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  • Eventos recentes reacendem o debate do racismo no futebol sul-americano

    Os casos, que se multiplicam em diferentes competições e esferas do esporte, revelam uma crise estrutural que vai muito além de incidentes isolados, apontando para um problema enraizado na cultura esportiva da região.

    15 de Abril de 2025 às 21h00

    Chapa eleita para a gestão da CBF no próximo ciclo. Reprodução/Foto: Redes sociais.

    Por Marcelo Hayashi e Guilherme Sá

    Nas últimas semanas, o cenário futebolístico no Brasil e em toda a América do Sul tem sido marcado por uma série alarmante de episódios racistas, declarações preconceituosas e escândalos institucionais, como detalhado em recente reportagem da Revista Piauí. Os casos, que se multiplicam em diferentes competições e esferas do esporte, revelam uma crise estrutural que vai muito além de incidentes isolados, apontando para um problema enraizado na cultura esportiva da região.

    A questão toda começou no último dia 06 de março, na partida entre Palmeiras x Cerro Porteño, válida pela Taça Conmebol Libertadores Sub-20. O atacante Luighi do Palmeiras sofreu diversas ofensas racistas por parte da torcida do Cerro, incluindo a imitação de um macaco por parte de um torcedor, que carregava uma criança no colo. Na entrevista pós-jogo, a imprensa presente ignorou o fato e perguntou a ele apenas sobre a partida. Revoltado e aos prantos, Luighi questionou se eles haviam se tocado sobre o racismo que havia acontecido minutos antes, e aproveitou para questionar a entidade sul-americana : “A Conmebol vai fazer o quê sobre isso? O que fizeram comigo foi um crime!”

    Em nota oficial, o Palmeiras classificou como "inadmissível que, mais uma vez, um clube brasileiro precise lamentar um ato criminoso de racismo em competições organizadas pela Conmebol”. A reclamação do clube não é isolada: a entidade sul-americana acumula um histórico imenso de casos de racismo em seus torneios, sem jamais implementar medidas contundentes para coibir a prática.

    Ato racista contra jogadores do Palmeiras na Libertadores Sub-20. Foto: Reprodução.

    A contradição tornou-se ainda mais evidente após o episódio envolvendo o atacante Luighi. Como resposta, a Conmebol limitou-se a adotar um protocolo de "campanha antirracista" que, na prática, se resume a um informe pelo sistema de som dos estádios, declarando que a entidade é contra o racismo. A superficialidade da medida contrasta com a gravidade dos casos recorrentes, levantando dúvidas sobre o compromisso real da confederação no combate ao problema. Enquanto clubes e jogadores cobram ações efetivas, como punições exemplares e políticas preventivas, a Conmebol segue sendo acusada de transformar uma pauta urgente em mero discurso de ocasião.

    Em qualquer busca rápida na internet, é possível achar a quantidade de casos que aconteceram em campeonatos organizados pela Conmebol, como na matéria do Trivela, de julho de 2023, onde 11 casos de racismo em jogos válidos por torneios da entidade, só no ano de 2023, são relatados. Em todos os casos, os times de cada torcida foram punidos com um valor relativamente baixo dentro do âmbito do futebol, enquanto nenhum dos racistas de fato foi punido.

    Ainda, em maio de 2023, numa decisão absurda da entidade, o jogador do Palmeiras Bruno Tabata foi punido com quatro meses de suspensão por responder ofensas racistas da mesma torcida do Cerro Porteño, em partida válida pela fase de grupos da Copa Libertadores.

    Em um mundo altamente tecnológico, onde há diversas emissoras e canais de comunicação presente nos estádios, com centenas de câmeras, como não é possível identificar e responsabilizar os racistas que ainda se entremeiam às torcidas nos estádios? Enquanto isso, a mesma tecnologia é utilizada para perseguições políticas e racistas, além do controle social, como em matéria deste jornal escrita pela redatora Mônica Guerra na editoria de Segurança Pública.

