Sem mudanças estruturais na economia, Brasil deve continuar com péssimos empregos
O modelo de juros altos e de austeridade fiscal é funcional a uma economia primário-exportadora e financeirizada, que depende de capitais de curto prazo e da exportação de commodities para manter-se minimamente estável. Enquanto o país permanecer preso a esse padrão, qualquer tentativa de reduzir a Selic de forma sustentada enfrentará resistência dos agentes financeiros e risco de fuga de capitais.

Reprodução/Foto: José Cruz/Agência Brasil.
A projeção de que a taxa Selic continue em 15% até o início de 2026 acende um alerta sobre o rumo da política monetária brasileira e seus impactos sobre a economia real. A medida, reafirmada pelo próprio presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, é vista por analistas do mercado como necessária para conter pressões inflacionárias e preservar a credibilidade do Banco Central. Entretanto, juros elevados tendem a impor um custo alto ao país, como o encarecimento do crédito e freio ao consumo popular.
A manutenção da Selic em patamares elevados insere-se plenamente no arcabouço neoliberal que estrutura a economia brasileira desde os anos 1990, pautado pela hegemonia do mercado financeiro e pela subordinação das políticas públicas à lógica da acumulação dos grandes bancos e fundos de investimentos bilionários. Tal arcabouço, impõe que qualquer governo, até os democraticamente eleitos, seguem à risca certas medidas de política econômica. Nesse modelo, o Banco Central é retirado das mãos do Poder Executivo, tornando-se “independente” de pressões políticas, onde suas decisões seriam supostamente técnicas.
Ocorre que tais decisões já seguem um consenso político predeterminado (obviamente visto como “neutro e técnico” por analistas do mercado financeiro), onde a função não apenas da autoridade monetária, mas do próprio governo federal, resume-se apenas a garantir o atual padrão de crescimento, restringindo-se a qualquer papel de mudança estrutural na economia. Essa “neutralidade técnica” é, na prática, uma forma de despolitizar decisões que são profundamente ideológicas e defendem o interesse dos grandes empresários. A luta contra o arrocho monetário, nesse sentido, é também uma luta pela democratização da economia e pela emancipação do trabalho frente à lógica excludente do neoliberalismo.
É importante ressaltar que este padrão determina quais empregos serão gerados, se iremos precisar de médicos, engenheiros, físicos, cientistas, ou se nossa classe trabalhadora terá apenas a oportunidade de empregos massacrantes na escala 6x1, sem contrato de trabalho e mal pagos. Assim, romper com essa lógica é condição essencial para a construção de uma economia capaz de gerar bons empregos formais e bem remunerados. Isso exige recolocar o Estado como planejador e indutor do desenvolvimento, articulando crédito público, investimento produtivo e política industrial soberana. Um projeto de transformação estrutural deve superar a hegemonia dos grandes bancos como eixo da política econômica e substituir a austeridade pelo da expansão orientada à emancipação social e não apenas à acumulação infinita de lucros.
É com essa perspectiva que, mesmo com a taxa de desemprego em níveis historicamente baixos, a popularidade do governo Lula não avança. Quais empregos estão sendo gerados? Muitos são informais que sequer pagam um salário-mínimo, sendo apenas verdadeiros “bicos” com péssimas condições de trabalho.
A manutenção da Selic em níveis estratosféricos se insere, portanto, no coração do projeto neoliberal que rege a economia brasileira. Trata-se de um padrão de acumulação baseado na financeirização, no arrocho fiscal e na compressão do trabalho, que transforma o Estado em garantidor dos lucros do capital e enfraquece sua capacidade de promover industrialização e um desenvolvimento social sustentável para os milhões de trabalhadores interessados.
Assim, após décadas de governos petistas e tucanos, que continuaram com essa lógica, a consequência é a perpetuação de uma economia dependente, desindustrializada e incapaz de gerar empregos formais e bem remunerados. Portanto, mesmo o crescimento do salário-mínimo e reduzido desemprego não é suficiente para garantir popularidade do governo Lula, a grande maioria do proletariado está claramente insatisfeita com as limitações do projeto petista, incapaz de romper com o arcabouço de política econômica neoliberal, o qual se demonstrou incapaz de superar diversos desafios estruturais no Brasil.
Estrutura produtiva deve mudar para alterar a política monetária
Todavia, a atual política monetária é apenas a expressão mais transparente do caráter estrutural de dependência da economia brasileira a outros centros econômicos do capitalismo global, como os Estados Unidos. Um dos efeitos dos juros altos é facilitar que o Real não sofra ataques especulativos contra o Dólar, cujo efeito é controlar o preço dos alimentos, os quais tem sua oferta controlada majoritariamente por grandes latifúndios no Brasil, que efetivamente preferem exportar grande parte de sua produção do que garantir alimentação para milhões de brasileiros.
Inclusive, o controle da oferta de alimentos de grandes produtores rurais foi posto em evidência durante a guerra tarifária iniciada pelo presidente dos Estados Unidos, com muitos latifundiários queimando evitando vender alimentos mais baratos para o mercado brasileiro para não derrubar o preço de suas mercadorias. A lógica de acumulação, guiada pelo lucro e pela propriedade privada dos meios de produção, tende a reverter qualquer tentativa de planificação social e redistribuição de poder econômico.
Portanto, mudar a política econômica sem alterar a estrutura produtiva é tarefa impossível. O modelo de juros altos e de austeridade fiscal é funcional a uma economia primário-exportadora e financeirizada, que depende de capitais de curto prazo e da exportação de commodities para manter-se minimamente estável. Enquanto o país permanecer preso a esse padrão, qualquer tentativa de reduzir a Selic de forma sustentada enfrentará resistência dos agentes financeiros e risco de fuga de capitais. É preciso, nesse sentido, reestruturar o aparato produtivo, retomando a industrialização sob bases tecnológicas próprias e orientadas ao consumo dos trabalhadores, para que a política monetária possa se libertar da chantagem permanente do capital especulativo.
Essa reconfiguração produtiva passa por fortalecer setores estratégicos, como energia, tecnologia da informação, infraestrutura e alimentos, e articular um sistema de crédito público voltado ao investimento produtivo e à geração de empregos. Somente com uma base produtiva sólida e diversificada será possível sustentar um crescimento com juros baixos, sem o temor constante de desequilíbrios externos ou pressões inflacionárias importadas. Um Estado planificador e soberano deve coordenar esse processo, combinando política industrial, inovação e integração regional, de modo a romper com o círculo vicioso da dependência e inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento autônomo.
Um projeto de um Brasil socialista, que se pretenda justo e autônomo, não pode se submeter à lógica rentista que transforma o orçamento público em fonte de lucro para poucos e o sufoca de possibilidades para muitos. Recuperar a capacidade de planejar, investir e gerar prosperidade compartilhada é a única saída para romper com o impasse histórico de um Brasil aprisionado pelo capital financeiro e condenado à estagnação.
É necessário a socialização dos setores estratégicos da economia e a democratização do poder político para colocar o planejamento econômico a serviço das necessidades populares, e não dos interesses do capital. Apenas com o poder nas mãos da classe trabalhadora será possível construir uma política monetária e produtiva voltada ao desenvolvimento soberano, à igualdade social e à libertação nacional.