Plenária contra venda da CEDAE mobiliza movimentos na zona oeste do Rio
Realizada na subsede SINTSAMA-RJ, o espaço teve o objetivo de amplificar a mobilização em bases da ZO do Rio para a construção do “Grande ato em defesa da água! Contra a venda da CEDAE”, a ser realizado em 15 de maio.

Foto: Jornal O Futuro.
Por Gustavo Pedro e João Vitor Porto
Um conjunto de militantes e sindicalistas se reuniram na noite de sexta-feira (09 de maio), no bairro de Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, em plenária de mobilização contra a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro - CEDAE. Realizada na subsede do Sindicato dos Trabalhadores nas empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região – SINTSAMA-RJ, a plenária teve o objetivo de amplificar a mobilização em bases da zona oeste do Rio para a construção do “Grande ato em defesa da água! Contra a venda da CEDAE”, a ser realizado no dia 15 de maio, às 10h, na Avenida Presidente Vargas, 2655 (em frente ao prédio da CEDAE).
Na plenária foram levantadas questões sobre as táticas de mobilização a serem colocadas em prática por lideranças locais e um breve panorama da luta travada pelos trabalhadores em saneamento nos últimos anos no Rio de Janeiro. O cenário de reclamações generalizadas de moradores sobre o aumento das contas, vazamentos e rompimentos de adutoras e interrupções no serviço de distribuição foi discutido, mas também foi levantada a necessidade de aprofundar o debate entre os movimentos populares sobre os reais beneficiários dessa situação de calamidade em que se encontra o povo fluminense, particularmente os que moram em bairros mais pobres.
A disputa burguesa pelo mercado de saneamento
A partir dos últimos meses de 2020 o processo de privatização da CEDAE era tratado como a “jóia da coroa” das privatizações colocadas em marcha pela burguesia brasileira, associada a capitais estrangeiros e com suporte técnico e financiamento do BNDES, durante o Governo Bolsonaro-Mourão. O interesse burguês sobre o mercado do saneamento não é por acaso, pois, nesse mesmo ano, segundo projeção realizada por um conjunto de grandes bancos e da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON SINDCON), o saneamento já era visto como um mercado com potencial de exploração até sete vezes maior do que o setor elétrico no país.
A privatização da empresa fluminense já vinha sendo forçada desde o governo golpista de Michel Temer (MDB), que a colocou enquanto moeda de troca para que fosse aceita a adesão do Estado do Rio de Janeiro ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Tal regime, apresentado inicialmente como um “plano de salvação dos governadores”, impôs uma série de medidas de estrangulamento econômico ao Estado aderente, dentre elas a necessidade de privatizações de ativos e empresas estatais em troca do reescalonamento da dívida estadual. A pressão burguesa pela privatização, operada por corporações multinacionais e fundos de investimentos, passava então a encontrar caminhos, tanto à nível estadual quanto à nível federal, acirrando a disputa pela estruturação desse mercado de água e saneamento em benefício de capitais privados. Dentre essas corporações, estão: Credit Suisse, Banco Itaú, Miles Capital, Santander, Banco Mundial, BNDESPar, Iguá Saneamento, BRK Ambiental, Aegea, BTG Pactual, FIP Saneamento, FI-FGTS, Equatorial, Suez, Brookfield, Equipav, Votorantim, Weg, Coca-cola, Ambev, Fundo Canadense, Fundo Japonês Sumitomo e o Fundo Soberano de Singapura, como aponta o artigo de Dalila Calisto publicado no site Outras Palavras.
O projeto privatista ganhou ainda mais força em todo o país com a aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico (lei 14.026/2020). Desde então, os controladores privados no saneamento básico, que envolve o processo de captação/tratamento/distribuição de águas e tratamento de esgoto, aumentaram sua fatia de controle sobre o mercado total de saneamento de 5% para 30%, ou seja, um aumento de 466% no controle de um mercado bilionário no país. Alguns dos exemplos de privatizações/concessões mais relevantes em âmbitos regionais/estaduais dos últimos anos envolvem empresas públicas dos Estados do Amapá (Caesa), Alagoas (Casal), São Paulo (Sabesp), Piauí (Agespisa), Sergipe (Deso), Rio Grande do Sul (Corsan) e Pará (Cosanpa), além de PPPs no Mato Grosso do Sul (Sanesul), Paraná (Sanepar) e Ceará (Cagece).
Esse cenário de avanço da iniciativa privada sobre o setor segue em franca expansão sob o Governo Lula-Alckmin. O BNDES segue atuando na modelagem e no financiamento, tendo atualmente 34 projetos de privatização em curso, com os mais relevantes envolvendo os Estados de Pernambuco (Compesa), Rondônia (Caerd), Paraíba (Cagepa) - todos com previsão de realização ainda em 2025 - , além de concessões em Goiás (Saneago), Rio Grande do Norte (Caerd) e Maranhão (Caema) - em 2026. Tal cenário, extremamente otimista para o avanço burguês no mercado da água e saneamento, já faz alguns dos operadores privados reajustarem para cima as previsões de controle do mercado, apontando a possibilidade de essas corporações encerrarem o ano de 2025 controlando 50% de todo o mercado de saneamento do país.
