Grito dos Excluídos, internacionalismo proletário e a luta pela soberania

O Grito dos Excluídos é organizado e mobilizado em diversas cidades brasileiras em resposta às comemorações do 7 de setembro.

7 de Setembro de 2025 às 21h00

Bandeira e imagem de Donald Trump em manifestação em defesa da soberania nacional em São José dos Campos (SP). Foto: Jornal O Futuro.

Por Stella e G.C.

O Grito dos Excluídos de 2025 traz o mote “Cuidar da casa comum e da democracia é luta de todo dia”. Desde sua criação na década de 90, o Grito dos Excluídos é um importante momento de mobilização de movimentos sociais, organizações políticas e pastorais católicas para a denúncia de desigualdades históricas do Brasil. A temática deste ano encontra respaldo em temas de expressiva repercussão nacional, como a crise ambiental e a soberania nacional. Entretanto, os comunistas precisam endurecer o debate acerca desses dois temas, primeiro por compreender a questão ambiental numa perspectiva anti-imperialista, e segundo por trazer à luz o real debate sobre soberania a ser feito.

Se, por um lado, a realização da 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em Belém do Pará vem sendo vendida como um marco histórico para o Brasil e para os países intermediários na cadeia imperialista, por outro, os recentes ataques de Donald Trump à soberania brasileira colocam o debate sobre a soberania nacional como algo a ser amplamente defendido. Enquanto Lula rebate as declarações de Trump com um discurso de construção de uma nova governança mundial, se alia às potências do BRICS para vender a imagem de que o Brasil tem se tornado líder na luta contra a crise climática. Porém, o que se esconde por trás tanto da defesa da soberania, quanto deste espetáculo “verde” é, na realidade, um novo arranjo de exploração e espoliação dos povos trabalhadores, especialmente da Amazônia. Em recente declaração em Bogotá, inclusive, Lula anunciou que fez convite a Trump para participar da COP30.

Em paralelo a isso, o BRICS — bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, recentemente ampliado para incluir novos países — se apresenta pretensamente como alternativa ao imperialismo ocidental. No entanto, sua essência é a mesma: um instrumento de dominação capitalista, que busca expandir mercados, controlar recursos estratégicos e garantir novas rotas de acumulação de capital, cumprindo o seu caráter parasitário. A COP30, nesse sentido, é apenas mais uma etapa de celebração desse projeto. As negociações climáticas internacionais, longe de representarem uma ruptura com o modelo predatório, têm servido para legitimar mecanismos de “financeirização da natureza”, como os créditos de carbono. Esses dispositivos transformam a floresta amazônica, o cerrado e outros biomas em ativos financeiros, controlados por bancos e corporações. O discurso da “sustentabilidade” é usado para perpetuar a desigualdade: enquanto as grandes potências poluidoras seguem intocadas, os povos indígenas, camponeses e trabalhadores são pressionados a aceitar restrições sobre seus territórios e formas de vida.

Na prática, o BRICS se alia a esse esquema. A China e a Índia, potências industriais em expansão, necessitam garantir o acesso a matérias-primas e energia barata. O Brasil, como parte subordinada, oferece a Amazônia como moeda de troca — seja pela exploração mineral, pela expansão do agronegócio “verde” ou pela inserção nos mercados de créditos de carbono. O que se apresenta como “cooperação entre países emergentes” é, na verdade, uma divisão imperialista do saque. A COP30 em Belém não representa a salvação da Amazônia, mas sua entrega formal ao capital transnacional, agora com uma roupagem “multipolar”, que é nada menos que a aliança das burguesias internacionais do BRICS. O imperialismo verde do BRICS, consubstanciado na declaração de sua 17ª Cúpula, não difere em essência do imperialismo norte-americano e europeu: ambos exploram os trabalhadores, destroem a natureza e subordinam nações inteiras à lógica da acumulação. Como resultado da 17ª Cúpula do BRICS, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) prevê a arrecadação de US$ 300 bilhões por ano até 2035 para os países em desenvolvimento, com vistas a escalonar o valor a US$ 1,3 trilhão. Porém, esses valores só serão arrecadados por meio de captação de recursos do mercado privado, que só se compromete com a lucratividade a curto prazo, o que entra em frontal contradição com o objetivo de preservação das florestas a longo prazo.

