Governo Lula destina mais de meio trilhão ao Agronegócio

Desde o início do seu mandato os recursos do Plano Safra aumentaram em 42%, setor também é colocado como exemplo ambiental.

11 de Julho de 2025 às 21h00

Lula e os ministros Carlos Fávaro, da Agricultura, e Fernando Haddad, da Fazenda. Reprodução/Foto: Ricardo Stucker/Agência Brasil.

Por Kauana Niz

No dia 1º de julho, o governo Lula anunciou um recorde de R$ 516,2 bilhões para o Plano Safra 2025/2026, com R$ 414,7 bilhões direcionados a linhas de custeio e R$ 101,5 bilhões para investimentos no agronegócio empresarial. O lançamento da política agrícola, realizado no Palácio do Planalto, ocorre em um momento de tensão fiscal, marcado pela pressão de movimentos sociais e setores governistas pela taxação dos "super-ricos". O contexto inclui a recente derrubada no Congresso Nacional do decreto presidencial que elevava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Um dia antes, em 30 de junho, o governo havia divulgado um novo modelo de Plano Safra voltado exclusivamente à agricultura familiar: o chamado “Plano Safra da Agricultura Familiar 2025/2026”, com R$ 89 bilhões destinados ao crédito rural. Desse total, R$ 78,2 bilhões foram direcionados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), enquanto o valor restante se destina a políticas complementares, como compras públicas, seguro agrícola, assistência técnica e garantia de preço mínimo. A diferença entre os valores destinados ao agronegócio empresarial em relação à agricultura familiar correspondem a 82,77%.

No ano anterior, o Plano Safra 2024/2025 contou com R$ 409 bilhões, além de R$ 108 bilhões em recursos via LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) para emissões de CPR (Cédula de Produto Rural), totalizando R$ 508,59 bilhões. Desse total, apenas R$ 71,6 bilhões foram destinados à agricultura familiar.

Nesse ano, enquanto o aumento para a agricultura familiar foi de R$ 17,4 bilhões, o acréscimo para o agronegócio empresarial foi significativamente maior: R$ 79,21 bilhões, visto que os seus recursos não estão mais no mesmo Plano que também contemplava a Agricultura Familiar.

Do valor do Agronegócio empresarial, cerca de R$ 69,1 bilhões é destinado ao Programa Nacional de Apoio ao “Médio” Produtor Rural (Pronamp) que são aqueles que tem renda exorbitante de até 3 milhões e meio anual. O restante é reservado ao grande Agronegócio.

No evento de anúncio do Plano Safra, estiveram presentes o presidente Lula e o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro. Durante seu pronunciamento, o presidente defendeu a produção de soja e milho para exportação e destacou o que considera ser o caráter ecológico do agronegócio brasileiro:

“O grande sucesso não é só o aumento da capacidade produtiva ou do tamanho de mercado, mas o aprendizado de fazer a preservação adequada para o país, de preservar os nossos rios e mananciais, as nossas nascentes. A gente vai cuidar de terra degradada, a gente vai produzir mais em menos terra”

Lula também afirmou que o Brasil passou a ser visto como exemplo em preservação ambiental, superando a imagem negativa associada ao desmatamento:

“A gente está ganhando mais porque aumentou a qualidade dos produtos que nós estamos plantando, por conta dos avanços genéticos e tecnológicos. E a gente está percebendo que o mundo tinha ojeriza ao Brasil, que era conhecido como país do desmatamento, o país do fogo, do desrespeito. E é essa compreensão que a sociedade brasileira, os empresários, o pequeno e médio agricultor foram tendo que permite que o Brasil passe a ser um país respeitado e, cada vez mais, as pessoas têm menos medo da gente”

Embora Lula tenha evidenciado que o agro brasileiro contribui com a conservação, segundo dados do MapBiomas, nos últimos seis anos as atividades agropecuárias foram responsáveis por mais de 97% do desmatamento no Brasil.

Somente no bioma Amazônico, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), as áreas desmatadas aumentaram 91% no mês de maio, em comparação ao mesmo período de 2024. No ano anterior, a Amazônia enfrentou o maior número de focos de incêndio dos últimos 17 anos, com 140.346 ocorrências, a maioria concentrada em regiões de expansão agropecuária e pastagens.

