Maracá após constatar graves irregularidades na contratação das empresas responsáveis pelo manejo. Entre os problemas identificados estavam a ausência de consulta às comunidades locais e a falta de uma ata de assembleia-geral que validasse o projeto. No entanto, mesmo diante desses apontamentos e de pareceres técnicos que reforçavam a ilegalidade do processo, o Incra voltou atrás. Em julho, o órgão revogou a suspensão e autorizou a continuidade das atividades, amparando-se em um parecer da Secretaria de Meio Ambiente do Amapá (Sema), que alegou não haver elementos suficientes para manter a paralisação.
Em fevereiro de 2025, após pressão de movimentos sociais unificados na Campanha Floresta em Pé, o Ministério Público Federal emitiu a Recomendação nº 19/2024, solicitando a suspensão do plano de manejo florestal no PAE Maracá. A recomendação baseou-se em indícios de que o projeto favorecia a exploração empresarial da madeira em uma área destinada ao uso sustentável e comunitário, além de apontar a falta de consulta adequada às comunidades locais.
Apesar da recomendação oficial, moradores da região afirmam que a retirada de madeira nunca cessou completamente, o que escancara a fragilidade da fiscalização e o desrespeito aos direitos das comunidades.

Governador Clécio Luís (Solidariedade) no assentamento PAE Maracá. Reprodução/Foto: Portal Governo do Amapá.
O crescimento e o incentivo da Exploração de Madeira no Amapá
O ano de 2024 marcou a reativação de 20 indústrias de madeira no estado. As Autorizações de Exploração Florestal dispararam: de 30 em 2023 para 76 no ano seguinte. Entre as principais beneficiadas estão a TW Forest e suas associadas, como a Eco Forte e a Norte Serviços Florestais – esta última registrada no nome da esposa de um ex-servidor da Sema.
Entre 2010 e 2023, o Amapá arrecadou cerca de R$65 milhões com exportações de madeira nativa. Os principais destinos são países da União Europeia – Espanha, Portugal, Dinamarca, Irlanda – com foco na exportação de madeira em estilha.
Esse avanço do setor madeireiro no estado tem rostos e interesses bem definidos. A reativação das indústrias e a liberação em massa das autorizações florestais contam com o apoio direto do governador, que tem defendido o projeto como “estratégico para o desenvolvimento econômico do Amapá”, e são fruto da articulação intensa do senador Alcolumbre, com apoio também do senador Randolfe Rodrigues, que passou a endossar o plano em nome de uma suposta “economia verde”. O discurso da sustentabilidade, porém, tem servido de cortina de fumaça para garantir lucros milionários a um setor concentrado nas mãos de poucos empresários – muitos dos quais são financiadores de campanha ou ocupam postos estratégicos em órgãos ambientais do próprio estado.
A Floresta se defende com o povo organizado
Diante do avanço da destruição e da conivência do Estado, a reação não se fez esperar. Desde meados de 2024, trabalhadores extrativistas, partidos, juventudes, sindicatos combativos e organizações populares têm se unido na construção da Campanha Floresta em Pé.
A campanha denuncia os crimes cometidos no PAE Maracá e reivindica o fim do manejo empresarial, exigindo que a gestão da floresta volte para as mãos de quem nela vive e trabalha. Por meio de panfletagens, atos públicos e pressão direta sobre os órgãos responsáveis, a mobilização tem conquistado cada vez mais apoio popular e visibilidade.
PL da Devastação
Enquanto a resistência cresce nas comunidades, em Brasília avança o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) – uma proposta que, se aprovada, pode abrir ainda mais as portas para o desmatamento.
O PL enfraquece os mecanismos de controle e fiscalização, permitindo que empresas dispensem estudos de impacto ambiental em diversos casos. Na prática, é como dar carta branca para madeireiras, mineradoras e grandes empreendimentos agirem sem consultar previamente e prestar contas às populações atingidas.
Esse PL é uma ameaça direta à Amazônia e aos povos da floresta. Legaliza o que hoje já é feito às escondidas: a expropriação da terra, o silenciamento das comunidades e o lucro acima da vida.