Privatização da DESO: Um ano de mercantilização e degradação do saneamento
Demissões, aumento de tarifa e problemas de infraestrutura e distribuição marcam o primeiro ano do saneamento privatizado.

Por Fábio David
No dia 4 de setembro de 2025, completa-se um ano do anúncio da venda da companhia de saneamento de Sergipe (DESO), patrimônio público histórico do desenvolvimento sergipano. Após ser submetida a uma tendência nacional de privatizações e financeirização, o que aconteceu em que patamar se encontra o serviço de distribuição de água e tratamento de esgoto Estadual após esse retrocesso?
A princípio, em Aracaju, existia uma “proteção” contra a privatização do saneamento básico: o Artigo 285 da Lei Orgânica do Município proibia explicitamente a transferência desse serviço à iniciativa privada. A maioria dos vereadores também rejeitava o processo – mas o Governo Estadual, em conluio com interesses corporativos, articulou manobras jurídicas para esvaziar a lei. A mais flagrante foi a redefinição das microrregiões de atuação da DESO, transformando áreas historicamente atendidas pela empresa em uma única “região” artificial, sob a justificativa de “universalização”. Com isso, criou-se um subterfúgio para burlar a legislação municipal e impor a privatização. É assim que o projeto neoliberal, a despeito da resistência e da opinião popular, se consolida progressivamente em Sergipe – não por discussão pública, mas por artimanhas de gabinete.
Contextualizando sobre o comprador, a Iguá Saneamento é uma companhia controlada pelo capital internacional, majoritariamente do Canadá. Após o martelo Batido pelo Governador Fábio Mitidieri (PSD/SE) e seus aliados no dia 4 de setembro de 2024, as necessidades e objetivos de distribuição e visados pela DESO deixam de priorizar interesses da classe trabalhadora sergipana (mesmo que antes não fosse integralmente) e passam a servir a fundos de investimento (FIPs) estrangeiros, sendo o principal o FIP Mayim, que reúne recursos da gestora canadense AIMCo. A companhia segue o exemplo irracional e se une a outros 5 Estados Brasileiros que fazem operações com a empresa, como o Rio de Janeiro (CEDAE), Paraná, Mato Grosso e outros através de concessões e PPPs.
Exclusões e precarização do serviço
O primeiro grande impacto da privatização da DESO foi a coerção e exclusão de trabalhadores: 585 demitidos após pressões por “planos de exoneração voluntária” – eufemismo para cortes salariais que visavam apenas aumentar lucros privados. A justificativa neoliberal de “corte de gastos” ou “eficiência gerencial” cai por terra quando se observa que, antes da venda, a Companhia crescia consistentemente, com um lucro de R$46 milhões em 2023 (o maior em décadas). Ou seja: demitiram não por ‘necessidade’, mas para transformar direitos trabalhistas em ações ativas ou dividendos.
A partir do início da atuação da Iguá (meados de 2025) em território Sergipano, o desastre do abastecimento se tornou presente. Só na capital, cerca de 15 a 20 bairros passaram ou passam por racionamento e cortes frequentes - incluindo áreas centrais como Getúlio Vargas, São José e Pereira Lobo, além de zonas periféricas como Cidade Nova, Bairro América, Palestina e o Bugio, que recentemente precisou de carros-pipa para obterem algum abastecimento. O problema, porém, não se restringe a Aracaju: em Porto da Folha, o rompimento de uma adutora deixou sem água nove municípios do sertão (como Nossa Senhora da Glória, Frei Paulo e Carira), enquanto no povoado Gavião (Graccho Cardoso), a escassez é crônica. Configura-se então uma falha em resolver os problemas históricos da DESO e a criação de outros, demonstrando o caráter despreocupado com as reivindicações populares.
Ao mesmo tempo, enquanto a população sofre com a precarização do serviço, a institucionalidade mais uma vez prioriza os parasitas do mercado, que hoje controlam a água e o esgoto em Sergipe. O Governador havia garantido, após o processo de venda, que a concessionária não poderia fazer reajustes tarifários acima da inflação e qualquer aumento só poderia ser feito após as eleições estaduais do ano de 2026. Mas, ao contrário do que foi prometido, foi anunciado um aumento abusivo de quase 8% da tarifa de água para o mês de setembro deste ano, quase 3 pontos percentuais acima do IPCA atual. Para os Governistas a prioridade de interesses é clara: o bolso do trabalhador deve ficar em segundo plano para a garantia das necessidades privadas.
Perspectivas
Diante desse balanço do primeiro ano de privatização da DESO, com dilemas e questões intermunicipais referentes até a sua concessão e metodologia de cálculos para cobranças de tarifa que foi alterada de forma unilateral, fica evidente o saldo catastrófico da venda de um dos maiores patrimônios públicos de Sergipe. As promessas de “modernização” e “eficiência gerencial” revelaram-se demagogia neoliberal: em vez de melhorias, a população recebeu tarifas mais caras, serviços precários e exclusão. Um direito básico como água e esgoto, que deveria ser universalizado por um sistema público, democrático e territorialmente adaptado, foi transformado em mercadoria – mediada por interesses estrangeiros e distante das reais necessidades da classe trabalhadora sergipana. O caso da DESO não é isolado: é a face perversa de um projeto nacional progressivo da mercantilização de serviços de saneamento. Reverter esse processo exige mais que denúncia; exige conscientização e organização popular para que a água se volte às mãos e necessidades públicas em todas as instâncias.
O enfrentamento não deve ser somente por uma reestatização abstrata baseada em afeto estadual ou saudosismo. A classe trabalhadora sergipana precisa ser protagonista absoluta de sua gestão – desde a sua composição administrativa até o desenvolvimento de políticas. Só assim as consultas públicas serão realmente efetivas, as áreas sensíveis (como o semiárido) terão ênfase real e inovações surgiram através da ótica e avaliação de quem realmente vivencia as contradições do Estado, e não de quem quer enriquecer fundos estrangeiros. Direitos essenciais devem ser manejados e organizados por quem não os mercantiliza.