Lula, Fernando Haddad, Carlos Fávaro, e outros representantes liberais e do agronegócio frequentemente destacam a redução do desmatamento registrada em 2024 no bioma amazônico. De fato, ao analisar exclusivamente os índices de desmatamento, a Amazônia teve uma queda de 7% em relação a 2023. No entanto, a degradação florestal, impulsionada por incêndios e extração madeireira, aumentou seis vezes no mesmo período. Segundo o Imazon, em 2024 foram degradados 36.379 km², um salto de 497% em relação a 2023, quando 6.092 km² foram afetados.

A queda no desmatamento, portanto, não é motivo para comemoração. A degradação ambiental contribui significativamente para as emissões de gases de efeito estufa e compromete a cobertura vegetal. Além disso, embora a atenção de ambientalistas e liberais internacionais recaia sobre a Amazônia, é essencial superar essa visão limitada e dar visibilidade à destruição dos demais biomas.

Segundo o MapBiomas, o Cerrado registrou 9,7 milhões de hectares queimados em 2024, dos quais 8,2 milhões (85%) eram vegetação nativa, representando um aumento de 47% em relação à média dos últimos seis anos. Já no Pantanal, os incêndios atingiram 1,9 milhão de hectares no mesmo período.

Essa realidade expõe uma contradição alarmante: enquanto o governo celebra supostos avanços ambientais, o modelo agrícola baseado na destruição de biomas para produção de commodities continua impulsionando as mudanças climáticas e a dependência econômica do Brasil. A concentração de queimadas nas regiões de atividade de pastagens e monoculturas reforça a urgência de repensar esse sistema, que ameaça não apenas o meio ambiente, mas também o futuro do país diante da crise climática global.

A afirmação de que o agronegócio é "sustentável" e que está “preservando nossos rios” é uma falácia, uma omissão deliberada de dados científicos que visa enganar o público e ocultar o papel do setor como maior emissor de gases de efeito estufa no país. O objetivo por trás disso é claro: manter a exploração de trabalhadores e comunidades do campo, enquanto se preservam os lucros da burguesia.

Lula e o ministro da Agricultura também se orgulharam do volume recorde dos planos safra de seu governo. Entre 2022 e 2025, houve um aumento de 42%. No entanto, é importante lembrar que o setor do agronegócio também é altamente beneficiado por subsídios públicos e isento de ICMS nas exportações, graças à Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996), isso tudo enquanto o governo se volta para uma defesa abstrata  da taxação dos “super ricos” ele direciona mais de meio trilhão somente a um setor de latifundiários e  grandes empresas do agro e mantém a Lei Kandir.

Vale destacar que, nos últimos anos, o governo Lula ampliou de forma expressiva a exportação de commodities agrícolas, superando os índices alcançados durante a gestão Bolsonaro-Mourão. Esse desempenho reflete um projeto conduzido por um governo com perfil mais técnico e especializado, com maior domínio do mercado internacional e alinhamento direto aos interesses da grande burguesia do agronegócio.

Ao final de 2024, o governo federal comemorou a abertura de 300 novos mercados internacionais durante a gestão Lula-Alckmin, ampliando as exportações para mais de 62 destinos. Esse movimento se dá em meio aos avanços nas negociações do acordo Mercosul-União Europeia - focado em exportações de commodities agrícolas e carne - e ao desenvolvimento acelerado de projetos de infraestrutura com a China, voltados principalmente à exportação de soja. Apesar de apresentadas como vitórias para o crescimento econômico, essas iniciativas reforçam o modelo primário-exportador que historicamente mantém o Brasil em uma posição dependente no mercado global, aprofundando a exploração da natureza e a reprimarização da economia.

Por trás dos números otimistas, persistem os velhos problemas estruturais: o agronegócio segue associado à superexploração do trabalho rural, à concentração fundiária e aos conflitos no campo, que continuam entre os mais violentos do mundo. Enquanto o discurso oficial celebra a expansão comercial, a realidade revela a permanência de um padrão de desenvolvimento que beneficia poucos e perpetua desigualdades - demonstrando que, sem rupturas com esse modelo, o crescimento das exportações pouco se traduz em progresso social ou soberania econômica.