Despejos e desigualdade: O impacto da COP 30 em Belém
A conferência, ao invés de representar uma verdadeira tentativa de promover soluções estruturais para a crise ambiental, se configura como uma vitrine para os interesses da burguesia internacional, que busca perpetuar um “capitalismo verde” sob a máscara da “sustentabilidade”.

Avenida Duque de Caxias, um dos principais polos da COP30. Reprodução/Foto: Fernando Assunção/Alma Preta.
Por Mattheus Leal
A COP30, que será realizada em Belém do Pará em 2025, se posiciona como um evento global relevante, centrado em discussões sobre mudanças climáticas e o futuro do planeta. Porém, para além de como o evento se apresenta, é crucial compreender as contradições dentro da sua realização. A conferência, ao invés de representar uma verdadeira tentativa de promover soluções estruturais para a crise ambiental, se configura como uma vitrine para os interesses da burguesia, tanto nacional quanto internacional, que, sob a capa da "sustentabilidade", busca perpetuar um modelo de desenvolvimento capitalista, um “capitalismo verde”. Esse modelo, que se apresenta como solução, na verdade intensifica a crise ambiental, ao alavancar práticas que priorizam o lucro e a preservação de um sistema econômico que explora não apenas os recursos naturais, mas também a classe trabalhadora, cujos direitos são sistematicamente negligenciados.
O aumento especulativo dos preços dos aluguéis em Belém, uma cidade com enormes desigualdades sociais, serve como uma prova eloquente de que, longe de ser um evento destinado ao bem-estar da população local, a COP30 está sendo usada para alimentar os interesses de uma elite local e de grandes investidores, ao mesmo tempo em que empurra para as margens os trabalhadores e as camadas populares que historicamente vivem nas periferias da cidade, como é o caso do despejo irregular de entulho em regiões periféricas e a remoção de pessoas em situação de rua do centro de Belém por iniciativa da prefeitura. Não é de hoje que Belém enfrenta um déficit habitacional dramático, mas a chegada da conferência exacerbada por um apetite voraz da especulação imobiliária faz com que a cidade se transforme em um canteiro de obras que beneficia apenas aqueles que já detêm o poder econômico, deixando para trás a maioria da população que terá que arcar com os custos do evento de forma indireta – seja pelo aumento do custo de vida, seja pela precarização ainda maior das condições de moradia.
A lógica da especulação é clara: aproveitamento imediato, um ganho rápido sem qualquer compromisso com a cidade e suas necessidades reais. Enquanto o mercado imobiliário de Belém assiste a um crescimento insustentável dos aluguéis, com preços que chegam a R$ 2 milhões por 15 dias, as classes populares, como sempre, são empurradas para uma situação de exclusão. O governo de Helder Barbalho, que finge ser um defensor dos interesses da população, é cúmplice da situação ao não intervir para barrar essas práticas, pelo contrário, as incentiva, permitindo que a cidade se transforme em um campo de batalha para os interesses privados do setor imobiliário. A retórica do “legado” da COP30, apresentada por Barbalho e outros gestores, é uma farsa: a especulação imobiliária desenfreada e os despejos forçados de inquilinos não têm outro objetivo senão atender ao mercado de luxo e gerar uma “vitrine” para a cidade, em nome de um evento que visa, na prática, a autopromoção de políticos e grandes empresários.
A situação enfrentada por Iza Eduarda Vargas – entrevistada pela equipe do Alma Preta Jornalismo –, que morava em um apartamento próximo ao Hangar, deixa claro a crescente insegurança vivida pelos inquilinos em Belém. Quando Iza tentou renovar seu contrato de locação em janeiro de 2025, o proprietário se recusou a continuar com a locação, sem apresentar qualquer justificativa. A engenheira civil e suas colegas tentaram negociar para permanecer no imóvel até agosto, mas o proprietário se manteve inflexível, o que só confirmou suas suspeitas de que ele pretendia manter o imóvel vazio para alugá-lo a preços exorbitantes durante a COP30. "Tentamos negociar para ficar no apartamento até agosto, mas o proprietário não quis de forma alguma", relatou Iza em entrevista ao Alma Preta. Essa prática, que se tornou comum em várias áreas da cidade, expõe o quanto o evento está sendo usado para fomentar a especulação imobiliária, desconsiderando as necessidades da população local e empurrando os trabalhadores para situações de vulnerabilidade.
Além de casos como o de Iza, outras famílias também estão sendo forçadas a deixar seus lares devido à pressão do mercado imobiliário em Belém. Em um exemplo particularmente dramático, uma moradora do bairro São Brás, que foi despejada com a promessa de que poderia retornar após o evento, relata as dificuldades de ter que desmontar sua casa para atender à demanda de turistas e delegações da COP30. "A gente morava na casa dos fundos e o proprietário disse que precisaria do local durante a COP. Ainda comentou que poderíamos voltar em janeiro, porque gostaria de nos manter lá, por sermos de confiança. Mas não é simples montar e desmontar uma casa", afirmou ela, em entrevista. O despejo ocorreu após o falecimento da mãe do proprietário, e o contrato verbal de aluguel foi desrespeitado, forçando a família a enfrentar o caos da procura por novas moradias em meio a preços inflacionados e um mercado de aluguel escasso. A situação de insegurança e os despejos forçados que estão se espalhando pela cidade revelam como a especulação imobiliária, impulsionada pela COP30, está deslocando as classes populares e tornando a cidade ainda mais inacessível para quem já sofre com a falta de condições dignas de habitação.
