Pré-COP em Fortaleza expõe contradições da agenda climática
Créditos de carbono e agronegócio “sustentável” marcam encontro preparatório da conferência.

Reprodução/Foto: Central de Notícias.
Por Lucas Ultracultura
A "COP Nordeste", realizada em Fortaleza, de 15 a 19 de setembro, em conjunto com a 3ª Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (Icid 2025) reuniu representantes de mais de 80 países, governadores da região, especialistas, sociedade civil, setor produtivo, povos e comunidades tradicionais para apresentar contribuições e projetos a serem pautados na COP 30 que ocorrerá em Belém-PA.
Durante o evento foi apresentado o Plano Brasil Nordeste de Transformação Ecológica, um relatório técnico que é vendido como “uma nova forma de pensar e implementar políticas públicas ambientais no Brasil”, mas que por meio de seus compromissos fica claro a total sujeição a agenda do grande capital que enxerga o Brasil apenas como um grande “fazendão” onde não há uma perspectiva de protagonismo e complexibilidade industrial para uma planificação da economia e a construção de uma soberania real, apenas políticas para atrair investimentos e subsídios do governo para o setor privado.
A fala do embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP 30, ao apresentar a conferência do clima como uma "oportunidade única" para a economia regional, escancara a real função desses eventos: não a salvação do planeta, tampouco do Brasil e de seus biomas, mas sim a criação de novos mercados, novas esferas de acumulação e narrativas convenientes para a perpetuação do modo de produção capitalista, agora travestido de verde.
Mais uma vez, a conferência funcionou como vitrine para a propaganda enganosa da burguesia internacional e de seus representantes locais, empenhados em vender a ilusão de um "capitalismo verde" como resposta à crise ambiental. Sob esse discurso, buscam impor sua agenda neoliberal de mercantilização dos territórios, das populações e matérias primas extrativistas, apresentada como o único caminho possível para o desenvolvimento do Brasil.
A “oportunidade” da crise: acumulação sob a máscara verde
Quando o embaixador fala em "inserir o país na vanguarda do pensamento econômico contemporâneo", o que está em jogo é a integração do Brasil – e, em particular, do Nordeste – de forma subordinada ao novo ciclo de acumulação global. A chamada "economia verde" não passa de uma reedição da mesma lógica de exploração, agora revestida pela mercantilização dos bens comuns: ar, água, biodiversidade e até o próprio carbono.
A proposta consiste em transformar a Caatinga e outros biomas em ativos financeiros, verdadeiras "fábricas de carbono", para que os grandes poluidores do Norte global possam seguir seus negócios sem mudanças estruturais. Compram-se créditos que legitimam a continuidade da destruição, perpetuando a mesma lógica de espoliação que historicamente marca a relação entre centro e periferia.
O multilateralismo: uma armação imperialista vendida como cooperação
O embaixador André Corrêa do Lago, voltou a defender o multilateralismo como alternativa ao “unilateralismo dos fortes”. Para ele, esse seria um avanço histórico, capaz de conter a lógica das potências sobre as nações mais frágeis. Mas, na prática, o chamado “multilateralismo” das conferências do clima funciona de outra maneira. Longe de enfrentar as raízes da crise ambiental, ele opera como um instrumento de preservação dos interesses das grandes potências e do capital financeiro internacional.
Na mesa de negociações, todos os países parecem ter o mesmo peso. Mas a dominação econômica e financeira das nações ricas impõe limites claros, deixando os demais em posição subordinada. O resultado é um sistema que se apresenta como cooperação global, mas que, na prática, legitima a continuidade da exploração e transforma a entrega de riquezas em “bons negócios” aplaudidos por governos e elites locais.
A “transversalidade” do clima
Outro conceito reforçado pelo embaixador foi o da “transversalidade” da agenda climática, ou seja, sua integração em todos os níveis de governo. Na prática, isso significa submeter a política ambiental à lógica econômica ditada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central. O discurso de “adaptação da economia” se traduz em garantir rentabilidade aos negócios verdes, aos monopólios da energia “renovável” e ao agronegócio, que agora se apresenta como sustentável.
Enquanto isso, terras indígenas seguem sendo expropriadas, solos continuam contaminados por agrotóxicos e biomas inteiros avançam rumo à destruição. Mesmo assim, tais práticas são apresentadas como avanços e até como benefícios sociais.
O Nordeste como líder da transição energética
O elogio ao Nordeste como "campeão em energias solar e eólica" revela o projeto em curso: transformar a região em uma zona de sacrifício e exploração para o capital energético transnacional. Grandes parques eólicos e solares frequentemente se instalam em terras tradicionalmente ocupadas, geram lucros astronômicos para poucas empresas e deixam para as comunidades locais apenas impactos socioambientais e a falsa promessa de desenvolvimento. A "liderança na transição ecológica" oferecida ao povo nordestino é, na verdade, a condenação a ser a periferia fornecedora de energia e "serviços ambientais" baratos para o centro do sistema enquanto as populações que vivem próximo a esses empreendimentos sofrem de adoecimento e danos permanentes à saúde, interferência na saúde animal, nas rotas de aves, alterações na paisagem, estresse cultural e danos ambientais em áreas costeiras, como compactação do solo e supressão de vegetação.
A falsa solução tecnocrata e a necessidade da luta
Durante a conferência, Andrea Meza, secretária da Convenção da ONU para o Combate à Desertificação, defendeu a necessidade de recuperar a confiança no multilateralismo, ressaltando que ele pode trazer benefícios concretos para países mais vulneráveis. Ela destacou a importância de biomas e solos saudáveis não apenas na captura de carbono, mas também na segurança hídrica e alimentar. Para Meza, não há como cumprir as metas climáticas sem um manejo sustentável da terra. A representante da ONU elogiou ainda a experiência do Nordeste brasileiro, apontando a região como “fonte de inspiração” por demonstrar que é possível prosperar em um contexto semiárido. O conhecimento acumulado para “conviver com a seca”, segundo ela, deveria ser prioridade nas discussões internacionais e nos mecanismos de financiamento global.
A menção às "tecnologias sociais" e ao "conhecimento para conviver com a seca" é a tentativa de cooptar e descaracterizar a luta histórica do povo nordestino, transformando seu saber de resistência em mais um produto no mercado de soluções verdes. A verdadeira solução não virá de financiamentos internacionais, instalação de empresas ou de créditos de carbono, muito menos da compaixão dos países ricos aos países “vulneráveis”. Virá apenas da luta de classes, da ruptura com o modo de produção capitalista e da construção de uma sociedade socialista, onde os meios de produção sejam controlados pela classe trabalhadora e o planejamento econômico racional e científico esteja a serviço das reais necessidades humanas e da harmoniosa relação com a natureza.