Rapper de Campinas expõe a repressão contra a arte periférica: uma entrevista com Fbob
A trajetória do rapper Matheus Aparecido Lanzoni Feitosa, o Fbob, de Campinas, é um retrato potente da cultura hip-hop como instrumento de transformação e resistência.

Fbob em batalha de rima. Foto: Jornal O Futuro.
A trajetória do rapper Matheus Aparecido Lanzoni Feitosa, o Fbob, de Campinas, é um retrato potente da cultura hip-hop como instrumento de transformação e resistência. Enquanto ele equilibra a vida de consultor ótico com a dedicação ao rap 100% independente no grupo Alquimia, o Brasil assiste a eventos que aprofundam o abismo entre a periferia e o Estado: a prisão preventiva do artista Oruam há quase dois meses, acusado de tentativa de homicídio contra policiais após um conflito em sua casa ; a proliferação de leis "anti-Oruam" já em 46 cidades e 13 estados (ao menos até julho de 2025, conforme reportagem do jornal Metrópoles), que visam cortar financiamento público a artistas supostamente vinculados à "apologia ao crime" ; e a megaoperação que expôs a infiltração bilionária do PCC no coração do sistema financeiro, na prestigiada Rua Faria Lima, revelando uma criminalidade de colarinho branco que opera com impunidade .
Nesta entrevista, Fbob não só detalha a luta diária para sobreviver da arte e a superação por meio do rap, mas também oferece uma análise crua sobre como a repressão sistemática às manifestações culturais periféricas ignora as raízes do problema, criminalizando a vítima enquanto o crime organizado se entranha no poder.
O Futuro: Então Matheus, vamos começar falando de você mesmo, seu trabalho como rapper, fora do rap também.
Fbob: Eu sou o Matheus Aparecido Lanzoni Feitosa. Meu vulgo no rap é Fbob, que já venho carregando desde 2016, mas eu comecei na música mesmo mais novo. Com 12 eu tinha banda punk. Sempre fui muito por esse viés ideológico. Por exemplo, o que me levou para o rap foi o rock punk que eu ouvia, quando eu vi o rap metal lá do Rage Against the Machine. Fui muito fã. Fui fã de camiseta, de comprar livro e tudo, e isso me levou para o rap. Em 2016 eu comecei a me interessar pelas batalhas de rima, foi onde me levou para o rap também.
Eu, hoje em dia, estou com 26 anos, sou residente daqui de Campinas. Desde 2018 eu trabalho junto com o rap, mas minha principal fonte de renda é ser consultor ótico. Eu trabalho em ótica, tenho técnico ótico. Trabalho em ótica desde 2018. Trabalhei muitos anos ali na ótica Diniz e hoje eu trabalho em outra ótica ali no centro. Sou um cara sossegado, trabalho aqui em Campinas, vou para o trabalho a pé, tenho minha mulher, está vindo meu filho agora, moro aqui na casa dos fundos, minha mãe e minha irmã moram ali na frente. Reformei a casinha aqui, sou tranquilo.
Meu grupo de rap é o Alquimia.. Desde 2017 eu já cantava junto com o Flecha, que está comigo no Alquimia, mas a gente profissionalizou mesmo em 2022 com o nosso EP Apocalipse Interno, e ano passado, 2024, a gente trouxe também o nosso álbum mesmo, o Culto dos Alquimistas. Esse é o meu trabalho mais consolidado atualmente. A gente conseguiu, na época do lançamento, uma repercussão local com o pessoal. Teve outros jornais que participaram e anunciaram o lançamento do nosso álbum, como IPTV e Jornal Terceira Visão. O interessante do nosso projeto é que a gente é 100% independente, a gente não tem patrocínio de ninguém. Tudo que o pessoal vê lá no YouTube desde os áudios visuais até os clips é 100% independente. A gente que grava e edita, a gente que pagou o estúdio, a gente que movimenta assim. Eu e o Flecha só. Somos uma dupla. A gente lançou um mini documentário também no perfil lá no Instagram, de 20 minutos, onde tem registrado tudo isso e o que foi esse projeto por um ano. Então eu vejo que a gente é um grupo bem forte, ainda mais por ser só eu e o Flecha, sabe? Temos o nosso DJ também, mas que entrou mais recentemente. Quem tocou sempre foi eu e o Flecha.