    Efetivamente a Conmebol não ataca as raízes desta opressão estrutural no âmbito do esporte e do futebol. E até por vezes reforça essa lógica lapidada pelo capitalismo. Isso é comprovável através da fala do atual presidente da entidade, Alejandro Dominguez, durante o evento de sorteio dos grupos da Taça Libertadores 2025, ocorrido no dia 17 de março. Questionado sobre a ausência de clubes brasileiros no torneio, Alejandro afirmou que isto “Seria como Tarzan sem Chita [uma macaca], impossível”

    Alejandro Dominguez, presidente da Conmebol. Reprodução/Foto: Site oficial da Conmebol.

    Em protesto à punição branda dada ao Cerro Porteño (um jogo com portões fechados e multa de 50 mil dólares), a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, recusou-se a comparecer ao evento. Após receber as falas do presidente da entidade, ainda, Leila afirmou que “nem inteligência artificial seria capaz de produzir uma declaração tão desastrosa”. 

    Em meio a inúmeros casos de racismo e com todos os grandes clubes expressando sua indignação com o caso envolvendo o atacante Luighi, a declaração de Alejandro e as punições brandas da Conmebol aparecem, de fato, quase como um delírio. Nesse sentido, no âmbito da América Latina, a indiferença e mesmo a promoção do racismo obedece raízes históricas e sociais complexas que, ganhando a materialidade no presente, causam sofrimento e a legitimação da exploração. 

    O papel da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e os escândalos institucionais

    Ainda sobre o caso do atacante Luighi, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, concordou com Leila Pereira e também não foi e nem enviou representantes para o sorteio dos grupos da Libertadores. Segundo ele, a Conmebol premia os racistas e “está pagando para que torcedores sejam racistas”, se limitando à aplicação de multas. Ele também tomou a ação de entrar com recurso na própria Conmebol e na Fifa, entidade responsável pelas atividades institucionais de futebol pelo mundo.

    Mesmo com essas iniciativas, o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma investigação para analisar possíveis omissões da CBF e da União no enfrentamento ao racismo no futebol. O MPF apontou que as respostas das entidades e do governo são de caráter “superficial e pouco concretas no campo esportivo”, dado que se limitam a “notas oficiais, postagens em redes sociais e faixas nos campos”. Em resposta à reportagem da CartaCapital, a CBF destacou o protocolo adotado em 2023, que prevê multa de até 500 mil reais, bloqueio de transferências e perda de pontos conquistados em competições.

    E aqui começa nosso questionamento: em algum momento esse protocolo foi adotado? Em algum jogo onde houve racismo nas competições onde a CBF é responsável alguma ação foi tomada?

    Recentemente, no dia 31 de março, na partida entre Sport e Internacional,em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro Feminino, ocorrida no Beira Rio (estádio do Internacional em Porto Alegre), uma banana foi arremessada em direção ao banco de reservas do rubro-negro baiano. O Sport configurou a atitude como “covarde e racista” e cobrou punição ao responsável. O Internacional emitiu uma nota repudiando o acontecido, da mesma forma que a CBF. E qual ação foi tomada por parte da CBF? Apenas um jogo de portões fechados para o time do Internacional.

    Banana foi arremessada em direção ao banco de reservas do Sport em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro Feminino 2025. Reprodução/Foto: Sportv.

    Questionamos também: a punição esportiva ao time e a multa irá resolver o problema do racismo no âmbito do futebol? Acreditamos que não, porque a questão não é tão simples.

    A problemática do racismo é apenas uma dentre tantas outras que existem internamente na CBF. Como já relatado na matéria da Revista Piauí, a facilitação e o repasse de verbas para amizades e conhecidos, demarcam a real preocupação da gestão que está à frente da entidade. De pagamento de passagens de primeira classe, passando por hospedagens e ingressos para congressistas, como o deputado federal José Alves Rocha (União Brasil) e o senador Ciro Nogueira (PP), a CBF tem pensado exclusivamente na manutenção dos seus privilégios e de seu grupo político.

    Ainda ao longo do mês de março, logo após o episódio de racismo com o atacante do Palmeiras na Libertadores Sub-20, vimos o ex-jogador e empresário Ronaldo “Fenômeno” Nazário desistir da sua candidatura à presidência da CBF, através de um pronunciamento nas redes sociais. Para ser candidato, a pessoa deve ter apoio de ao menos quatro federações estaduais, além de outros quatro clubes, para efetivar e registrar sua candidatura oficialmente. Em apuração feita pela ESPN, Ronaldo disse que entrou em contato com diversas federações convocando um encontro, com uma lista de mudanças que considera necessárias para o futebol no Brasil. Porém, nenhuma das federações acenou positivamente com a presença e muito menos com o apoio ao pentacampeão.

