Donald Trump e Elon Musk acusam África do Sul por “genocidio” e “limpeza étnica” contra brancos

O reacionarismo sul africano acusa o projeto de lei de incentivar a violência contra os brancos sul africanos, especialmente os chamados “afrikaners”. Devido às repercussões no país e no mundo, o projeto de Reforma Agrária ainda não foi colocado em prática. 

7 de Junho de 2025 às 21h00

Reprodução/Foto: Marco Longari/Getty Images.

Por Mateus Filgueira

Em visita na Casa Branca, Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, foi surpreendido com uma fala de Donald Trump que exigiu uma explicação da autoridade africana sobre a abordagem do país sobre as leis de igualdade racial, que Trump disse ser equivalente a um “genocídio” de brancos. A reunião entre os dois líderes, a priori, foi proposta para debater o comércio e a relação entre as nações – que está abalada desde que a África do Sul se tornou responsável por denunciar Israel na Corte Internacional pelo genocídio e colonização na Faixa de Gaza –, porém, Trump afirmou que “muitas pessoas estão muito preocupadas com a África do Sul, e esse é realmente o propósito da reunião, e veremos como isso vai acabar”.

A acusação vem após uma lei sancionada cujo objetivo era reparar a desapropriação de terras de pessoas negras durante o apartheid racial na Africa do Sul; a lei permite que a desapropriação sem indenização apenas aconteça em terras ociosas. O reacionarismo sul africano acusa o projeto de lei de incentivar a violência contra os brancos sul africanos, especialmente os chamados “afrikaners”. Devido às repercussões no país e no mundo, o projeto de Reforma Agrária ainda não foi colocado em prática. 

Os afrikaners são um grupo que se estabeleceu no sul da África do Sul em meados do século XVII. A comunidade faz parte de uma mistura de colonos holandeses (34,8%), alemães (33,7%) e franceses (13,2%) e possuem uma língua própria – africânder – bastante semelhante ao holondês. Este mesmo grupo foi responsável pela liderança do apartheid na África do Sul de 1948 até 1994, e por isso, constituem inúmeras terras no país. Hoje, representam 4% da população total. Mesmo com o fim do apartheid, a desigualdade permaneceu; mesmo tendo mais de 80% da população negra, a concentração de renda permanece aos sul africanos – e afrikaners – brancos, contribuindo para que o Banco Mundial classifique a África do Sul como o país mais desigual do mundo.

Segundo Trump, “milhares de pessoas estão tentando entrar no nosso país porque sentem que vão ser mortas e suas terras vão ser confiscadas” e por isso teria recebido, em maio, os 59 sul-africanos como “refugiados políticos” vítimas de “descriminalização racial”. A ACNUR, agência de refugiados da ONU que classifica refugiados políticos no mundo e participa ativamente do processo de triagem de acolhimento de refugiados em outros países, disse não ter sido consultada. A ONG Human Rights Watch classificou a medida como uma distorção racial cruel, e criticou Trump pela medida, enquanto os EUA é um agente ativo de perseguição e morte de refugiados ao redor do mundo, principalmente no Oriente Médio.

Reprodução/Foto: Elizabeth Sejake/Getty Images.

Elon Musk, bilionário nascido na África do Sul, filho de dono de mineradora de esmeraldas, criticou as medidas adotadas pelo país natal e diz ser vítima de “leis racistas de propriedade”. Além disso, o bilionário afirmou que a Starlink, sua empresa provedora de internet via satélite, não tinha permissão para operar na África do Sul pelo “simples fato de não ser negro”.

Em matéria, BBC apontou que para operar na África do Sul, a Starlink precisaria obter licenças de rede e de serviço, que exigiriam “30% de propriedade de grupos historicamente desfavorecidos”. Segundo o órgão regulador de setores de telecomunicações e radiodifusão da África do Sul, a Starlink nunca havia enviado pedido de licença.

Em maio, o Grok, chatbot de IA do Musk – criada, segundo ele, para se opor as “IA woke” como Gemini da Google e ChatGPT da OpenAI – publicou informações não solicitadas sobre a perseguião e genocídio de pessoas brancas na África do Sul mesmo nas perguntas que não tinham qualquer relação com o país em questão. Segundo a EuroNews, o problema foi corrigido e, segundo a empresa xAI, responsável pela inteligência artificial, “uma ‘modificação não autorizada’ foi feita no chatbot, que direcionou Grok a ‘fornecer uma resposta específica sobre um tópico político’ no X, violando as ‘políticas internas e valores fundamentais’ da empresa.”

O partido Combatentes da Liberdade Econômica (EFF, na sigla em ingles), que se autointitulam marxistas-leninistas e reivindicam os pensamentos fanonianos, entoam em seus comícios uma música histórica sul africana que diz “Shoot the Boer, Shoot the farmer” ("Atire no bôer, atire no fazendeiro"). Musk condenou o verso e o partido, alegando que incitavam a “promoção ativa” de genocídio e limpeza étnica. 

A Suprema Corte da África do Sul, no entanto, decidiu que a música foi popularizada na luta contra o apartheid no século passado e não poderia ser impedida de cantar porque uma “pessoa razoavelmente bem informada" entenderia que quando "canções de protesto são entoadas [...] não devem ser entendidas literalmente, nem o gesto de atirar deve ser entendido como um chamado às armas ou à violência”. Segundo a BBC, das mais de 6.953 pessoas assassinadas na África do Sul nos últimos meses, 12 foram mortas em ataques a fazendas. Das 12, apenas uma era fazendeiro (5 eram moradores das fazendas e 4 eram funcionários).