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  • Redes Zaffari ,da jornada 10x1, está destruindo a Mata Atlântica

    Zaffari e Melnick promovem gentrificação e desmatamento no Morro Santana e Floresta Sabará em Porto Alegre, para erguer no lugar um complexo comercial e residencial.

    27 de Abril de 2025 às 15h00

    Reprodução/Foto: Redes sociais do Deputado Estadual Matheus Gomes (PSOL/RS).

    Por Enzo Alves

    A tradicional companhia gaúcha Zaffari & Bourbon, 12ª maior rede de hipermercados do Brasil, foi exposta por uma investigação do jornal O Futuro e Brasil de Fato por seu gerenciamento desumano no varejo alimentício. A empresa impõe jornadas de trabalho de até 10 a 12 horas consecutivas, com escalas de oito, nove e até dez dias seguidos, afetando gravemente a saúde física e mental dos seus trabalhadores, incluindo adolescentes. Além disso, utiliza o sindicato, SINDEC, para perpetuar acordos que permitam os abusos trabalhistas.

    Mas não para por aí, Zaffari também está envolvida em destruição ambiental. Em parceria com a construtora Melnick, que planeja investir mais de R$1 bilhão em projetos imobiliários na capital, a empresa participa da gentrificação no Morro Santana, onde 52,9 hectares estão sendo destinados ao empreendimento Jardim Itália. Já foram desmatados 9 hectares, representando um grave risco ambiental à região e à cidade.

    Esse processo de especulação imobiliária segue o mesmo padrão das ações da Construtora Goldstein nos anos 1980, que tinha projetos de condomínios de até 10 andares.

    Indígenas, ambientalistas e moradores do Morro Santana e do bairro Jardim Itu-Sabará organizaram protesto no ano passado e, por meio dos movimentos “SOS Floresta do Sabará” e “Preserve Morro Santana”, entre outros, denunciam o empreendimento realizado. Eles expressam preocupação com os impactos ambientais e indignação com a falta de transparência em relação ao projeto e a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) — documento que exige a realização de audiência pública. Demonstrando que o projeto não passou nem por regulamentação básica.

    A Floresta do Sabará, situada no sopé do Morro Santana, é uma área rica em biodiversidade e lar de diversas espécies como o ouriço-cacheiro, o falcão-relógio e o graxaim. Como parte do bioma da Mata Atlântica, a floresta contribui para o resfriamento da cidade e a absorção das águas das chuvas, desempenhando papel crucial no enfrentamento das mudanças climáticas, algo tão caro ao Rio Grande do Sul nos últimos anos.

    O desmatamento provocado pelo projeto pode acarretar consequências ambientais e climáticas significativas para Porto Alegre, como o aumento das temperaturas, enchentes e alterações na drenagem natural. Além disso, o desequilíbrio causado pela destruição dos habitats pode forçar animais silvestres a migrarem para áreas urbanas, resultando em atropelamentos ou em sua fuga para residências, o que evidencia a urgência da preservação da região.

    Gentrificação e negação do acesso à memória

    As consequências socioespaciais e culturais do projeto colonial de gentrificação promovido pelas companhias responsáveis pelo chamado Jardim Itália — que de jardim pouco tem — são profundas e violentas. O empreendimento provoca a destruição do território em favor de interesses privados, resultando no apagamento da história local, especialmente das populações indígenas e negras.

    As memórias coletivas e as identidades construídas ao longo de gerações são desconfiguradas para dar lugar a um espaço higienizado, voltado a um público de classe média e alta. Essa transformação territorial imposta culmina na expulsão dos antigos moradores, substituindo a vivência comunitária por um complexo de luxo que reforça a desigualdade e nega o direito à cidade.

    A 150 metros do empreendimento, está localizado um sítio arqueológico, a Casa Branca, de origem açoriana, que tem sua relevância na memória popular do Rio Grande do Sul, por causa: foi o quartel-general das tropas farrapas da Revolução Farroupilha, em 1935; e já abrigou senzala, tendo registro dos nomes de 25 pessoas escravizadas em 1866; e também foi residência do escritor abolicionista Apolinário Porto Alegre, considerado um dos autores mais importante de Porto Alegre; nos anos ‘70, vítima da especulação imobiliária, foi demolida para que no lugar fosse erguida os prédios do conjunto habitacional ‘Plano 100’, representando um crime para a memória do Morro Santana, e que este sítio ainda faz parte da memória das comunidades ali, mostrando que tentativas de apagamento histórico já aconteceram e acontecem.