    A mensagem pública das federações foi bem clara: não confrontar o grupo político de Ednaldo Rodrigues. Semanas depois, a eleição tinha como única chapa a do presidente reeleito, sendo que todas federações, sem exceções, votaram a favor de Ednaldo. O mesmo presidente do Sport que reivindica punições mais severas e exige outra postura da CBF, Yuri Romão, foi questionado pelo jornalista Paulo Vinícius Coelho (o “PVC”), em programa do Canal UOL, sobre a concordância com a gestão de Ednaldo e seu grupo. 

    Ele declarou ao programa que "não havia outro candidato na CBF além de Ednaldo", apresentando o voto na chapa como única alternativa possível. Essa postura ignora deliberadamente outras opções políticas de oposição ao atual grupo dirigente. O que se evidencia, na realidade, é que as diretorias de federações e clubes do país têm sistematicamente acatado as determinações da entidade máxima do futebol brasileiro - por adesão ao seu projeto, por temor de se manifestar contrariamente ou, ainda, por estarem igualmente envolvidos na rede de benefícios mútuos mantida pela organização. 

    As questões extracampo têm chamado muita atenção para a CBF. Fazemos aqui um recorte da matéria já citada, realizada por  Allan de Abreu, dessa vez comentando a farra administrativa e o despreparo com a formação dos árbitros.

    “Rodrigues é formado em ciências contábeis. Mas uma ex-funcio­nária conta que se deparou com uma baderna administrativa quando foi trabalhar lá: contratos espa­lhados pelas gavetas de várias diretorias e ordens de pagamento sem registros formais. “Fiquei com a impressão de que a desorganização era proposital”, diz ela a Allan de Abreu na edição deste mês da Piauí. Outro dado da desordem: apesar da receita bilionária, a confederação responde a 43 protestos em cartório por dívidas, que somam 2,6 milhões de reais.

    Apesar de bilionária, a CBF cortou verba para treinamento da arbitragem no ano passado. O treinamento dos árbitros vem sendo feito apenas por videoconferên­cia. “É como se um clube contratasse um técnico europeu que ficasse treinando os jogadores lá da Europa. Não tem cabi­mento”, diz um árbitro. O re­sultado foi catastrófico. No campeonato do ano passado, 110 árbitros foram afastados por falhas técnicas. No ano anterior, foram quarenta.”

    Ainda sobre a questão da arbitragem, a CBF recebeu denúncias de calote e ofereceu um curso de formação para brasileiros trabalhando no futebol chinês com 3 anos de atraso, conforme reportagem do Trivela. Mexendo com o sonho destes profissionais, a entidade deixou eles sem perspectiva ou qualquer tipo de apoio. Na parceria firmada com a empresa chinesa Kingdonway Sports, anunciada em 2019 e com acordo prévio de 15 anos de duração, aparentemente a proposta serviu apenas aos objetivos financeiros de Ednaldo e seu grupo, não se preocupando com o desdobramento prático da questão.

    Enquanto isso, observamos erros de arbitragem, rodada atrás de rodada, comprovando o amadorismo da gestão, tanto na formação e capacitação dos profissionais de arbitragem no campo e no VAR, como na forma de lidar com as críticas e problemáticas. E semanalmente, vemos algum dos cartolas dos clubes brasileiros que votaram a favor dessa gestão reclamarem do amadorismo da arbitragem.

    Sob a mesma lógica mercantilista que prioriza o lucro em detrimento do desenvolvimento esportivo, a CBF Academy – órgão responsável pela formação de treinadores – transformou a qualificação profissional em um negócio rentável. Para atuar legalmente, todo técnico necessita de licenças específicas, cujos valores exorbitantes criam barreiras de acesso: desde a licença C (que permite trabalhar em escolinhas de futebol e categorias de base até o sub-11) até a licença Pro (habilitante para competições internacionais), o investimento total pode chegar a R$ 52.930,00, conforme apurado pelo Trivela. O aspecto mais criticável reside no fato de que metade dessa formação ocorre no formato EAD – um contraste evidente com os altos valores cobrados e com o discurso oficial de excelência na capacitação profissional.

