Romeu Zema (NOVO) implementa escolas cívico-militares em Minas Gerais

As consultas foram suspensas no dia 13 de julho após rejeições massivas em instituições emblemáticas, como a Escola Estadual Governador Milton Campos, colégio situado na capital mineira conhecido como Estadual Central, a Escola Estadual Professor Arlindo Pereira (Poços de Caldas), e outras comunidades escolares em Belo Horizonte, Betim e Uberlândia.

2 de Agosto de 2025 às 0h30

Reprodução/Foto: Agência Minas Gerais.

O mês de julho foi marcado por mais um ataque à educação do povo mineiro pelo governador Romeu Zema (Novo), que selecionou arbitrariamente 728 escolas para a adesão a um programa de militarização do ensino. A proposta, com um prazo extremamente curto para a resposta das comunidades escolares, ignora recomendações de organismos internacionais de direitos humanos e consolida um modelo que dobra os gastos públicos por alunos, sem nenhum retorno pedagógico. Ao transferir recursos públicos para entidades militares privadas como a Associação Brasileira de Educação Cívico-Militar (Abemil), Zema não só reforça a lógica punitivista que criminaliza estudantes periféricos, mas também tece alianças com a extrema-direita e o lobby militar - alicerce de sua candidatura presidencial em 2026.

O projeto, que advoga pela integração de “valores cívicos, éticos e disciplinares ao cotidiano escolar” e por um “ambiente educacional mais seguro, organizado e acolhedor”, promove na realidade violações documentadas: desde violência física e sexual contra alunos até a seleção social do alunado, transformando um espaço que deveria ser diversificado e inclusivo, marcado por trocas solidárias, em uma estrutura rígida, hierárquica e violenta, que replica uma estrutura racista e excludente dentro das escolas. Não por acaso, as consultas foram suspensas no dia 13 de julho após rejeições massivas em instituições emblemáticas, como a Escola Estadual Governador Milton Campos, colégio situado na capital mineira conhecido como Estadual Central, a Escola Estadual Professor Arlindo Pereira (Poços de Caldas), e outras comunidades escolares em Belo Horizonte, Betim e Uberlândia.

As contradições do modelo cívico-militar

Um dos principais argumentos falaciosos utilizados em favor do modelo proposto refere-se a um melhor posicionamento em rankings escolares por parte das escolas militares tradicionais – como o Colégio Militar de Belo Horizonte (CMBH) a rede Tiradentes – em vista das demais instituições de ensino. Quando expostos a uma análise minuciosa, esses dados revelam que tais unidades operam com privilégios orçamentários incomparáveis, com recursos provenientes não apenas da pasta educacional, mas também do Ministério da Defesa e da Secretaria de Segurança Pública, possibilitando um maior investimento na estrutura e qualidade da educação. Como apontado por um documento do Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (FEPEMG) referente à implementação e avaliação de escolas cívico-militares, o custo básico por aluno(a) do ensino médio do CMBH no ano letivo de 2020 foi de mais de 19 mil reais, enquanto na rede pública, o custo básico por aluno no mesmo período foi de R$ 3.643,16. O modelo proposto por Zema não replica este financiamento cruzado, além de aumentar os custos ao desviar recursos para entidades como a Abemil – que atua como intermediária lucrativa na contratação de militares –, reduzindo ainda mais o orçamento disponível para a educação.

Para além dos privilégios orçamentários, os maiores índices também se explicam, como demonstrado por um estudo conduzido pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal, por um aumento dos mecanismos de exclusão e retenção de alunos com desempenho ruim – seja por processos seletivos que barram 73% dos candidatos, como é o caso do CMBH, ou pela transferência compulsória de alunos com baixo rendimento para unidades regulares, como ocorre em Goiás. Esses filtros contribuem para uma perpetuação da exclusão de estudantes vulneráveis, atingindo principalmente a população negra e periférica. Além disso, a tendência apresentada por escolas militarizadas é de uma seleção social do alunado, que visa atrair estudantes de camadas sociais de maior renda, inflando os indicadores de educação, sem efetivamente melhorá-la ou popularizá-la.