A situação no Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro a crescente “burguesia das águas” recebeu, já em 2021, a concessão para a exploração econômica dos serviços de distribuição e manutenção de rua por 35 anos em diversos municípios e regiões da capital. Movimentos populares denunciavam desde então as movimentações do Governador Cláudio Castro (PL) para o uso eleitoreiro dos R$ 22,6 bilhões de reais arrecadados na outorga da concessão, que foram repassados como “de uso livre” tanto para o Governo do Estado quanto para Prefeituras que entregaram o serviço a concessionária.
O que se seguiu a isso foi um aumento do valor das tarifas, com diversas denúncias de duplicação nas contas, com cobranças de taxa de esgotamento onde esse serviço nem sequer existia, reclamações acerca de recorrentes interrupções do serviço de distribuição, precarização do trabalho, com a decorrente piora do serviço ofertado, além de ameaças de demissão dos trabalhadores cedaeanos. Todos esses são elementos produzidos diretamente pela necessidade de aumento da lucratividade da concessionária, questão própria à lógica de redução máxima de custos na operação privada de qualquer serviço.
Nesse momento, mesmo o que restou da CEDAE pública segue na mira do aprofundamento do processo de privatização. A empresa pública ainda segue ofertando os serviços de captação e tratamento de águas, além da distribuição em municípios que não foram considerados lucrativos o suficiente para serem privatizados pelo Governo do Estado. O processo de privatização total da CEDAE, caso seja bem sucedido, entregará à iniciativa privada o controle total sobre os recursos hídricos do Estado do Rio de Janeiro, colocando a própria população fluminense sob os cálculos de lucratividade de acionistas acerca de um recurso estratégico para a soberania nacional e para a própria sobrevivência dos trabalhadores. O presidente do SINTSAMA-RJ aponta que o cenário em que a CEDAE seja entregue à lógica da bolsa de valores pode se tornar de “caos total”, tanto por conta da alta do preço da água quanto pelo rebaixamento da qualidade de seu tratamento.
A resposta dos movimentos populares
No dia 15 abril foi realizada também uma plenária composta por movimentos e sindicatos de toda a região metropolitana, com presença de representações partidárias e de parlamentares de esquerda, buscando demarcar a necessidade de avanço das mobilizações nas bases. Nela foi encaminhada a realização do “Grande ato em defesa da água! Contra a venda da CEDAE”, em 15 de maio, e a organização de plenárias locais, como a realizada em Campo Grande, para garantir o enraizamento e amplificação da mobilização.

Plenária de 15 abril, no Centro do Rio. Reprodução/Foto: Facebook/SINTSAMA-RJ.
A retomada de um recurso estratégico para a soberania nacional e para a sobrevivência dos trabalhadores, como a água, e a reversão do processo de privatizações, que não se resume a apenas um Estado ou governador que vem implementando uma política burguesa, deverá aprofundar e enraizar ainda mais essas lutas. Algumas das ações já encaminhadas são panfletagens, a coleta de um abaixo-assinado e o próprio ato que, para além das falações tradicionais, dará um “abraço” no prédio da CEDAE.
Contudo, como apontaram algumas das falas na plenária de base em Campo Grande, há a necessidade de atuação permanente nessa luta e de sua entrada nos bairros. Essa é uma demanda inescapável, principalmente nos territórios mais afastados do Centro e da Zona Sul, em vista dos relatos que surgem de desabastecimento de água que se estendem a períodos de um mês, como ocorrido no sub-bairro do Rio da Prata em Campo Grande. Lá o fechamento abrupto de represas que abastecem o território, operados pela Rio+Saneamento, foi justificado pela empresa alegando má qualidade da água e os caminhões-pipas não supriram a necessidade dos moradores em meio ao verão carioca. Outro dos casos que chamou a atenção, no mesmo bairro, foi o alagamento de casas e comércios na rua João Comenio, ocorrido por vazamentos na rede de distribuição privatizada para a Rio+Saneamento. As pessoas atingidas pela privatização precisam ser alcançadas e convocadas para essa luta.
A militância do PCBR estava presente na plenária de base, embora o partido não tenha assinado a convocatória geral, ressaltando a necessidade de a unidade na luta de base caminhar para ressaltar o caráter anticapitalista dessa luta e de explicitar quem são os verdadeiros usurpadores do patrimônio público: as corporações transnacionais que vem acumulando bilhões nos últimos anos e hoje passam a controlar esse recurso essencial à vida no planeta.
Um dos exemplos de sucesso citados no combate à privatização da água na América Latina é o do povo boliviano, no ano 2000, com a chamada “Guerra da Água”, como ficaram conhecidas uma série de mobilizações de massa e confrontações à ordem do capital na Bolívia. Há outros exemplos mais recentes de cidades, por todo o mundo, que retomaram o saneamento para o poder público. Foram destacados também a necessidade de atividades em vias de grande circulação, com intervenções que busquem massificar o debate, e de formação política para as lideranças comunitárias para que outros exemplos de lutas populares vitoriosas, como a dos trabalhadores bolivianos, possam produzir sínteses que alavanquem as lutas do momento em meio ao enfrentamento do poder econômico e político que se beneficia das privatizações em curso no país.