    Em linha com a reportagem de Carlos Vinicius Amorim, os altos custos dos cursos da CBF Academy acabam por excluir a população negra - justamente a parcela mais afetada pela pobreza no país. Os números comprovam o apartheid técnico: dos 20 treinadores atuais da Série A do Brasileirão, apenas Roger Machado (Internacional) é negro. Diante deste cenário, questiona-se: quais medidas concretas a CBF adotou para democratizar o acesso à formação técnica? Como a entidade pretende enfrentar o racismo estrutural que perpetua, reproduzindo em seu próprio sistema as desigualdades raciais do futebol brasileiro? 

    CBF silenciando e escondendo as críticas

    Um dia após a reportagem da Revista Piauí ir ao ar, jornalistas esportivos da ESPN comentaram sobre o teor das denúncias, no programa “Linha de Passe”, um dos maiores e mais importantes programas da grade da emissora. Por conta da concordância com as denúncias e as críticas apresentadas, os 6 jornalistas (Gian Oddi, Paulo Calçade, Pedro Ivo Almeida, Victor Birner e William Tavares) além do  produtor (Dimas Coppede) foram afastados por dois dias das aparições no canal. Em apuração do UOL, a diretoria da ESPN se irritou por não ter sido comunicada previamente sobre o conteúdo que iria ao ar.

    Em notícias dos portais Poder360 e Metrópoles, é apontado que  o UOL afirmou que a CBF teria ligado para a emissora pedindo providências pelo programa que foi ao ar. Em nota oficial, a CBF nega ter interferido na liberdade de imprensa de qualquer veículo de comunicação. Essa parte da história demonstra a tentativa de silenciamento sobre as denúncias, tanto por parte do grupo político de Ednaldo atuando dentro da CBF, como por suas parcerias espalhadas dentro do futebol, seja no âmbito estritamente do campo, seja nas categorias que trabalham com esporte, como a dos jornalistas.

    O racismo no âmbito do futebol

    Mediante a todas as questões abordadas, é importante refletirmos sobre o racismo dentro do esporte. No Brasil, o futebol surge no contexto da abolição da escravatura, e existem muitas histórias sobre a exclusão e preconceito contra atletas negros nos times. Isso é relatado mesmo na história oficial de clubes como o Vasco da Gama e o Corinthians.

    Como apontado pela autora Lélia Gonzalez, tanto no futebol como em outras parcelas da sociedade, existem papéis atribuídos socialmente aos negros, tanto positiva como negativamente. Principalmente no Brasil, é atribuído ao negro no futebol o papel do entretenimento. Portanto, futebolistas negros que se demarcam suas posições e contribuem para a luta antirracista são vistos negativamente, pois são do seu papel convencional ao qual a sociedade busca situá-lo.

    Vimos isso recentemente após as diversas manifestações racistas que o jogador brasileiro do Real Madrid, Vinícius Jr., passou no futebol espanhol. Por se colocar como algoz dos racistas, Vini Jr. passou a ser mais perseguido ainda, inclusive contando com a complacência do presidente da La Liga, Javier Tebas, que tem ligações políticas com a extrema-direita na Espanha, e da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), entidade máxima responsável pelo futebol espanhol. 

    Vinicius Jr fazendo gesto antirracista no jogo Valencia x Real Madrid — Reprodução/Foto: Alex Caparros/Getty Images.

    Qualquer coincidência não é mero acaso. As entidades do futebol pelo mundo pouco ou quase nada fazem para mudar a conjuntura e combater o preconceito racial no futebol. Dentro de uma sociedade capitalista, os lucros e a manutenção da estrutura social que sustenta o racismo são os objetivos políticos e a prioridade das federações.

    As tentativas de mudança e de crítica tem sido silenciadas. É necessário que cada vez mais jogadores, técnicos, clubes e torcedores se organizem para combater verdadeiramente o racismo no futebol. Se necessário, utilizarmos de posturas mais combativas e mais incisivas para tal. Através da organização popular, das denúncias e da luta ativa poderemos de fato começar a lidar com o racismo dentro do futebol brasileiro e sul-americano.