A especulação imobiliária relacionada à COP30 não se limita à recusa de renovação de contratos, mas também abrange práticas abusivas, como a tentativa de reverter contratos de longo prazo em favor de locações temporárias a preços inflacionados. O advogado Felipe Abdul alerta que, em Belém, já há contratos que ultrapassam a realidade do mercado local, com valores que chegam a ser comparáveis a uma venda de imóvel, como se fossem aluguéis de temporada. "Muitos estão recusando contratos longos à espera de lucros temporários", afirmou Abdul em entrevista. Isso reflete uma tendência de desrespeito aos direitos dos inquilinos, que enfrentam não apenas o aumento exorbitante dos aluguéis, mas também o risco de despejo, sem qualquer respaldo legal ou garantia de moradia estável. Em um momento de grande incerteza, muitas famílias estão sendo empurradas para fora de suas casas, com a falsa promessa de que poderão retornar após a COP30, quando, na verdade, o que se desenha é um cenário de exclusão social e precarização da habitação para a população trabalhadora de Belém.
Em paralelo a essa realidade de injustiça social, o financiamento de R$248,5 milhões pelo BNDES para a obra da duplicação da Rua da Marinha, que destruirá uma área de vegetação nativa de Belém, expõe ainda mais as contradições da COP30. A justificativa oficial para a intervenção é a melhoria da infraestrutura da cidade, para atender ao público da conferência. No entanto, essa narrativa falaciosa de “mobilidade urbana” esconde o verdadeiro interesse por trás desse projeto: o avanço do agronegócio e de setores da elite local, que lucram com a destruição de áreas verdes para expandir a urbanização. A obra, que visa duplicar uma via que passa por bairros densamente povoados, vai resultar na destruição de espécies ameaçadas de extinção e na destruição de um dos poucos respiros verdes da cidade.
A concessão do financiamento pelo BNDES e a aprovação do licenciamento ambiental para a obra, apesar dos impactos evidentes para a fauna e flora local, demonstram a precariedade das políticas públicas voltadas para a proteção ambiental. O governo de Helder Barbalho, aliado ao grande capital e à classe dominante, prioriza projetos que atendem aos seus próprios interesses, como a obra da Rua da Marinha, ao mesmo tempo que diz defender o meio ambiente e a sustentabilidade – uma contradição flagrante que não pode passar despercebida.
A COP30, sob sua fachada de compromisso com o combate às mudanças climáticas, serve como um palco para os interesses do capital, tanto nacional quanto imperialista. O governo brasileiro, sob Lula e Barbalho, tem se mostrado incapaz de ir além das soluções superficiais que não questionam o modelo de desenvolvimento predatório e destruidor que está na base da crise climática. O capitalismo verde, com seus projetos de “transição energética” e “sustentabilidade”, não passa de uma tentativa de manter o status quo. A ideia de que é possível conciliar a preservação ambiental com a expansão da economia capitalista é uma falácia. O que a COP30 faz é legitimar as práticas capitalistas, apresentando-as como soluções para um problema que elas próprias ajudaram a criar. Esse tipo de evento é, na verdade, uma grande distração, uma tentativa de dar uma cara “verde” ao capitalismo, quando, na realidade, ele continua sendo o maior responsável pela destruição ambiental.
O discurso de desenvolvimento sustentável e capitalismo verde, sustentado pelo governo de Helder Barbalho e outros políticos da região, é uma cortina de fumaça para desviar a atenção das políticas reais adotadas por eles. Enquanto se promove a imagem de um Pará que abraça o meio ambiente, o que vemos, na prática, é o governo negociando com mineradoras, incentivando o desmatamento e apoiando obras que destroem a natureza em nome de um progresso que nunca chega para a maioria da população.
As populações mais pobres, que enfrentam as condições mais precárias de vida, são as mais afetadas pela especulação imobiliária e pelos impactos das obras da COP30. Essas populações, muitas das quais dependem dos poucos “respiros verdes” que restam na cidade para a sua subsistência, serão deslocadas em nome de um evento que, ao final das contas, não traz benefícios para elas. O que se revela é uma realidade de gentrificação, onde as áreas mais periféricas da cidade são sacrificadas para atender aos interesses dos investidores e do grande capital. A especulação imobiliária está empurrando os trabalhadores para a margem, forçando-os a abandonar seus lares para que os ricos possam usufruir de um luxo temporário, enquanto as condições de vida nas periferias continuam a se deteriorar.
A COP30 não deve e não pode ser vista como um evento que trará soluções para a crise climática, mas como um exemplo claro de como as grandes potências econômicas e políticas utilizam a retórica ambientalista para a manutenção de seus próprios interesses. Em vez de ser uma conferência voltada para a construção de um futuro sustentável, a COP30 é uma vitrine para as elites locais e internacionais que se aproveitam da crise para lucrar. A verdadeira solução para a crise climática só virá quando as classes trabalhadoras e os povos oprimidos, como os indígenas e os ribeirinhos da Amazônia, tomarem o controle dos meios de produção e da terra.