As dificuldades para viver do rap
Fbob: Eu tenho muito orgulho do meu grupo, mas o que me causa questionamentos, talvez também uma frustração, é a questão de que a gente ganha, 100 ou 200 reais por mês para duas pessoas. E a gente tem os shows ao vivo, às vezes, né? Dá mais um dinheirinho. Mas não consigo me manter só com a minha música. O que me sustenta hoje é a ótica mesmo. É ter meu técnico. É o que me possibilita continuar.. E, às vezes, quando eu olho eu com 26, há tanto tempo fazendo música... Eu vi muita gente parar, desistir no meio do caminho, justamente pela opressão geral, como um todo mesmo. Às vezes eu olho e fico orgulhoso de que eu não desisti, sabe?
A superação pela arte
Fbob: Eu sou ex-alcoólatra, sou do Alcoólicos Anônimos, faz quatro anos que eu estou limpo. E o rap que me fez chegar aqui.O rap foi o que me fez ter consciência de que preciso mudar, de parar pra pensar o que é a vida, o que eu preciso fazer, de que preciso me movimentar. O rap foi o que me trouxe esse pensamento. E graças a Deus, a Umbanda também, porque eu trabalho lá no terreiro, estou há quatro anos lá. Assim que minha vida mudou, e foi justamente quando a gente se profissionalizou e as coisas começaram a dar mais certo pro Alquimia.
O Futuro: Você falou que tem essa questão da opressão e que vocês não têm apoio de nenhuma forma. Como é que você enxerga essa questão, a relação da cultura do rap, cultura periférica, nesse sentido, com as autoridades municipais, estaduais? Como é que é essa relação que você diria?
Fbob: Eu acho que a gente tem uma relação do rap com as autoridades municipal e judiciária totalmente conturbada, mas ao mesmo tempo faz-se parecer na mídia que é tudo socialmente aceito. A gente organizou em 2017 a batalha da WL, quando eu tinha 18 anos. Eu estava recém saído do ensino médio, prestando alistamento no exército, e a gente montou a Batalha da WL. A gente juntava ali em Valinhos e organizava lá semanalmente a Batalha de Rima e, depois que a batalha fez sucesso, a gente conseguiu trazer gente de Indaiatuba, São Paulo e outras cidades. Acho que se fosse puxar um nome mais famoso que foi na batalha ali, foi o Tiago Kelbert, que é da aldeia, foi rimar com a gente lá em Valinhos, e a gente começou a movimentar. A gente tinha o alvará da prefeitura de Valinhos, mas eu lembro até hoje de um episódio de repressão, que me despertou um gatilho, quando a gente tava caminhando certo, fazendo tudo certo e a guarda municipal da cidade chegou atirando com bala de borracha pro alto. Deixaram todo mundo com a mão na cabeça, mais de 100 pessoas, talvez 200 pessoas, porque era uma edição comemorativa da época, e foi um dia que minha irmã tinha ido ver. Era uma coisa que trazia conhecimento para a gente. Muitas pessoas que foram para a batalha e que tinham, por exemplo, largado o ensino médio, depois foram atrás de supletivo. Então muitas pessoas, depois de conhecer o rap, a batalha, foram atrás de estudar, se formar, se qualificar. Não só para ter conhecimento para você falar na batalha ali, mas para você ter conhecimento na sua vida. A batalha ensinou para mim e para outros MCs da época, que o conhecimento pode te levar muito além. Pode te dar uma condição que você não teve. Pode te mostrar coisas e mundos que você ainda não conhece. E aí minha irmã foi ver esse rap e, bem nesse dia, todo mundo enquadrado, sofrendo opressão e bala de borracha comendo. Isso foi em 2017.
