Quem é María Corina Machado, venezuelana vencedora do Nobel da Paz

Filha de magnata venezuelano e líder da extrema-direita, María é fundadora da ONG Súmate, ligada aos EUA. Cassada e proibida de ocupar cargos públicos, agora recebe o Nobel da Paz por sua atuação “em prol da democracia”.

12 de Outubro de 2025 às 21h00

María Corina Machado discursa às vésperas da nomeação presidencial na Venezuela, em Caracas, em 9 de janeiro de 2025. Reprodução/Foto: AFP.

Por Guilherme Sá e Tavinho

Em um movimento com profundas repercussões geopolíticas, a ex-deputada venezuelana e principal liderança da extrema-direita no país, María Corina Machado, foi nomeada vencedora do Prêmio Nobel da Paz. A decisão, tomada pelo Comitê Norueguês do Nobel, foi na contramão dos apelos do presidente norte-americano Donald Trump para conquistar o prêmio, em reforço ao cerco internacional ao governo de Nicolás Maduro.

Filha de um magnata da indústria de metais e energia, María deu continuidade ao histórico de desestabilização familiar contra os governos chavistas. Ao longo das duas últimas décadas, a agora ganhadora do Nobel esteve diretamente envolvida no golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002 através da ONG Súmate, entidade por ela fundada e comprovadamente receptora de financiamentos norte-americanos.

O presidente do Comitê do Nobel, Jørgen Watne Frydnes, afirmou que a Súmate é “uma organização dedicada ao desenvolvimento democrático”, em que “a Sra. Machado defendeu eleições livres e justas há mais de 20 anos.”

Eleita deputada por Miranda em 2010, María teve o mandato cassado em 2014 por aceitar irregularmente o cargo de embaixadora do Panamá junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), violando a constituição venezuelana, que impede a posse em governos estrangeiros.

Visando denunciar o governo em órgãos internacionais, a ex-deputada esteve envolvida em múltiplas ações da oposição contra o governo do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), das diversas manifestações ao longo da década de 2010 à posse do então deputado Juan Guaidó como presidente interino, em 2019, durante o primeiro governo de Donald Trump nos EUA.

Em 2024, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) declarou a suspeição de Corina para ocupar cargos públicos por 15 anos, em meio às acusações de corrupção e formação de quadrilha.

María intensificou ainda mais nos últimos anos sua campanha midiática internacional contra o governo Maduro, ocupando espaços na mídia hegemônica para classificar o governo bolivariano. A liderança da extrema-direita se manifestou em favor da intervenção e eventuais sanções à Venezuela, alegando ser este o único meio de pressão contra o governo Maduro, no contexto do atual destacamento de forças militares dos EUA no Caribe, ameaçando o país sob premissa de ‘combate ao narcotráfico’.

Diante das recentes tensões na América Latina, o governo Lula, após contestar os resultados eleitorais venezuelanos, recusou a candidatura do país ao BRICS, impondo novo constrangimento diplomático e afetando os mercados venezuelanos.

Em meio ao avanço da burguesia venezuelana contra o seu governo, que demanda maiores cortes de gastos, maiores liberdades para a burguesia reacionária e uma ofensiva contra as conquistas restantes da revolução bolivariana, a postura brasileira reforça um papel como cúmplice destas pressões.

A atitude brasileira abre uma tensão bilateral que simboliza o momento dos BRICS enquanto bloco que aposta não no combate ao imperialismo, mas na articulação de atores intermediários da cadeia imperialista em busca de melhores posições para suas burguesias e monopólios.

Venezuelanos se alistam para integrar as milícias civis durante uma campanha nacional de recrutamento. Reprodução/Foto: Ariana Cubillos/AP.

O gesto também representa uma provocação calculada a Trump e suas declarações, criticando subjetivamente seus alegados ataques à democracia estadunidense, numa ironia histórica que repete o ocorrido com Barack Obama. Obama, na ocasião da premiação deste ano, parabenizou a ganhadora por meio de sua conta no Twitter, “por sua corajosa luta para levar a democracia à Venezuela”. Premiado em 2009, Obama comandava as ofensivas da máquina de guerra estadunidense no Afeganistão e Iraque, provocando dois anos depois a invasão brutal à Líbia de Gaddafi.

O plano de paz de 20 pontos proposto por Donald Trump e o recente aceite de Israel às condições impostas pelo Hamas, além de suas tratativas sobre o fim da guerra na Ucrânia e o conflito entre Ruanda e República Democrática do Congo, geram créditos para que o comitê do Nobel possa considerar a candidatura do presidente em 2026.

Internamente, Maduro enfrenta uma complexa disputa pela coesão política, onde o notório apoio popular contra as agressões externas contrasta com a perseguição a opositores de esquerda, particularmente as direções e militantes do Partido Comunista da Venezuela (PCV). As contradições expõem não apenas a impossibilidade de contestação dos rumos tomados nas últimas décadas, mas a natureza contraditória do próprio governo Maduro, que continua atendendo aos interesses da burguesia nacional enquanto mantém um discurso anti-imperialista.