Cerca de 2 mil trabalhadores terceirizados da Construção Civil entram em greve na BYD em Camaçari (BA)

Desde o dia 2 de dezembro, trabalhadores que atuam na execução da planta da montadora chinesa em Camaçari se mantêm em greve por melhores condições de trabalho.

9 de Dezembro de 2025 às 17h50

Foto: Jornal O Futuro.

Em Camaçari, município da Região Metropolitana de Salvador conhecido por carregar um dos quatro principais polos petroquímicos do país, o mês de dezembro teve início com cerca de 2 mil trabalhadores da construção civil em greve por condições mais dignas de trabalho. A categoria formada, majoritariamente, por trabalhadores terceirizados de 6 empresas diferentes que atuam na implementação da planta da maior fábrica de veículos elétricos da América Latina, a BYD, segue não somente sem a atualização do piso salarial e o baixo pagamento por insalubridade, mas sem acesso a direitos básicos, com pouca disponibilidade de banheiros, bebedouros e ônibus para se deslocar dentro da fábrica.

A ausência de infraestrutura é o ponto mais sensível. Há setores com apenas um bebedouro para centenas de pessoas, e até grades foram colocadas ao redor para impedir que os trabalhadores encham as garrafas de água.

Ramon, funcionário da empresa Falcão e uma das lideranças do movimento, explica que a insatisfação não surgiu de repente, mas se acumulou:

“A greve começou muito antes do que a gente imagina. Faz um ano que o pessoal briga por banheiro, por água, por transporte dentro da empresa. A gente aumentou o número de funcionários, e só tinha um bebedouro. Botaram até uma grade para ninguém pegar água. É desumano.”

Outro trabalhador, que pediu anonimato, reforça que a motivação está ligada ao direito básico de se organizar:

“A greve começou para reivindicar o que é nosso por lei. Os nossos direitos estavam sendo violados dentro da obra. A gente começou ali mesmo, na terça-feira. O sindicato oficial não apoia, então estamos recebendo apoio de outras associações e do sindicato livre.”

Um segundo trabalhador anônimo descreve a jornada diária dentro do canteiro:

“Lá dentro tem mil pessoas. A gente anda dois quilômetros para bater ponto. Se você passar da catraca para pegar o ônibus, já dizem que está atrasado, mesmo estando dentro da obra.”

A falta de transporte adequado também pesa no bolso:

“O que a empresa dá para transporte não condiz. Tem gente pagando 800 reais por mês só para se deslocar, fora almoço e café. Quando você soma, não chega nem no valor de uma cesta básica.”

Enquanto os operários são vitimados pela exploração, o lucro da bilionária montadora chinesa subiu 14% no primeiro semestre de 2025, expandindo agressivamente a marca nos mercados internacionais. O seu lucro líquido totalizou 15,5 bilhões de yuans (R$11, 9 bilhões) durante este período. A receita avançou 23%, para 371,3 bilhões de yuans (R$281,8 bilhões), segundo a própria BYD.

Mas, no canteiro de obras, o cotidiano relatado pelos trabalhadores é outro.

“A gente carregava ferro e madeira por quilômetros, debaixo do sol. Se parasse para descansar, era chamado de preguiçoso. Era uma humilhação”, diz Ramon.

A rotina ainda é marcada por pressão constante dos supervisores chineses. Informalmente, os trabalhadores brasileiros ouvidos relatam que o tratamento é desigual:

“O nosso dinheiro vale igual. Mas eles comem primeiro. A gente paga o almoço, come marmita fria no meio da obra. Viramos boia-fria dentro da fábrica”, afirma.

Não é apenas um caso infeliz, mas regra

Entre dezembro de 2024 e o primeiro semestre de 2025, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRTE/BA), identificou uma série de diligências fiscais na montadora. Através de inspeções, os auditores-fiscais puderam reconhecer indícios de tráfico internacional de pessoas, em que a BYD teria formulado um esquema para trazer trabalhadores chineses à Camaçari sem vínculo empregatício formal.

De acordo com a equipe de inspeção, a montadora teria responsabilidade direta pela vinda fraudulenta dos 471 trabalhadores para atuar nas obras de construção de sua unidade industrial. Destes, 163 foram resgatados em condições análogas à escravidão. As pessoas estavam submetidas a condições de vida e trabalho extremamente precárias: dormiam no próprio trabalho em camas sem colchões, só tinham acesso a um banheiro por alojamento (de 31 pessoas), os alimentos e seus pertences eram armazenados próximos a materiais de construção e só um dos alojamentos contava com um refeitório improvisado. Sem contar que a jornada de trabalho imposta era de, no mínimo, 10 horas diárias, sem a concessão regular de folgas.