Em 2018 lembro que eu estava batalhando ali na Batalha do Cálice, quando a Batalha do Cálice era pequena, sendo que hoje a Batalha do Cálice tem um potencial enorme. Eu fiquei muito feliz de ver eles crescendo, e eu fiquei surpreso de ver ano passado, durante uma batalha (tem até os vídeos), a guarda municipal chegou e espantou mulheres, meninas também, crianças, e MCs também, todo mundo que estava ali. Interromperam com uma grande violência. Não foi uma coisa, por exemplo, chegar pra ver se tem alvará (e tinha). O som não estava tão alto. Foi combinado horário, foi combinado altura do som, foi tudo regulado na prefeitura. E mesmo assim, a guarda chega de forma violenta e interromperam. E aí o pessoal organizou a marcha das batalhas.
Eu vi chegar a época que as batalhas se tornaram coisa grande. Hoje, você joga no TikTok, tem um monte de coisa lá. Você joga no YouTube, tem um monte de coisa lá. Todas as redes sociais estão antenadas com as batalhas de rima. Hoje, você tem as pessoas, meninos, meninas, ou pessoas mais velhas que estão chegando hoje nas Batalhas de Rima, já com condições de ganhar um dinheiro mesmo só com a Batalha de Rima. O Emicida se destacou assim e fez os álbuns dele crescer, mas era exceção antigamente. Mas hoje com a Batalha de Rima a pessoa já consegue se sustentar, consegue mudar a vida da família dela. Então, eu fiquei surpreso de ver que hoje, com todo esse alcance, ainda continua a repressão e parece que nada mudou, sabe?
O Futuro: Eles chegam lá e eles alegam algum motivo para estar fazendo aquela repressão ali?
Fbob: Não. Da última vez, por exemplo, eles chegaram e não tinha uma razão específica, não tinha nenhuma denúncia nem nada, é simplesmente: “tem que desligar o som, acabou”. Mas se a gente tem alvará até tal hora e ainda não deu tal hora e o som está regulado, por que acontece isso? Minha preocupação não é com o que aconteceu na hora da batalha, mas é o seguinte: quando você pega a batalha, de 100 pessoas que juntou lá, você imagina que 16 ali, no máximo, é MC que vai batalhar, e uns 30 MCs que vão participar. O resto é pessoa que foi para assistir, acha interessante, acha muito relevante para a cultura. Aí você tem secretário de cultura que visita lá. Você tem gente que está pensando em montar um negócio, precisa de influenciadores de rap, cultura de rua, moda urbana, alguma parada assim. A minha preocupação é depois. Porque depois que a batalha acabou, mesmo quando não tem repressão (porque a maioria dos dias, sendo sincero, não vai ter repressão), depois que acontece a batalha, que às vezes acaba 10 horas, 11 horas, 11 e meia ou meia-noite, todas as pessoas vão voltar para casa. Algumas têm carro, outras têm moto, outras estão de bicicleta, que são poucas. Mas a maioria vai se dirigir para a sua casa, ainda mais o pessoal que vem da região periférica. Eles vão pegar um ônibus. Então a questão é que no caminho de volta pra casa muita gente sofre mais ainda. Porque aí não tem aquele tanto de espectador.
