Assassinado pela ditadura, prefeito de Balneário Camboriú tem causa da morte retificada
A Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú (SC) reparou um erro histórico nesta terça-feira (25) ao retificar oficialmente a causa da morte de Higino João Pio, ex-prefeito da cidade preso e assassinado pela ditadura empresarial-militar em 1969.

Reprodução/Foto: Arquivo/PMBC.
A Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú (SC) reparou um erro histórico nesta terça-feira (25) ao retificar oficialmente a causa da morte de Higino João Pio, ex-prefeito da cidade preso e assassinado pela ditadura empresarial-militar em 1969. A decisão, aprovada por todos os vereadores, com exceção de Jair Renan (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, culminará na entrega simbólica dos documentos atualizados aos familiares.
A mudança elimina das atas da Câmara – especificamente dos registros de 11 de março de 1969 (página 51) e 10 de outubro de 1969 (página 27) – a narrativa falsa de que Higino teria cometido suicídio na prisão. A decisão ocorre após a família receber, na segunda-feira (24), a nova certidão de óbito, que agora reconhece explicitamente que o ex-prefeito foi vítima da ditadura empresarial-militar e que sua morte foi “não natural, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”.
Natural de Itapema, Higino João Pio viveu em Balneário Camboriú onde se tornou o primeiro prefeito eleito da cidade, em 1965, pelo PSD (Partido Social Democrático).
Em fevereiro de 1969, o político e comerciante foi abordado na Prefeitura de Balneário Camboriú e conduzido para a Escola de Aprendizes de Marinheiro, em Florianópolis. A prisão, realizada sem mandado judicial, foi atribuída a supostas disputas políticas locais e acusações de irregularidades administrativas. A motivação mais provável, porém, era sua relação próxima com o ex-presidente João Goulart, perseguido pela ditadura.
Apesar de ter sido detido junto a outros funcionários da prefeitura, todos foram liberados após prestar depoimento – exceto Higino. O ex-prefeito permaneceu incomunicável, sem direito a visitas, e foi assassinado nas dependências da Escola de Aprendizes de Marinheiro em 3 de março de 1969, após duas semanas de cárcere.
Seu corpo foi encontrado no banheiro, com as portas trancadas por dentro e pendurado por um arame de varal preso a uma torneira. O laudo inicial sustentou a tese de suicídio, mas as imagens do local revelavam inconsistências: Higino estava com os pés totalmente apoiados no chão, o que tornava impossível a “suspensão incompleta” descrita. Essa contradição, entre outras, permitiu à Comissão Nacional da Verdade refutar a versão do suicídio em 2014, comprovando que a cena foi armada para encobrir o assassinato, prática comum para ocultar execuções sob tortura durante a ditadura empresarial-militar. Até hoje, ninguém foi punido pelo crime.
Em Santa Catarina, os trabalhos da Comissão Estadual da Verdade concluíram que, no estado, ao menos 698 pessoas foram vítimas de violações de direitos humanos durante a ditadura. Higino João Pio integra a lista de 434 brasileiros assassinados ou desaparecidos no período e é o único preso político catarinense morto no estado.