Número de matrículas em cursos EaD supera o de cursos presenciais no Brasil
Dados do Censo da Educação Superior apontam que no último ano 50,7% das matrículas no Ensino Superior foram no formato de Ensino à Distância (EaD) e indicam que a expansão da rede privada possui forte ligação com o crescimento do EaD.

Reprodução/Foto: Varzeaalegre.
Pela primeira vez no Brasil o número de matrículas do Ensino Superior no formato de Ensino à Distância (EaD) ultrapassou o de matrículas presenciais. Dos 10 milhões de estudantes matriculados em 2024, mais da metade se matriculou no modelo de Ensino à Distância (50,7%). Os dados são do Censo de Ensino Superior do ano passado e evidenciaram o crescimento do formato de EaD nos últimos 10 anos. De forma quase umbilical, junto ao crescimento desse modelo de ensino, também houve aumento no número de vagas ofertadas pelas instituições privadas.
O Censo ainda revela que a quantidade de matrículas EaD quase quadruplicou de 2014 a 2024, com um aumento porcentual de 287,7% nesses 10 anos. Enquanto que em 2014 apenas 20% dos matriculados no ensino superior eram do EaD, em 2024 esse número cresceu para cerca de 70%, o que significou uma salto numérico de 1,5 milhões para mais de 5,1 milhões de matrículas. Na direção contrária, o número de matrículas no modelo presencial teve uma queda de 23,1% durante o mesmo período. Enquanto que em 2014 aproximadamente 6,5 milhões de matrículas foram no modelo presencial, em 2024 esse número caiu para 5 milhões.
Um dado importante que deve ser levado em conta é o fato de que das 23,6 milhões de vagas ofertadas no ensino superior em 2024, mais de 95% foram ofertadas pela rede privada. Deste número, 18,5 milhões foram ofertadas no formato EaD e apenas 5 milhões no modelo presencial.
Ainda de acordo com o Censo, o país conta com 317 instituições públicas e 2.244 privadas, ou seja, quase 88% das instituições de ensino superior no Brasil pertencem à rede privada. E é exatamente na rede privada que está concentrada a maior parte das matrículas do ensino superior, que é de cerca de 80% das matrículas contra apenas 20% na rede pública.
O avanço das redes privadas e do EaD não acompanham a qualidade do ensino
O crescimento do EaD no Brasil foi impulsionado sobretudo pelo aumento no número de matriculados das redes privadas de ensino, que de 2014 para 2024 cresceu 100,9%, enquanto que as matrículas na rede pública aumentaram apenas 5,3% no mesmo período. Apesar do leve aumento ainda poder soar positivo, ao se comparar anos mais recentes, como 2022 a 2024, os números se tornam negativos e indicam uma queda de 0,6% no número de matriculados no ensino público, enquanto que para as instituições privadas a quantidade de matrículas aumentou em 13,1%.
Os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indicam que a maioria dos diplomas são emitidos por instituições privadas. Para a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) esse aumento das matrículas é sinal de eficiência, mas os dados demonstram o contrário. Por exemplo, o aumento da oferta do ensino EaD associada ao aumento de matrículas nas instituições de ensino superior privadas levantam dúvidas quanto a qualidade dessas formações. No último Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), apenas 6 dos 692 cursos avaliados no formato EaD atingiram a nota máxima.
As turmas estão cada vez mais lotadas e professores sobrecarregados
Outro ponto que chama atenção que possui relação com a qualidade do ensino ofertada pelo Ensino à Distância é que o Brasil é o país com a maior taxa de alunos por professor no ensino superior privado. Os dados são do relatório Education at a Glance (EaG) de 2025, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e indicam uma média de 62 estudantes para cada docente, enquanto que a média dos países da OCDE é de 18 alunos por professor. O Inep aponta a superlotação das turmas como um desafio e que tem como uma das principais causas o crescimento do EaD.
“Isso [a superlotação] se dá pela influência do ensino a distância, que já reverbera nas políticas brasileiras, em especial no marco da educação a distância, com o qual a gente espera que sejam superados esses desafios”, disse Christyne Carvalho, coordenadora de Estatística Internacional Comparada do Inep, que apresentou os destaques do relatório em coletiva de imprensa online.
O marco regulatório do governo se propõe a “reformar” o EaD
O “marco da educação a distância” citado por ela se refere ao decreto baixado pelo governo Lula em maio deste ano e que se propõe a enfrentar esses problemas através da regulação do EaD.
De acordo com o decreto, nenhum curso poderá ser oferecido de forma 100% à distância e o tamanho das turmas estão agora limitados à quantidade de 70 alunos no máximo. Além disso, o marco regulatório define que os cursos de saúde, de Direito e de licenciaturas não poderão mais ser ofertados no modelo à distância.
São comuns os argumentos que defendem o Ensino à Distância como ferramenta que possibilita a ampliação do acesso ao Ensino Superior por estudantes com pouco tempo, que trabalham ou que moram distantes dos centros universitários, por exemplo. Entretanto, isso se dá porque as instituições públicas não garantem políticas de permanência estudantil como bolsas, restaurantes, moradias universitárias, creches ou acessibilidade suficientes e muitas vezes nem possuem campis que ofertam cursos presenciais em regiões mais distantes dos centros metropolitanos. A regulação do EaD não garante a qualidade do ensino e também não garante a absorção da força de trabalho qualificada através dele.
Enquanto isso, o ensino superior da rede pública não atende as demandas de todos os estudantes justamente pelo seu progressivo desfinanciamento. Dados do Observatório do Conhecimento, grupo formado por professores universitários de todo o país, mostram que o investimento federal para ensino superior e ciência diminuiu R$ 117 bilhões entre os anos de 2014 e 2024
O cenário é desafiador: enquanto as instituições privadas crescem e enriquecem fornecendo cursos EaD precários, o financiamento das universidades públicas segue em déficit, em um caminho que aponta para a continuidade da privatização do ensino superior no Brasil.