A mobilização dos trabalhadores contra a Reforma Administrativa

A Marcha Nacional, no dia 29 de outubro, trouxe vitórias concretas: expôs a natureza privatista da Reforma, forçou recuos e abriu uma brecha importante para reorganizar a resistência.

27 de Novembro de 2025 às 15h00

Reprodução/Foto: Eline Luz – Imprensa ANDES.

Por Caio Andrade

A mobilização de 29 de outubro mostrou que quando trabalhadores rompem com a passividade e ocupam as ruas, o tabuleiro da luta de classes se move. Não se trata apenas de uma disputa entre sindicalistas e parlamentares; é uma disputa sobre o destino do serviço público, quem paga a conta do arcabouço fiscal e quem colhe os frutos das alianças com o grande capital.

Desde o início de 2025, ao assumir a presidência da Câmara dos Deputados, Hugo Motta tem buscado emplacar a Reforma Administrativa como marco de sua gestão. A sanha neoliberal de Motta reflete o seu empenho em atender os interesses das frações burguesas interessadas em reduzir os custos do Estado e abrir espaço para mais privatizações e terceirizações.

Contudo, a campanha unificada das entidades sindicais que representam os trabalhadores do serviço público está cumprindo o papel de desmascarar essa proposta. Nesse contexto, em meio à piora da percepção pública sobre manobras legislativas e ataques aos direitos dos servidores públicos, cerca de 25 deputados já tinham retirado suas assinaturas da PEC 38 até o fim de novembro.

O parlamento burguês pressiona pela Reforma Administrativa como elemento de aprofundamento da agenda neoliberal, complementando ataques anteriores, como a PEC do Teto, a Reforma da Previdência, a Reforma Trabalhista e a Reforma do Ensino Médio. Com esse intuito, diversos atalhos regimentais para acelerar o processo estão sendo testados. Vários jornais divulgaram que Motta poderia incluir trechos da reforma em outra PEC, apontando para a tática de fragmentar o conteúdo e buscar vias alternativas para driblar a resistência popular e acelerar a tramitação da matéria.

Entrevistado pelo Congresso em Foco, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), relator do grupo de trabalho da Reforma Administrativa, declarou que, por decisão do presidente da Casa, o texto será enviado diretamente ao plenário, sem passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nem por comissão especial. Confirmando as notícias que circularam anteriormente, o parlamentar fluminense afirmou que o apensamento da sua proposta a outra PEC com o mesmo caráter permitirá o rito abreviado.

Menos de duas semanas após a rejeição da PEC da Blindagem pelo Senado, o Grupo de Trabalho coordenado por Pedro Paulo apresentou um relatório com mais de 500 páginas, contendo propostas que consolidam a ofensiva contra pilares fundamentais do serviço público, como a estabilidade, além de mecanismos que expandem as terceirizações e a entrega de serviços essenciais ao mercado. A crítica a essa movimentação tem sido feita pelas entidades sindicais dos servidores, que vêm denunciando os riscos e impactos desse retrocesso sobre a qualidade e a independência do serviço público.

O argumento da “modernização”, utilizado na cruzada pela reforma, contrasta com os efeitos práticos apontados por sindicatos e fóruns, que alertam para a precarização de vínculos, perda de autonomia técnica e transferência de custos para trabalhadores e usuários dos serviços, especialmente em áreas sensíveis como saúde, educação e assistência social. Nos materiais das entidades, a Reforma Administrativa é desvelada como mais uma etapa de uma sequência de ataques que reorganizam o Estado a favor de um padrão de acumulação rentista e primário-exportador, sem ganhos concretos de eficiência ou de acesso universal aos serviços.

A rejeição da PEC da Blindagem no Senado, após fortes protestos, tornou-se ponto de inflexão. A trama acendeu o alerta em setores populares e ampliou o desgaste de manobras legislativas para beneficiar ricos e poderosos. Nesse ambiente, ficou mais difícil prosperar a falácia de “ajuste técnico”, evidenciando a rejeição das massas a um parlamento que legisla em causa própria enquanto pauta medidas que prejudicam a maioria da população. No plano político, tal quadro ajudou a conter a Reforma Administrativa, ao menos temporariamente.

Em resposta à PEC 38 e à omissão do governo e de grandes centrais na defesa ativa do serviço público, entidades independentes e sindicatos de diversas regiões organizaram a Marcha Nacional Contra a Reforma Administrativa, com paralisações por todo o país, convergindo para Brasília no dia 29 de outubro.

No dia 29 de outubro, cerca de 20 mil trabalhadores ocuparam a Esplanada dos Ministérios exigindo o arquivamento da PEC 38. As entidades que acompanharam o ato registraram a composição diversa — servidores federais, estaduais e municipais, docentes, profissionais de saúde, trabalhadores de áreas administrativas, entre outros — e destacaram a unidade construída para enfrentar o pacote de retrocessos.

O efeito político foi rápido: a pressão dos trabalhadores levou vários deputados a retirarem assinaturas da PEC 38, sinalizando recuo e fragilidade da base de apoio imediato à tramitação. Os relatos das entidades e de veículos alinhados à pauta dos servidores registram esse movimento como vitória tática importante, abrindo uma janela para a contraofensiva dos servidores públicos.

Após a Marcha, a PEC 38 perdeu fôlego com a retirada de apoios, e a articulação em torno de sua votação ficou mais instável. Porém, a presidência da Câmara ainda tem algumas cartas na manga — principalmente fatiar conteúdo e acoplar trechos da Reforma Administrativa a outras PECs — para contornar o desgaste e manter viva a agenda. Essa possibilidade, aventada publicamente, indica que a disputa não se encerrará na tramitação formal da PEC 38, exigindo vigilância permanente sobre a pauta.

A Marcha Nacional do Serviço Público Contra a Reforma Administrativa cumpriu um papel muito importante na conjuntura, contribuindo para conter o avanço da PEC 38. Mas isso não significa que os servidores conseguiram uma vitória definitiva. Em momentos de acirramento das lutas, a Câmara historicamente recorre a manobras regimentais e negociatas para aprovar medidas impopulares quando a atenção pública diminui. Por isso, é necessário manter o estado de mobilização e ampliar o trabalho de agitação nas bases.

Fazendo um balanço dos rumos do movimento até aqui, algumas lições se destacam. Primeiro, a marcha de 29 de outubro provou que a articulação entre servidores de diferentes setores e regiões produz efeitos práticos na disputa, isto é, a presença nas ruas e a mobilização elevam o custo político de apoiar a Reforma Administrativa; segundo, o risco de “fatiamento” e apensamento da Reforma a outras PECs exige acompanhamento e resposta rápida, com capacidade de comunicação; terceiro, mas não menos importante, a caracterização da Reforma como “modernização” precisa ser confrontada com dados concretos sobre precarização, terceirização e impactos na qualidade dos serviços.

A Marcha Nacional trouxe vitórias concretas: expôs a natureza privatista da Reforma, forçou recuos e abriu uma brecha importante para reorganizar a resistência. Mas, frente ao caráter de classe do parlamento em um país capitalista como o Brasil, não se pode baixar a guarda. Os trabalhadores empenhados em construir um movimento sindical combativo e independente tem diante de si o desafio de expandir a organização nos locais de trabalho e preparar as próximas batalhas. A mensagem de 29/10 é simples e direta: sem luta, a Reforma avança; com luta, ela recua — e pode ser derrotada.