Partidos, sindicatos e movimentos sociais em manifestação em defesa da soberania nacional em São José dos Campos (SP). Foto: Jornal O Futuro.

A tentativa de um chamado à defesa da “soberania”, feito pelos setores governistas neste Sete de Setembro, repete o mesmo discurso abstrato de décadas passadas: apelos genéricos à unidade nacional, sem qualquer enfrentamento real ao capital financeiro internacional ou ao domínio das grandes corporações. Ao mesmo tempo em que fala em independência, o governo organiza sua política externa em torno de agendas e espaços que aprofundam a dependência ao imperialismo — seja em sua versão estadunidense-europeia, seja na sua mais nova variante que se apresenta como multipolar.

O nacionalismo burguês foi e sempre será uma armadilha. Enquanto ferramenta que armou a ascensão das burguesias nacionais em torno de um desenvolvimento sob pretexto do fortalecimento do Estado-nação, continua servindo para mobilizar o povo em torno de símbolos patrióticos, enquanto as riquezas da Amazônia são negociadas em mercados de carbono, o agronegócio segue devastando territórios, e os bancos ditam o rumo da economia na lógica do aprofundamento do capitalismo monopolista. O apelo à “soberania” nunca toca no ponto central: o poder político e econômico continua nas mãos de uma minoria exploradora. Mais que isso, o chamado à soberania nacional por parte do governo, explícito nas recentes declarações de Lula, não tem qualquer compromisso com a caracterização do Estado nacional como a formação mais adequada à satisfação das exigências do capitalismo moderno. Na prática, essa defesa está longe de colocar no centro do debate a autodeterminação dos povos nos termos colocados por Lênin, mas sim na manutenção das agendas das burguesias nacional e internacional em torno de seus interesses.

Nesse sentido, o debate sobre soberania nacional só começará a se comprometer de fato com a classe trabalhadora quando abrir um profundo e intenso espaço de debate para temas que afetam diretamente o caráter dependente do capitalismo brasileiro, como a retomada e o desenvolvimento da política nuclear brasileira para transição energética e a superação da dependência tecnológica brasileira. A saída trazida pelo multipolarismo tão alardeado atualmente não só aprofunda as desigualdades sociais no interior do Brasil, como não produz o enfrentamento ao agronegócio e sequer traz qualquer perspectiva de debate sobre formas de debilitar a dominação da burguesia contra trabalhadores e todas demais camadas oprimidas do povo, como a nacionalização das terras.

A luta política a ser travada para levar tais questões adiante, assim como tantas outras, demonstrará as limitações do atual modo de produção e aprofundará as contradições colocadas para todo o conjunto do povo brasileiro. Tais contradições não dizem respeito somente à esfera nacional, mas também à internacional. Se o capitalismo brasileiro ocupa lugar entre as 10 maiores economias do mundo, também o seu proletariado tem um papel internacional a desempenhar.

Pergunte aos pequenos e médios fazendeiros europeus o que pensam sobre o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia; pergunte aos palestinos o que pensam de petróleo brasileiro abastecer de combustível os tanques e jatos israelenses; pergunte aos haitianos que herança foi deixada pelo Brasil em sua missão por lá.

A defesa de uma verdadeira soberania, de um projeto nacional proletário - e não burguês -, para o Brasil está diretamente atrelado aos interesses, também, dos povos oprimidos e explorados de todo o mundo. A cada vitória nossa, a cada avanço, assim o é também para os demais povos do mundo inteiro.   

É urgente que se denuncie todas as formas de ataque à soberania nacional, mas isso só será verdadeiramente possível se superarmos o discurso de um nacionalismo burguês que nada traz de avanço para a classe trabalhadora. Essa é uma luta que só poderá nascer se for organizada por todos os trabalhadores, povos indígenas e demais explorados!