Já aconteceu, eu tava voltando de batalha, não tava fazendo nada, e fui abordado, e jogaram minhas coisas no chão, abriram minha bolsa, viraram de ponta cabeça. Eu não tenho do nada, sabe? Sendo que a batalha, o rap, é o que me fez querer ser melhor, Eu com 18 anos tive problema com álcool, assim como todo jovem. Todo jovem vai ter contato com a droga. Alguns vão usar, outros não, e eu fui um dos que caí na linha errada, e o que me tirou disso foi o rap. Um amigo, que foi um dos únicos amigos que ficou comigo, que tá comigo até hoje, que falou pra mim: “mano, isso não tá legal”. Foi um cara que o rap me apresentou, e justamente dessas conversas de tudo que a gente agregava no caminho de volta pra casa, então a minha preocupação maior é essa. Porque muitas vezes as pessoas vão embora da batalha e acabam sofrendo no caminho por causa disso. “Ah, você estava onde? Na batalha de rima? Isso é coisa de vagabundo” e dali, né? Já apanhei também. Não tenho ido tanto semanalmente nas batalhas. Isso aí eu falo porque eu não quero que ninguém pense: “ah, mas o Bob nem tava na batalha e tal”. Esse ano eu tô mais corrido, tô mais focado mesmo no meu álbum, meu grupo de rap. Mas, tipo assim, já apanhei da polícia, e pra mim parece normal, porque já foi mais de uma vez, nem sei quantas vezes foram. Às vezes eu podia estar embriagado, foram vezes que eu pensei: “pô, isso era um problema porque eu tinha problema com álcool”. Mas mesmo depois de sóbrio eu tive esse mesmo problema, então eu aprendo com o rap, eu decido caminhar pelo certo, e mesmo assim eu tenho esse problema. Só que eu tenho a cabeça tranquila. Eu sou um cara que, mesmo com esses problemas, eu consegui trabalhar e conseguir formar no meu técnico ótico e, graças a Deus, nunca tive problema desde que eu sempre trabalhei. Mas tem pessoas que elas não têm a condição assim, que nem eu. Eu tive pai, meu pai morreu faz quatro anos, mas eu tive um pai presente. Minha mãe é uma mãe presente, que ela tem o salário dela, aposentou. Tem muita gente que não tem essa base, então quando essa pessoa tenta caminhar pelo certo, tenta aprender correto, evoluir o vocabulário dela, aprender sobre como se comunicar (porque a comunicação é tudo) e aí, mesmo assim, ela continua sofrendo a opressão, ela para de ver uma vantagem, entende? Ela para de ver uma vantagem em caminhar do lado correto. “Se eu vou sofrer opressão de qualquer jeito, para que lado que eu vou? Eu vou porque for mais fácil.” Não é o meu caso, mas é o de várias pessoas.
O Futuro: Entendi. No começo você falou que essa opressão nas batalhas e fora delas também atrapalha a própria esperança da pessoa de conseguir alguma coisa com a vida, com a arte, de conseguir evoluir naquele trabalho que ela está desenvolvendo ali. Então, assim, isso tira a esperança das pessoas de estar envolvidas naquilo, e também desencoraja até das pessoas irem até o evento, a batalha, a pessoa ir produzir a arte dela, não é isso?
Fbob: Sim, com certeza. Exatamente isso aí. Porque, por exemplo, agora que eu estou caminhando, me inscrevi para um EAD ali com 26 anos. Eu pude ir pro meu lado ótico, ali. Eu tive uma profissão. Eu cresci com meu pai aqui, fazendo foto 3x4. Então, eu sabia fazer foto 3x4, 5x7. Eu tive já profissões, né? Mas, ao mesmo tempo, quando eu me inscrevi ali, em 2018, na Unip, aqui perto de onde era o Extra, eu saía do meu trabalho (na época eu trabalhava de garçom em restaurante) e ia direto para a Unip, aconteceu de eu estar no intervalo ali da faculdade, com todo mundo