Israel busca redesenhar Gaza sob o ‘Plano dos Generais’
Um ano após a invasão de Rafah, a ocupação israelense escancara seus planos para Gaza: ocupação permanente do território, corredores militares, expulsão em massa e um fim definitivo para a Palestina.

Corredor de ajuda humanitária em Rafah. Reprodução/Foto: AP.
Antes da Nakba, em 1948, a ‘Faixa de Gaza’ não existia nos termos do que existe hoje. Gaza, na Palestina Histórica, era uma cidade cosmopolita – correspondente apenas a 2% do território palestino – situada entre o Egito e a Turquia. Após décadas de catástrofe, diante da ocupação, limpeza étnica e genocídio, Gaza se transforma hoje no maior campo de refugiados do mundo, enquanto o mundo assiste calado sua árdua luta contra o desaparecimento completo.
Um ano após romper a “linha vermelha” ilusória de Biden com a invasão de Rafah, a entidade sionista escancarou seu plano para Gaza: ocupação permanente, corredores militares, expulsão em massa e um fim definitivo para a Palestina. O que antes era dito de forma velada, sob eufemismos como “zona de segurança” ou “migração voluntária”, agora é política oficial. Gaza, uma prisão fragmentada, está no centro da consolidação da limpeza étnica como projeto do Estado colonial israelense.
A ofensiva final começou com a destruição do cruzamento de Rafah, obstruindo a última saída de Gaza ao mundo. Sob o pretexto de “segurança”, Israel transformou o sul do território em ruínas, criando o Corredor Morag, uma faixa militar que isola completamente Rafah do resto da Faixa. O exército anunciou que toda a região ao sul do corredor seria convertida em “zona tampão”, eliminando de uma vez a continuidade territorial palestina. O que se busca criar na região, no lugar de Gaza, é uma rede de guetos sitiados, sob bombardeios contínuos.
O objetivo dessa engenharia territorial não é segredo: expulsar os palestinos. A linguagem mudou, mas a lógica colonial permanece. O ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, admitiu em rede nacional que o plano inclui “promover a migração voluntária”, destruir infraestrutura e bloquear ajuda humanitária. Na prática, os palestinos estão sendo empurrados ao exílio por bombas, fome e cerco.
Esse plano tem nome: o “Plano dos Generais”. Elaborado por altos comandantes do exército israelense, incluindo o general reformado Giora Eiland, o plano representa a face mais brutal da ocupação sionista em Gaza. Aprovado pelo alto comando militar em 2023, visa a depopulação total da Faixa por meio de cerco absoluto, bombardeios massivos e destruição deliberada da infraestrutura civil — hospitais, redes de água, escolas e bairros residenciais.
No norte de Gaza, cerca de 400 mil pessoas foram privadas de acesso a recursos básicos, reduzindo a população a menos de 100 mil. Apesar da marcha de retorno durante a trégua de janeiro, que frustrou o esvaziamento total, o governo israelense radicalizou ainda mais sua ofensiva.
O estopim público dessa nova etapa veio dos EUA: o presidente Donald Trump declarou que os EUA deveriam “tomar” Gaza e transformá-la em uma “Riviera do Oriente Médio”, deslocando sua população. A ideia foi repudiada no discurso por líderes europeus e árabes, mas nenhum agiu para impedir que Israel a transformasse em política oficial. Pelo contrário, a declaração funcionou como um sinal verde. Dias depois, o gabinete de guerra de Netanyahu aprovou a ocupação indefinida de Gaza e a construção de bases permanentes no território.
A ofensiva ocorre quando da libertação do soldado israelense e cidadão norte-americano Edan Alexander pelo braço armado do Hamas, as Brigadas Al-Qassam, marca um momento político significativo no contexto da guerra em Gaza. Anunciada como gesto de boa vontade para reabrir negociações de cessar-fogo, a entrega do prisioneiro à Cruz Vermelha ocorreu em meio à visita iminente do presidente Donald Trump à região.
Mesmo após mais de 70 dias de bloqueio total à entrada de alimentos, água e remédios em Gaza — criando uma crise humanitária deliberada —, Israel permitiu, no dia 19 de maio, a entrada de apenas cinco caminhões de ajuda pelo cruzamento de Kerem Shalom, incluindo alimentos infantis. A liberação, segundo o órgão militar israelense COGAT, ocorreu “após recomendação de profissionais das Forças de Defesa de Israel e de acordo com a diretriz da liderança política”, com todos os carregamentos submetidos a rigorosa inspeção de segurança.
No mesmo dia, a ONU confirmou que até 20 caminhões com alimentos poderiam entrar na Faixa, classificando o gesto como um “avanço bem-vindo”, embora completamente insuficiente diante da dimensão da crise. Em março, as Nações Unidas já haviam alertado que seriam necessários cerca de 500 caminhões por dia — o nível anterior à guerra — para evitar uma fome em larga escala.
A subnutrição e a inanição em Gaza já atingem níveis extremos. Segundo o último relatório da Classificação Integrada de Segurança Alimentar da ONU (IPC), cerca de meio milhão de pessoas — um em cada cinco palestinos — estão à beira da fome. A entidade alertou que “o risco de fome na Faixa de Gaza não é apenas possível — é cada vez mais provável”. Em paralelo, 22 ministros das Relações Exteriores de países doadores, incluindo Alemanha, França, Reino Unido, Canadá e Japão, divulgaram uma declaração conjunta exigindo que Israel permita “a retomada total da ajuda a Gaza imediatamente”.
A estratégia de Israel de utilizar a fome como arma de guerra foi denunciada pelo Tribunal Penal Internacional, que em novembro de 2024 emitiu mandados de prisão contra Benjamin Netanyahu e seu então ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes contra a humanidade, incluindo o uso da fome como método de guerra, perseguição e assassinatos.
Tal cenário de terra arrasada acontece com o silêncio cúmplice da comunidade internacional. Nenhuma sanção, nenhum embargo, nenhuma ruptura diplomática. Nem mesmo os regimes árabes se solidarizam para além de moções de repúdio sem implicações práticas. A questão já não é mais o que Israel está fazendo – mas quem está permitindo. O genocídio de Gaza deixou de ser um projeto do governo israelense ou da extrema-direita sionista. Ele se afirmou um projeto global.