É também importante compreender que, para além do uso de filtros “pedagógicos” para a exclusão, retenção ou expulsão de alunos, os filhos de trabalhadores das periferias são as principais vítimas do programa, uma vez que um dos critérios apontados pela pasta para escolha das unidades aptas foi sua inserção em comunidades de maior vulnerabilidade social. Essa escolha estratégica confirma a lógica violenta do militarismo: problemas sociais deixam de ser alvos de políticas públicas e tornam-se “casos de polícia”, que devem ser resolvidos com intervenções violentas e punitivistas, além de replicar preconceitos próprios a esta estrutura – como o racismo e a LGBTfobia.

Todo esse processo desencadeia um apartheid educacional, isto é, uma lógica de engenharia social perversa: alunos vulneráveis são excluídos das escolas situadas em bairros periféricos, expondo-os a várias horas de transporte para o acesso ao estudo, o que dificulta ainda mais sua permanência nas escolas, elevando a evasão escolar justamente nas classes mais precarizadas.

Para além do sofrimento do corpo discente, os professores também são vítimas diretas do aparelhamento militar. Apesar de uma negação do governo estadual sobre uma possível intervenção dos militares na docência, não são poucos os casos de professores silenciados e punidos institucionalmente dentro das escolas que aderiram ao modelo. Não apenas na experiência histórica, a contradição também manifesta-se em documentos da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, que por vezes admitem a intervenção dos militares indicados no planejamento e desenvolvimento de ações pedagógicas. Com o silenciamento dos professores e repressão de alunos, minam-se as possibilidades de estímulo do senso crítico e da consciência de classe dos estudantes, reforçando uma lógica de atomização social e silenciamento ideológico.

A quem serve a militarização do ensino?

É importante compreender contextualmente o movimento de militarização do ensino como um projeto político articulado: na luta pelos espólios políticos do bolsonarismo, figuras como Ronaldo Caiado (UNIÃO), Ratinho Júnior (PSD), Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Romeu Zema (NOVO) se alinham aos interesses da burguesia reacionária para a corrida presidencial para 2026 – processo que precipita-se no evento President’s Day. Não por acaso, várias das unidades escolhidas estão inseridas em importantes colégios eleitorais de Minas Gerais. Para além da competição eleitoral, o lobby militar é o maior beneficiário da implementação do modelo cívico-militar, sendo representado pela Abemil, uma associação comandada por um militar bolsonarista que, segundo o site Metrópoles em 2024, recebeu pelo menos R$ 11 milhões dos cofres públicos em contratos sem licitação com pelo menos 10 prefeituras do país. Essa mesma associação foi procurada pelo governo Zema para encabeçar a implementação do modelo nas escolas mineiras.

Outros impactos do modelo também beneficiam as elites: ao suprimir professores dentro das escolas, ocorre também um desmonte da organização sindical, o que impacta diretamente na luta dos trabalhadores da educação por condições de trabalho mais justas e transfere recursos que a eles pertencem para o lobby militar. Paralelamente, a domesticação da juventude também é de interesse da burguesia, uma vez que com a inibição do senso crítico e da consciência de classe dos indivíduos apaga-se o potencial revolucionário que os estudantes apresentaram historicamente.

A luta por uma educação de qualidade

O modelo cívico-militar, ao ser desnudado do discurso ideológico, expõe a brutalidade do Estado burguês na transferência de recursos para as elites num saque institucionalizado ao fundo público, na repressão da população periférica e na alienação dos estudantes. Não há, neste projeto, uma proposta de uma educação de qualidade verdadeiramente democrática, e sim um projeto de exclusão do povo, que reproduz a violência estrutural do capital.

É ilusão pensar que a população não decifra essa lógica perversa: a enfática rejeição ao projeto de 85% da comunidade escolar do colégio Estadual Central revela que o povo trabalhador entende que a resposta para suas demandas não virá de fardas e fuzis, mas de um projeto político voltado não só para um maior investimento no sistema educacional, mas também para o combate aos preços altos dos imóveis e alimentos, a ampliação de empregos de qualidade e a criação de um sistema de transporte público de excelência – bases essenciais para uma estrutura familiar saudável que possibilite com que o aluno floresça em todo seu potencial. Se a militarização é viável – ainda que custosa e sem comprovação de benefícios – então também são viáveis a garantia do Piso Nacional da Educação, o aumento salarial de todos os trabalhadores desse setor (como zeladores, merendeiras, bibliotecários, porteiras, técnicos administrativos) e múltiplos investimentos nos livros didáticos e na infraestrutura das instituições.