Quem é María Corina Machado, venezuelana vencedora do Nobel da Paz
Filha de magnata venezuelano e líder da extrema-direita, María é fundadora da ONG Súmate, ligada aos EUA. Cassada e proibida de ocupar cargos públicos, agora recebe o Nobel da Paz por sua atuação “em prol da democracia”.

María Corina Machado discursa às vésperas da nomeação presidencial na Venezuela, em Caracas, em 9 de janeiro de 2025. Reprodução/Foto: AFP.
Por Guilherme Sá e Tavinho
Em um movimento com profundas repercussões geopolíticas, a ex-deputada venezuelana e principal liderança da extrema-direita no país, María Corina Machado, foi nomeada vencedora do Prêmio Nobel da Paz. A decisão, tomada pelo Comitê Norueguês do Nobel, foi na contramão dos apelos do presidente norte-americano Donald Trump para conquistar o prêmio, em reforço ao cerco internacional ao governo de Nicolás Maduro.
Filha de um magnata da indústria de metais e energia, María deu continuidade ao histórico de desestabilização familiar contra os governos chavistas. Ao longo das duas últimas décadas, a agora ganhadora do Nobel esteve diretamente envolvida no golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002 através da ONG Súmate, entidade por ela fundada e comprovadamente receptora de financiamentos norte-americanos.
O presidente do Comitê do Nobel, Jørgen Watne Frydnes, afirmou que a Súmate é “uma organização dedicada ao desenvolvimento democrático”, em que “a Sra. Machado defendeu eleições livres e justas há mais de 20 anos.”
Eleita deputada por Miranda em 2010, María teve o mandato cassado em 2014 por aceitar irregularmente o cargo de embaixadora do Panamá junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), violando a constituição venezuelana, que impede a posse em governos estrangeiros.
Visando denunciar o governo em órgãos internacionais, a ex-deputada esteve envolvida em múltiplas ações da oposição contra o governo do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), das diversas manifestações ao longo da década de 2010 à posse do então deputado Juan Guaidó como presidente interino, em 2019, durante o primeiro governo de Donald Trump nos EUA.
Em 2024, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) declarou a suspeição de Corina para ocupar cargos públicos por 15 anos, em meio às acusações de corrupção e formação de quadrilha.
María intensificou ainda mais nos últimos anos sua campanha midiática internacional contra o governo Maduro, ocupando espaços na mídia hegemônica para classificar o governo bolivariano. A liderança da extrema-direita se manifestou em favor da intervenção e eventuais sanções à Venezuela, alegando ser este o único meio de pressão contra o governo Maduro, no contexto do atual destacamento de forças militares dos EUA no Caribe, ameaçando o país sob premissa de ‘combate ao narcotráfico’.
Diante das recentes tensões na América Latina, o governo Lula, após contestar os resultados eleitorais venezuelanos, recusou a candidatura do país ao BRICS, impondo novo constrangimento diplomático e afetando os mercados venezuelanos.
Em meio ao avanço da burguesia venezuelana contra o seu governo, que demanda maiores cortes de gastos, maiores liberdades para a burguesia reacionária e uma ofensiva contra as conquistas restantes da revolução bolivariana, a postura brasileira reforça um papel como cúmplice destas pressões.
A atitude brasileira abre uma tensão bilateral que simboliza o momento dos BRICS enquanto bloco que aposta não no combate ao imperialismo, mas na articulação de atores intermediários da cadeia imperialista em busca de melhores posições para suas burguesias e monopólios.

Venezuelanos se alistam para integrar as milícias civis durante uma campanha nacional de recrutamento. Reprodução/Foto: Ariana Cubillos/AP.
O gesto também representa uma provocação calculada a Trump e suas declarações, criticando subjetivamente seus alegados ataques à democracia estadunidense, numa ironia histórica que repete o ocorrido com Barack Obama. Obama, na ocasião da premiação deste ano, parabenizou a ganhadora por meio de sua conta no Twitter, “por sua corajosa luta para levar a democracia à Venezuela”. Premiado em 2009, Obama comandava as ofensivas da máquina de guerra estadunidense no Afeganistão e Iraque, provocando dois anos depois a invasão brutal à Líbia de Gaddafi.
O plano de paz de 20 pontos proposto por Donald Trump e o recente aceite de Israel às condições impostas pelo Hamas, além de suas tratativas sobre o fim da guerra na Ucrânia e o conflito entre Ruanda e República Democrática do Congo, geram créditos para que o comitê do Nobel possa considerar a candidatura do presidente em 2026.
Internamente, Maduro enfrenta uma complexa disputa pela coesão política, onde o notório apoio popular contra as agressões externas contrasta com a perseguição a opositores de esquerda, particularmente as direções e militantes do Partido Comunista da Venezuela (PCV). As contradições expõem não apenas a impossibilidade de contestação dos rumos tomados nas últimas décadas, mas a natureza contraditória do próprio governo Maduro, que continua atendendo aos interesses da burguesia nacional enquanto mantém um discurso anti-imperialista.