Câmara de vereadores de Salvador (BA) aprova lei da bíblia nas escolas
Kênio Rezende (PRD) declarou que a obra poderia ser utilizada, por exemplo, para ensinar “a história de Israel e de Jerusalém”, argumento que explicita o viés proselitista da medida.

Reprodução/Foto: Pixabay.
Por Victor de Almeida
A Câmara Municipal de Salvador aprovou, com um placar de 18 votos a 14, o projeto de lei de autoria do vereador Kênio Rezende (PRD) que inclui a Bíblia Sagrada como material paradidático nas escolas públicas e privadas da capital baiana. Segundo o texto, a medida não teria caráter religioso nem buscaria impor crenças, mas sim reconhecer o “valor histórico, literário, geográfico e cultural” do livro, permitindo seu uso como apoio em disciplinas como História, Literatura, Geografia, Filosofia, Artes e Ensino Religioso. O autor da proposta afirma que a intenção é “ampliar os recursos pedagógicos” e “respeitar a laicidade do Estado”, tratando a Bíblia como um documento de relevância cultural. Contudo, ao justificar a iniciativa, Kênio Rezende (PRD) declarou que a obra poderia ser utilizada, por exemplo, para ensinar “a história de Israel e de Jerusalém”, argumento que explicita o viés proselitista da medida e sua conexão com uma agenda ideológica alinhada ao sionismo, que recorre a narrativas bíblicas para legitimar projetos políticos de extrema-direita, com o genocídio do povo palestino.
A trajetória do próprio vereador revela a lógica que sustenta a aprovação da lei. Pastor ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, Rezende foi lançado à política por uma instituição que concentra poder econômico e político expressivo e que adota o sionismo como um de seus pilares. Sua candidatura, apoiada por uma base conservadora, é exemplo da instrumentalização da fé como ferramenta de conquista de espaços no aparelho de Estado. A aprovação da medida, com o apoio de uma maioria de vereadores, demonstra o alinhamento de grande parte da classe política local com os interesses de grupos religiosos reacionários.
Essa ofensiva ideológica não se limita ao terreno pedagógico: ela integra uma estratégia mais ampla de reprodução das condições de dominação burguesa. Ao introduzir um texto sagrado de caráter dogmático no espaço escolar, o projeto atua como mecanismo de naturalização da ordem social, desviando a juventude da compreensão das contradições estruturais que sustentam a exploração capitalista. Em vez de fomentar o pensamento crítico, busca-se inculcar valores que reforçam a resignação diante da desigualdade e da opressão de classe.
O apelo à religião no ambiente escolar opera, assim, como instrumento de hegemonia: consolida um consenso social baseado em moralismos e mitos que encobrem as raízes materiais da miséria e da violência cotidiana. Tal como apontou Marx, a religião cumpre a função de legitimar a ordem estabelecida, amortecendo a indignação popular e canalizando-a para uma dimensão transcendental, onde as contradições do capital aparecem como destino ou provação, e não como produto histórico da exploração do trabalho.
É nesse sentido que a luta pela educação pública, gratuita, laica, científica e verdadeiramente emancipadora deve constituir uma das principais bandeiras da classe trabalhadora. A escola não pode ser reduzida a um aparelho de reprodução da ideologia dominante; ela deve se afirmar como espaço de disputa, onde o conhecimento histórico e científico seja colocado a serviço da formação de sujeitos capazes de interpretar criticamente sua realidade e de se organizar para transformá-la.