Naquele momento, o MTE pediu a condenação da BYD e impôs uma série de medidas, como o pagamento de R$257 milhões por danos morais coletivos e individuais. Não surpreendentemente, a montadora bilionária segue firme e forte explorando trabalhadores, estes, inclusive, terceirizados, visando somente o lucro em prol da exploração dos operários.

Em relação aos trabalhadores brasileiros, nota-se a vinculação a até seis empresas terceirizadas. Para além da diferença de salário, também se divergem as condições de trabalho se comparadas às dos trabalhadores chineses que, por exemplo, almoçam antes e detêm maior previsibilidade quanto à jornada e alimentação, já que vieram para o país em um regime monitorado diretamente pela montadora.

Essa diferença revela um paradoxo pouco discutido no discurso oficial. Durante a inauguração da fábrica, o presidente Lula celebrou o empreendimento como símbolo de reindustrialização e geração de empregos. Contudo, ao permitir contratos no limite da legislação trabalhista, especialmente com uma montadora estrangeira cuja estrutura de fornecimento envolve camadas sucessivas de terceirização, o governo abriu margem para que práticas abusivas se enraizassem. Desde o governo Temer, quando a definição de trabalho escravo foi flexibilizada, tornou-se mais difícil caracterizar violações, o que favoreceu a expansão de modelos de contratação que terceirizam riscos e precarizam o emprego.

Nesse ambiente, as garantias formais ofertadas aos trabalhadores chineses acabam se mostrando mais robustas do que aquelas oferecidas aos brasileiros, que se submetem a uma cadeia de subcontratações, salários diversos e piores condições de trabalho. Em nome da pressa para inaugurar o complexo e demonstrar resultados políticos, o governo aceitou que o investimento ocorresse em um ambiente de baixa fiscalização efetiva e de fragilidade sindical, o que agora explode em conflitos, denúncias e greves.

A paralisação envolve majoritariamente trabalhadores da construção civil, mas não apenas. Operários da área metalúrgica, que atuam diretamente na montagem das estruturas e equipamentos da fábrica, também aderiram ao movimento. São centenas de trabalhadores que compõem a base do projeto industrial da BYD em Camaçari: pedreiros, armadores, soldadores, montadores de estruturas metálicas, além de equipes responsáveis por instalações elétricas e hidráulicas.

A greve

No dia 2 de dezembro, a Unidade Popular (UP) convocou uma paralisação a nível nacional pela corrente sindical Movimento Luta de Classes (MLC), inicialmente pautando o fim da escala 6x1. Em Camaçari, os militantes da UP chegaram cedo à porta da fábrica e organizaram um piquete, bloqueando a entrada dos ônibus ao posicionarem veículos na entrada. A presença de caminhões da própria BYD acabou contribuindo para a obstrução, obrigando os trabalhadores que chegavam a caminhar cerca de três quilômetros para acessar a fábrica. Ao se depararem com o piquete, muitos trabalhadores decidiram não entrar, permanecendo no local e se aproximando da discussão que se formava. A percepção de que não se tratava apenas de um protesto pontual, mas de uma situação insustentável, levou à decisão de deflagrar a greve. Naquele dia, 400 trabalhadores realizaram, na porta da fábrica, a assembleia que iniciou o movimento grevista.

Entre eles estava Marcus Vinicius, ajudante comum, de Salvador, que, mesmo contratado como ajudante, realizava tarefas muito mais pesadas:

“Eu entrei como ajudante comum, mas estou fazendo trabalho de pedreiro, carregando peso o dia todo. A empresa não dá nenhuma melhoria. Na minha opinião, a gente está sendo tratado como escravo lá dentro.”

Marcus Vinicius também comentou o surgimento do novo sindicato:

“O sindicato anterior abandonou a gente. Foi formado pela necessidade. Hoje formaram o novo sindicato e eu sou um dos diretores. O papel do sindicato é olhar pelo peão, correr atrás da melhoria. Não é favor, é direito.”

No entanto, como a escala da categoria é 5x2, não manteve o debate acerca do fim da escala 6x1 nas reivindicações, sendo as pautas: atualização do piso salarial da categoria, regularização do pagamento, pagamento de 30% por insalubridade, expansão do refeitório, instalação de mais banheiros, bebedouros e vestuários, bem como o aumento da frota dos ônibus dentro da fábrica, do auxílio alimentação e transporte etc.