ali fora, todos os universitários ali atrás da Unip, e aconteceu de eu tomar um enquadro ali, não só uma vez, mas três, em um semestre. Todo mundo ali, por que eu não podia estar ali? Foi o que me desanimou um pouco na época, né? E aí eu acabei desistindo da faculdade e tranquei. Também não era uma coisa que eu conseguia pagar com facilidade. Na época eu até conseguia pagar, mas ia meu salário todo praticamente pra mensalidade. E aí, depois que o meu pai adoeceu, teve um AVC, tive que cuidar dele, cuidar dele. Fiquei seis meses fazendo tudo para ele, porque ele ficou sem a mobilidade das pernas. Então me desanimou total. Mas o rap foi o que me fez ter força para continuar. Hoje o rap é o que eu escrevo e eu quero passar para o meu filho. E é o meu rap hoje. É um rap que meu filho pode escutar, minha sogra pode escutar, todo mundo pode escutar, que eu não tenho problema com ninguém. Eu atendo meus clientes lá na loja, eu passo meu Instagram para eles. Meu rap é um rap que todo mundo pode ouvir, porque é consciente. Porque o rap é aquele rap que motiva você a querer ser mais. Como Facção Central, que muitas vezes foi tido como apologia, mas que é justamente uma apologia pra você não entrar nessa vida maluca aí, tá ligado? Então, o rap, ele é porta de saída pra pessoas que não têm, muitas vezes, um direcionamento. O rap é a porta de saída disso. Você pega raps mais pesados de antigamente, tipo Realidade Cruel, Facção Central, que eu escuto muito, eram raps justamente mostrando para você que essa vida, a vida pelo errado, não tem um final feliz, sabe? Então, o rap te dá uma direção. Você começa a caminhar certo na sua vida, porque o rap ensina você a respeitar seu pai, sua mãe, sua família, sua esposa, todo mundo. E mesmo assim, a gente ainda tem uma imagem muito negativa, principalmente para a lei, sabe?
O Futuro: Sim, então. Está tendo essa onda aí de leis anti-Oruam, né? Até prenderam o Oruam recentemente. Prenderam de forma totalmente irregular, totalmente diferente de como fizeram com o Roberto Jefferson. E tem essa multiplicação de “leis anti-Oruam”, que tentam colocar que prefeitura não vai poder apoiar ou financiar qualquer tipo de evento que tenha apologias a crime, como se o rap ou o funk fosse apologia a crime. Como é que você enxerga isso? Por que você acha que tem essa opressão, essa marginalização?
Fbob: Um negócio que eu fiquei pegado foi esse negócio do Oruam. Eu fiquei incrédulo, de verdade. Eu achei justamente isso que você falou, um exagero totalmente. Porque, mano, estão fazendo as leis sem conhecer a história, sem conhecer a origem. Quem popularizou o funk chamado de apologia foi a Baixada Santista. Não só a Baixada Santista, mas o Rio de Janeiro também. Você tinha na Baixada Santista ali Duda do Marapé, Felipe Boladão, você tinha no Rio de Janeiro o MC Smith. Você tem aqui em São Paulo o Daleste, Medley do terror. Você tem Toma Lá Da Cá. São mais explícitos, mas não é que faziam apologia para as pessoas entrarem no mundo do crime. É um relato. Felipe Boladão fazia um relato. Duda do Marapé fazia um relato. Você pega, por exemplo, Cai Lágrimas, Duda do Marapé. É um relato de uma vida sofrida. Se você ouve Cai Lágrimas do Duda do Marapé, a pessoa vai entender o que é uma vida sofrida mesmo. E eram pessoas justamente que podiam ir para outro lado. Podiam ter uma vida legal e estavam realmente relatando as coisas que aconteciam lá. E aí, como MC, como mestre de cerimônia, a pessoa teve uma oportunidade, ela pôde sair dessa falta de perspectiva.
