Modelo de escola cívico-militar avança em Aracaju, em meio a discussões jurídicas e de ineficácia
Um estudo do IPEA mostra que investir em biblioteca, esporte e arte é três vezes mais eficaz para prevenir a entrada de jovens no crime do que qualquer modelo repressivo.

Reprodução/Foto: Agência Pública.
Por Fábio David
No dia 4 de dezembro, a Câmara Municipal de Aracaju aprovou, em primeira votação, o Projeto de Lei nº 308/2025, que autoriza a criação do Programa Municipal de Escolas Cívico-Militares. O projeto, de autoria da vereadora Moana Valadares (PL), passou por requerimento de urgência e foi aprovado em primeira votação por 12 votos a 7, com duas ausências.
O embate central durante a sessão opôs a própria autora, que defendeu o modelo argumentando que ele traz “ambiente organizado, foco nos estudos, respeito aos professores e zero tolerância para a bagunça”, à vereadora e professora Sônia Meire (PSOL). Esta alegou a ausência de respaldo científico do modelo e seu potencial conflito com princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que definem a escola como um espaço democrático e plural.
Inspirado em experiências de estados como São Paulo e Paraná, o projeto de Aracaju chega envolto em polêmicas que já se repetem nacionalmente. No Paraná, governado por Ratinho Jr (PSD), as escolas cívico-militares praticamente não figuraram entre as 50 melhores públicas estaduais no ENEM de 2024. Pesquisas, como uma realizada pela USP, indicam que o estado seleciona escolas com melhor desempenho prévio e perfil socioeconômico mais alto, criando “ilhas de excelência” que mascaram desigualdades sem evoluir o desenvolvimento pedagógico. O problema de bullying, ameaças e ofensas verbais dentro das escolas do estado também não teve redução comprovada em nenhum aspecto, com uma taxa 10% maior que a média nacional em 2024.
As consequências humanas desse modelo são graves. A pressão por resultados em plataformas digitais e metas exaustivas levou à morte da professora Silvaneide Monteiro Andrade, 56 anos, por mal súbito minutos após ser convocada para explicar “maus resultados” na Escola Cívico-Militar Jayme Canet, em Curitiba. Além disso, o fechamento de turmas noturnas e da EJA exclui alunos trabalhadores e mais pobres, inflando artificialmente índices como o IDEB com a evasão dos mais vulneráveis.
Em São Paulo, repete-se a estratégia: 74 das 100 escolas escolhidas para o modelo já tinham desempenho acima da média estadual no IDEB antes da militarização. Ou seja, são os recursos orçamentários prévios – e não a gestão militar – os prováveis responsáveis pelos indicadores.
Juridicamente, o modelo é frágil. A Lei de Diretrizes e Bases (9.394/96) não prevê a categoria “cívico-militar”. A Advocacia-Geral da União (AGU) já se manifestou pela inconstitucionalidade de programas estaduais por falta de base legal. O modelo também esvazia o princípio constitucional da gestão democrática (art. 206, VI, da CF), ao subordinar a direção escolar a comandantes militares, suprimindo a participação da comunidade.
Enquanto isso, Aracaju enfrenta problemas educacionais reais e urgentes: em 2024, cerca de 2.300 crianças ficaram fora da escola por falta de vagas; em 2025, mais de 1.600 aguardam vaga em creches; e o número de professores que pediram afastamento no estado de Sergipe já supera 2.500. A aprovação de “intervalos bíblicos” e agora do modelo cívico-militar parece apelar a uma moralidade superficial que desvia o foco dos graves problemas de infraestrutura, valorização docente e acesso.
A solução para uma educação de qualidade não está na intervenção militar, mas em investimento público robusto e democrático. Um estudo do IPEA mostra que investir em biblioteca, esporte e arte é três vezes mais eficaz para prevenir a entrada de jovens no crime do que qualquer modelo repressivo. A prosperidade para os filhos da classe trabalhadora virá de uma educação verdadeiramente popular e emancipatória, começando pela reorganização orçamentária que priorize as reais necessidades da escola pública e sua universalização.