O sindicato só apareceu no terceiro dia, mas de forma rebaixada não apoiaram a manifestação dos trabalhadores. Diante da ausência de representação efetiva, surgiu a proposta de criação de um novo sindicato. Inicialmente pensou-se em uma associação, mas os próprios trabalhadores exigiram um sindicato, já que o existente não os representava. Assim nasceu uma diretoria provisória, composta por militantes da UP e trabalhadores da própria BYD, reconhecida pelos grevistas como sua legítima representação, ainda que o processo de legalização formal demande tempo e a próxima eleição da categoria ocorra apenas em 2027.

Na condução do movimento, esteve Willian, diretor provisional do novo sindicato, coordenador nacional do MLB, da UP e do diretório estadual da UP. Ele explicou o papel do partido na paralisação:

“Foi um trabalho de meses de diálogo com o trabalhador explorado na obra. Desde fevereiro estamos na porta da fábrica, pelo menos duas vezes por semana, conversando, distribuindo o jornal A Verdade, chamando os trabalhadores para construir o socialismo.”

Sobre a fundação do novo sindicato:

 “Fundamos embaixo de uma greve, com uma assembleia extremamente mobilizada. Mais de 450 trabalhadores assinaram a lista de presença. Agora temos uma diretoria provisória para correr atrás de registrar o sindicato e depois eleger diretoria com voto em urna.”

Willian reforça que a legitimidade não está no papel:

Mais importante que o CNPJ é ter o reconhecimento da categoria. Isso a gente já tem. Foi um pedido dos próprios funcionários, porque o sindicato oficial se recusou a participar da greve e se recusou a reconhecer a necessidade dessa luta.”

Com o novo sindicato, chegaram a ter uma negociação com as empresas e um certo avanço por parte delas, pelo menos em promessas não cumpridas, uma vez que um dos acordos era que não houvesse demissão nesse período.

Após quatro dias de paralisação, os operários afirmam ter conquistado algumas melhorias:

“Conseguimos água gelada, banheiros novos e mais ônibus. Mas ainda estamos lutando por outras coisas que estão na pauta.”

Porém, para os grevistas essas conquistas são apenas o mínimo:

“É o básico. A gente trabalha com fome, no sol, carregando peso. Agora eles trazem água gelada e dizem que é favor. Não é favor. É direito.”

Contudo, denúncias de assédio e tentativas de desmobilização persistem. A empresa insiste em negociar apenas com os trabalhadores de volta às atividades, enquanto os grevistas afirmam não retornar sem garantias mínimas. Por isso, no dia 8, após o ato na porta da fábrica, os trabalhadores seguiram para a Delegacia Regional do Trabalho para formalizar denúncias acompanhados por uma auditora fiscal, pressionando para que a empresa retome o diálogo sem retaliações.

A partir da tarde do dia 8, circulou entre os trabalhadores a notícia de que três operários que atuavam na linha de frente da mobilização, incluindo integrantes da diretoria provisória do novo sindicato e candidatos à CIPA, receberam comunicados de dispensa por justa causa enviados por aplicativo de mensagens. Os grevistas denunciam que as demissões acontecem em represália direta à organização da paralisação, uma vez que, durante as negociações, havia sido acordado que as ausências seriam abonadas e que não haveria retaliações.

A decisão das empresas terceirizadas, no entanto, ignora o direito à estabilidade previsto na legislação para dirigentes sindicais e membros da CIPA, o que reforça a avaliação de que se trata de uma tentativa de intimidar o movimento. As lideranças do recém-formado Sindicato Livre afirmam que vão contestar os desligamentos formalmente, considerando-os ilegais e abusivos. Diante desse ataque, os trabalhadores decidiram manter a greve e ampliar a mobilização.

No dia 9 de dezembro, trabalhadores se reuniram mais uma vez em frente à BYD, em um ato de denúncia pública das demissões e para pressionar por uma negociação sem ameaças nem punições, reiterando que a paralisação se mantém até que as demandas por condições dignas de trabalho sejam atendidas e que os trabalhadores dispensados sejam reintegrados. Naquela manhã, os grevistas foram recebidos pelos policiais militares, fomentadores da ordem burguesa, que se utilizaram de bombas de gás contra o movimento.