Já o Oruam, para mim, ele só estava cantando um funk mais genérico, não no sentido negativo. É uma questão do seguinte: o funk chamado apologia, o mais explícito, nunca esteve no top 10 do Spotify ou do YouTube. É coisa mais fechada. Por exemplo, no Daleste você tem ali: “matar os polícia é a nossa meta”, que eles têm na letra. Só que ninguém ouve esse som, mano. Esse som não é Top 10 Spotify. Então, a música do Oruam ali no Top 10, viralizando ali, só que nunca foi apologia e nem perto. Não sei qual é a história dele, mas sei o que todo mundo sabe: de quem ele é filho, de quem ele é sobrinho. Então ele tinha todas as portas abertas para o que ele quisesse fazer de errado, certo? E o cara decidiu cantar, e é um cara que é novo, sabe? Todo mundo na sua idade mais jovem comete alguns erros, sabe? Mas o Oruam, com tudo que ele tinha para fazer de errado, todas as portas abertas que ele tinha para esse mundo, o menino decide cantar lá. E aí fez sucesso, e o que acontece? Você imagina como é para uma pessoa que cresce com o pai lá dentro, trancado, com essa fama, com esse desejo que as pessoas têm, que parece que torcem para que ele caminhe pelo mal, para que possam falar: “olha lá, o filho do fulano tinha que ser também”. Parece que torcem para o cara entrar nesse caminho errado. O cara tem muita indignação, muita revolta, que nem ele mesmo diz, muito ódio. E aí acontece que teve umas atitudes. “Ah, porque o Oruam xingou o policial. O Oruam fez drift lá. O Oruam fugiu. O Oruam bateu uma pedra na viatura.” Sim, o Oruam não está certo nisso. Mas é essa a questão: Se a gente fosse ter uma fila de gente para a polícia pegar, tinha que ter um monte de gente antes na lista. Como esse exemplo do político lá. Então, não é nem a questão da punição, mas a questão de como que é tratado de forma tão diferente.
O pessoal colocar, por exemplo, o Oruam como criminoso de alta periculosidade. A gente não está usando a mesma balança... Não é possível! Você tem um monte de gente, principalmente na política, que é responsável pela vida de milhares de pessoas, milhões de pessoas, e não tem esse mesmo patamar de cobrança, sabe? Minha posição nesse caso do Oruam é essa, de que foi totalmente usada uma outra balança para fazer essa medição dele. A polícia deixa o tráfico de drogas acontecer, a política deixa, e aí quando a pessoa segue esse caminho ela acaba morta ou presa, mas isso é uma coisa que eles deixam acontecer. A guerra às drogas não é uma coisa sincera. Então o Estado deixa acontecer, a polícia passa a mão na cabeça de muita gente, e aí quando uma pessoa decide não seguir esse caminho, ela continua errada.
O Futuro: Sim. Os grandes traficantes estão morando em algum apartamento de luxo, em algum bairro de luxo, em bairro nobre. Não estão na periferia, não estão morando na favela. Mas não vão atrás desses caras aí.
Fbob: Exatamente.
O Futuro: No seu entendimento essa opressão é puramente racismo ou tem algum interesse por trás?
Fbob: Na minha concepção, a marginalização dos nossos gêneros vem justamente da questão de que é uma coisa que vem mais dos lados mais pobres. Mas você tem ali a Luísa Sonza com o Baco Exu do Blues. Aí ficou legal pra sociedade, porque tem um branco no meio, tá ligado? Mas a marginalização, se eu fosse dizer o porquê que eu acho que ela acontece contra o rap, eu acho que é justamente porque o rap denuncia tudo o que o sistema quer abafar. Denuncia o racismo, a violência policial, o descaso e tudo que é o lado violento do sistema. O rap politiza, e é por isso que o sistema tenta reprimir, porque não é do interesse do sistema.
O Futuro: Perfeito. Você quer deixar uma consideração final?
Fbob: Eu quero deixar como consideração final o seguinte: que as pessoas precisam prestar atenção nas letras das músicas, e no que o artista está querendo passar e nas atitudes dos artistas. Eu não acredito em separar autor de obra. Não acho respeitável o que alguns MCs fizeram quando apoiaram o Pablo Marçal, por exemplo. Acredito na arte como meio de libertação e tem muitos artistas que fazem esse trabalho. As pessoas têm que se esforçar mais pra ouvir, porque todo mundo pode ensinar alguma coisa. É ouvindo que a gente vai ter um mundo melhor.