    A burguesia tem livre acesso para construir seus empreendimentos

    Em Porto Alegre, é cada vez mais comum encontrar terrenos vazios marcados por placas de construtoras como Goldztein, Melnick, Maiojama, entre outras. Nesses espaços, estão previstos grandes empreendimentos imobiliários — espigões, arranha-céus e prédios imensos — que frequentemente substituem casas antigas, muitas delas com valor histórico e cultural. As licenças para construção são obtidas com facilidade, quase sem obstáculos, evidenciando a concentração do solo urbano nas mãos de poucas construtoras.

    O Jardim Itália não é um caso isolado: é apenas mais um episódio de um processo amplo de especulação imobiliária que entra em choque com os interesses das comunidades locais. Um exemplo recente ocorreu em novembro do ano passado, no bairro Menino Deus, onde moradores protestaram em frente ao supermercado Zaffari da Av. Getúlio Vargas e, depois, na Praça Itália. As manifestações foram motivadas pela ausência de audiência pública sobre o projeto de cinco torres residenciais, com alturas entre 61 e 130 metros — acima do limite de 52 metros estabelecido pelo Plano Diretor para a região.

    Os moradores alertaram para os potenciais impactos negativos, como prejuízos à fauna e flora por conta da sombra projetada, diminuição da ventilação natural, desvalorização de imóveis e sobrecarga na infraestrutura urbana, especialmente após as enchentes do ano passado, que evidenciaram a fragilidade do sistema urbano da capital.

    O Grupo Zaffari, inaugurou no dia 10/04, o seu novo atacarejo, o Cestto Atacadista, que fica no terreno do empreendimento de 51 hectares, na Avenida Protásio Alves, onde futuramente, terá prédios residenciais e um centro comercial. Eles anunciaram para 2025, R$1,5 bilhão de investimentos, em 2023 foram R$7,6 bilhões de faturamento, e R$640 milhões de lucro, colocando-a como um dos maiores hipermercados do Rio Grande do Sul.

    No evento de inauguração do atacarejo, o militante do PCBR, Theo Dalla, entrevistou um dos principais diretores. Questionado sobre qual mensagem deixaria aos 12 mil trabalhadores da empresa, que enfrentam condições de superexploração e têm direitos trabalhistas básicos desrespeitados, o diretor respondeu: “essa verdade que tu colocaste na tua pergunta não é verdadeira efetivamente”. Em seguida, afirmou que os funcionários “crescem”, têm “novas oportunidades” e que a controversa escala 10x1 seria apenas uma “convenção coletiva”, “aprovada pelo Ministério do Trabalho” e tida como algo “normal”.

    A fala expõe o posicionamento da companhia: a negação da precarização enfrentada por seus trabalhadores e a naturalização de jornadas exaustivas como estratégia para maximizar lucros, revelando que a empresa tem plena consciência das condições impostas, mas opta por tratá-las como padrão aceitável no setor.

    É explicitado tanto para as comunidades que residem no Morro Santana e Itu Sabará, quanto para ativistas e quem apoia a causa, que estes empreendimentos são parte de um delírio de crescimento predial, guiado pelas ilusões dos projetos neoliberais no setor imobiliário e lucro. Não dão a mínima importância para as questões das comunidades e as consequências que alimentam a emergência climática e, assim, desmatam áreas verdes essenciais para mitigar as mudanças do clima, destruindo locais com passados históricos para colocar no lugar espigões monótonos que ficam esvaziados para inflar os preços dos imóveis destes e ao redor para atrair moradores que consigam arcar com este novo custo de vida elevado.

    Isso causa também a expulsão de comunidades que já residiam ali,  fins de mundos para várias comunidades que existem ‘nos Morros Santanas’, na qual sofrerão apagamento histórico, principalmente os povos indígenas e negros.

    A burguesia gaúcha segue ampliando seu domínio sobre Porto Alegre, impulsionada por projetos de especulação imobiliária e destruição ambiental, com o aval da gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) e do governador Eduardo Leite (PSDB). Ambos têm suas campanhas financiadas por grandes empresários — como Cláudio Goldstein e Leonardo Fração, que figuraram entre os principais doadores de Melo. Isso escancara a íntima relação entre o poder público e os interesses do capital.

    Empresas multimilionárias como Zaffari e Melnick não apenas interferem nas políticas públicas, como moldam a cidade de acordo com seus interesses. Os projetos do estado burguês ignoram os riscos ambientais, naturaliza tragédias e culpabiliza os mais pobres por desastres causados pela negligência do próprio modelo de desenvolvimento urbano que promovem.

    Em vez de investir em medidas preventivas ou em soluções que beneficiem as comunidades, o Estado se coloca a serviço das elites econômicas. Assim, a especulação imobiliária avança sobre áreas verdes, territórios populares e patrimônios históricos, empurrando a classe trabalhadora para áreas de risco.