2ª edição do Sarau Periférico em Defesa da Palestina ocorre em Taboão da Serra (SP)
O evento denunciou o genocídio praticado pelo Estado de Israel contra o povo palestino e expôs a ligação entre a violência colonial no Oriente Médio e a repressão policial nas periferias brasileiras, cobrando do governo federal o rompimento imediato das relações com Israel.

Reprodução/Foto: Divulgação/Sarau Periférico.
Por Bruno Ramos
No último domingo de agosto, 31, aconteceu a 2ª edição do Sarau Periférico em Defesa da Palestina na Arena Multiuso, em Taboão da Serra. A tônica do evento foi a denúncia do contínuo genocídio praticado pela ocupação israelense contra o povo palestino, ressaltando o caráter colonial da dominação. A denúncia do processo de financiamento Brasileiro para com o Estado colonialista de Israel, via compra e aquisição de equipamentos militares e treinamento para as forças de segurança pública Brasileira, também marcou o evento
A organização do sarau foi articulada por militantes do PCBR, do GOI, d'Os 9 que Perdemos, do Juntos e do Coletivo Em Frente LGBTQIAP+. Somando-se à iniciativa, teve o apoio e a participação da Frente Palestina de São Paulo. Organizações como o Sindmed – SP (Sindicato dos Médicos de São Paulo) e o coletivo pró-Palestina Fecha a Torneira contribuíram financeiramente com a construção do evento.
Durante as falas e intervenções, foi estendida a solidariedade e o apoio aos treze camaradas que embarcaram no mesmo dia na Global Sumud Flotilla. Diante da inércia dos governos do mundo frente aos horrores impostos pelo nazi-sionismo, a iniciativa da flotilha renova o compromisso de romper o cerco que aflige Gaza há 17 anos.
Foi também objetivo do evento cobrar do governo Lula que vá além do discurso e rompa todas as relações com a ocupação israelense, interrompendo, inclusive, o fornecimento de petróleo que abastece o genocídio em Gaza, e a compra de armas usadas pelas polícias para exterminar a população periférica aqui no Brasil. A polícia de São Paulo e da Bahia, dois dos exemplos de maiores letalidades policiais e violência contra a população periférica, usam de equipamento militar israelense para a produção do estado de vigilância e violência.
Algumas das falas mais poderosas do evento foram feitas por mães de jovens vitimados pela Polícia Militar de São Paulo. Sandra de Jesus Barbosa, mãe de Luís Fernando Alves de Jesus, teve seu filho assassinado por um PM que fraudou o laudo da morte do rapaz e segue impune.
Sua fala explicitou a racialização assassina do Estado a partir de seu próprio testemunho.
“Cultura na nossa região é a última coisa que chega. Quantos jovens sabem o que é um museu, um teatro, um sarau? Eles não têm oportunidade, mas o Estado tem a oportunidade de dar tudo isso pra eles e não dá. É mais fácil chegar com uma viatura, atirar pelas costas e marginalizar os nossos jovens.”
Sandra expressou o que a mulher negra está sujeita no Brasil: “eu fui criada pra lavar privada, pra ser babá, pra ser doméstica (...) O Estado me tirou a chance de ser avó. O Estado acabou com minha família. O Estado me deixou sem saúde, sem emprego, sem nada. Eu falo que hoje eu sou uma mulher doente... O Estado me nega tudo. Eu tentei um auxílio pelo CRAS e me foi negado com a informação ‘Você não pode, porque você não tem filhos’. Como eu vou ter filhos se o Estado arrancou o meu filho com tiros de fuzil à queima-roupa numa praça pública? Que Estado é esse que nos marginaliza por corte de cabelo, pelo estilo de roupa, por música, pela nossa cultura?”
Em dezembro de 2019, uma ação policial resultou no Massacre do Paraisópolis: nove jovens assassinados, e os doze agentes permanecem impunes. Dentre eles, estava Denys Henrique, filho de Maria Cristina Quirino. Ela tornou sua vida uma luta por justiça e contra a barbárie policial. Cristina é uma das organizadoras do sarau e fez uma fala muito forte, relacionando a dor das mães palestinas e das mães brasileiras frente a estruturas genocidas. A seu filho, Denys, dedicou um poema de sua autoria:
“Devolve meu filho aqui
Sem ele não consigo seguir
Me tornei andarilha
Numa trincheira cheia de espinhos
A dor me invade a alma
Enquanto todos me pedem calma
O coração se desmancha em lágrimas
Devolve meu filho aqui
quero afagá-lo em meus braços
Ninar até ele dormir
Devolve meu filho aqui
Quero lhe fazer cócegas
E ver ele sorrir.”
O sarau contou com uma roda de conversa sobre colonialismo, com intervenções da historiadora e poeta marginal Vampp, que, em parceria com outro artista local, NEW OFC, produziu um zine explicando a história de dominação e colonialismo dos sionistas sobre os palestinos. O material chegou a ser utilizado por professores de escola pública no Pará, por intermédio dos companheiros do coletivo Katawixi.
A jornalista palestino-brasileira e intransigente militante pela libertação de seu povo, Soraya Misleh, também participou da roda de conversa. Vampp apresentou um panorama geral sobre colonialismo na História, e como o roubo e a espoliação europeia dos povos originários das Américas e dos escravizados africanos germinou o capitalismo. Misleh falou sobre as particularidades da luta dos palestinos e o recrudescimento da fase atual do genocídio, tornando Gaza um laboratório de tecnologias de extermínio populacional.
Algumas falas trouxeram as relações históricas entre racismo, colonialismo e a ideologia sionista, como a da vereadora Luana Alves, do PSOL, que contribuiu com sua presença e didática. O camarada Felipe, do PCBR, frisou o caráter internacionalista da luta, estendendo apoio à flotilha e relembrando um dos compromissos do sarau: mobilizar as periferias e demandar ruptura por parte do governo federal.
O evento se constituiu de forma orgânica com a juventude local. Artistas e MCs se apropriaram da tarefa. Após a roda de conversa, foi realizada uma batalha de rimas tanto intensa quanto didática. Os MCs improvisaram rimas sobre o colonialismo, a resistência palestina e a luta de classes na periferia, com destaque para Marcola e FH Rap (o grande vencedor).
Caminhando para o final, foi realizado um ato simbólico de apoio ao povo palestino e de homenagem às vítimas de violência policial. Foi hasteada uma bandeira da Palestina que cobriu toda uma arquibancada da arena, ato acompanhado pelos cânticos entoados pela Bateria Vermelha do PCBR. A conclusão se deu com uma roda cultural.

Reprodução/Foto: Divulgação/Sarau Periférico.
Artistas, poetas e militantes iluminaram o anoitecer de Taboão com seu talento e solidariedade internacional. Destaque para o brilhante monólogo da artista Black, que encarnou em sua performance as dores e os enfrentamentos das mulheres jovens e negras.
O Sarau Periférico é uma construção e uma tentativa de acumular forças e criar consciência ao estreitar as relações entre a comunidade palestina e a população periférica, que já produzem suas próprias formas de luta. Este será um trabalho contínuo que irá rodar pelas quebradas da região metropolitana de São Paulo, denunciando as barbáries sionistas do “Estado” de Israel e sua conexão com as lutas nas periferias contra a violência policial.