Os desafios dos professores em São José dos Campos como reflexo da desvalorização nacional da educação
Enquanto o governo anuncia medidas simbólicas de valorização docente, a adoção crescente de contratos temporários revela que, na prática, a prioridade é a redução de custos. Não existe valorização docente possível sem expansão do investimento público.

Reprodução/Foto: AquiVale.
Por Júlia Reginato e Lucas Bertolucci
A prefeitura de São José dos Campos (SP), sob gestão atual do prefeito Anderson Farias (PSD), costuma exaltar seu programa de “educação 5.0”, apresentando-o como símbolo de inovação, modernização tecnológica e aprovação popular. Mas por trás dessa propaganda bem-polida existe uma realidade muito distinta: não há educação de qualidade possível quando seus profissionais estão desvalorizados, sobrecarregados e mal remunerados. O discurso da modernização esconde problemas estruturais profundos, que vão da precarização do trabalho docente até a expansão de formas de contratação por prazo determinado — e que tornam evidente que a vitrine da educação 5.0 funciona mais como marketing político do que como garantia real de qualidade educacional.
Atualmente, a nível nacional, os dados do Censo Escolar 2024 mostram que 50,04% dos professores da educação básica estão com vínculo temporário, contra 49,96% com vínculo efetivo. No município de São José dos Campos, a rede municipal declara ter “mais de 5 mil professores” em atividade para atender cerca de 80 mil estudantes. A prefeitura também segue abrindo processos seletivos para contratar professores por “prazo determinado” para o ano letivo de 2026.
Essa predominância, ou pelo menos a grande presença de contratos temporários, corrói a estabilidade necessária ao trabalho pedagógico, gera estresse constante e impede a construção de uma carreira sólida. Sem direitos assegurados, plano de carreira ou condições dignas de trabalho, muitos professores precisam complementar renda em outras redes, enfrentando jornadas exaustivas que frequentemente levam ao adoecimento. Uma política educacional que depende da rotatividade e da precarização não pode, por definição, produzir qualidade.
A desvalorização atinge também a educação infantil. A prefeitura tem anunciado o fechamento e a terceirização de unidades, transferindo a responsabilidade para a iniciativa privada como forma de “reduzir custos”. Mas o que se reduz, na prática, são direitos: tanto das crianças, que deixam de usufruir de políticas públicas integrais, quanto dos trabalhadores, submetidos a salários menores, menos benefícios e vínculos mais frágeis. A lógica da terceirização demonstra que, para a gestão atual, o papel do setor privado não é complementar o público, mas substituí-lo.
Esse quadro não é casual: ele corresponde ao projeto de austeridade que orienta governos municipais, estaduais e o próprio governo federal. A educação pública, gratuita e de qualidade é incompatível com políticas de corte de gastos e com a lógica de transformar direitos sociais em oportunidade de lucro privado. Enquanto o governo anuncia medidas simbólicas de valorização docente, a adoção crescente de contratos temporários revela que, na prática, a prioridade é a redução de custos. Não existe valorização docente possível sem expansão do investimento público.
Os problemas educacionais não serão superados enquanto as grandes decisões sobre o funcionamento das escolas estiverem nas mãos da iniciativa privada ou de gestores submetidos à lógica fiscalista. O planejamento educacional precisa ser feito pela comunidade escolar — professores, funcionários, pais, estudantes e suas entidades de representação, conselhos e grêmios. O poder de decisão sobre orçamento e prioridades deve vir do povo. E isso só será viável com uma articulação nacional que enfrente as travas estruturais impostas pelo arcabouço fiscal, que retiram da sociedade o controle democrático sobre os recursos e sobre o rumo das políticas públicas. Só devolvendo esse poder à comunidade é que se poderá construir um projeto educacional verdadeiramente público, estável e comprometido com o interesse coletivo.