Agronegócio se blinda da Reforma do Imposto de Renda
O dispositivo original previa a criação de um imposto mínimo de 10% para quem recebe mais de R$600 mil por ano, uma tentativa de impedir que grandes fortunas e empresários se utilizassem de brechas contábeis para escapar da tributação.

Foto: Reprodução/Adobe Stock.
A proposta de reforma do Imposto de Renda aprovada na Câmara dos Deputados, apresentada como uma medida de alívio fiscal para os trabalhadores e de justiça tributária, acabou se convertendo em mais um episódio de capitulação política do governo petista diante dos interesses do grande capital, especialmente do agronegócio.
O projeto, que amplia a faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês, foi saudado pelo Planalto como um passo em direção a um sistema mais progressivo e justo. No entanto, o texto final aprovado pelo Congresso mostra justamente o contrário: uma série de manobras e emendas patrocinadas pela bancada ruralista, com o aval tácito do governo, acabaram blindando a renda do setor agropecuário e diluindo o impacto da principal medida de compensação fiscal, a taxação das altas rendas.
O dispositivo original previa a criação de um imposto mínimo de 10% para quem recebe mais de R$600 mil por ano, uma tentativa de impedir que grandes fortunas e empresários se utilizassem de brechas contábeis para escapar da tributação. Contudo, a versão aprovada incluiu uma exceção que exclui as rendas provenientes de atividade rural declaradas por pessoas físicas — justamente o mecanismo utilizado por grandes produtores e conglomerados do agronegócio para reduzir sua carga tributária. Em outras palavras, a elite rural continuará gozando de privilégios fiscais, enquanto o discurso de justiça social serve apenas como retórica.
A manobra foi articulada com habilidade política pela Comissão de Agricultura da Câmara, presidida por Rodolfo Nogueira (PL/MS) e com a presença do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), que apresentou nove emendas com o objetivo de ampliar benefícios ao agronegócio e enfraquecer as medidas de compensação propostas pelo governo. A redação final ainda foi construída de modo a impedir vetos pontuais, incorporando os dispositivos favoráveis ao agro dentro da própria definição da base de cálculo do imposto mínimo — uma estratégia que obriga o Executivo a vetar o texto inteiro caso queira reverter o privilégio, algo politicamente improvável.
Além disso, o texto aprovado estende a isenção sobre lucros e dividendos até 2028, favorecendo grandes empresas e investidores que já se beneficiam da baixa tributação sobre o capital. Essa prorrogação, somada à blindagem das rendas rurais, poderá reduzir a arrecadação federal em cerca de 2 a 3 bilhões de reais apenas no primeiro ano de vigência. Em um cenário de forte pressão fiscal e necessidade de ampliar investimentos sociais, o impacto dessa renúncia é significativo e contradiz frontalmente a promessa de “taxar os ricos” feita pelo governo.
Ao aceitar, ou ao menos não combater tais alterações, o governo Lula revela novamente sua dificuldade em romper com as estruturas de poder que sustentam o capitalismo brasileiro dependente e desigual. O PT, que durante décadas construiu sua identidade política sobre a defesa dos trabalhadores e a crítica aos privilégios das elites, parece hoje incapaz de enfrentar os interesses organizados do agronegócio, um dos setores mais conservadores e influentes do Congresso. Em nome da governabilidade e da manutenção de uma base parlamentar heterogênea, o governo cedeu espaço e perdeu o protagonismo na discussão de uma das reformas mais importantes do país.