Governo Federal mantém asfixia orçamentária da educação pública

Recomposição orçamentária não reverte o desfinanciamento estrutural do ensino no Brasil. Segundo reitores e movimentos de trabalhadores e estudantes, esse restabelecimento orçamentário representa apenas uma fração do necessário.

25 de Junho de 2025 às 15h00

Ministro Camilo Santana em reunião com reitores das universidades e institutos federais – Reprodução/Foto: Luis Fortes/MEC.

O Ministério da Educação (MEC) anunciou, em maio de 2025, a liberação de R$ 300 milhões que estavam retidos por decreto presidencial, além de uma recomposição de R$ 400 milhões para universidades e institutos federais. As medidas foram apresentadas como resposta às críticas crescentes sobre a incapacidade das instituições de ensino em manter atividades básicas, como o pagamento de bolsas, manutenção de infraestrutura e assistência estudantil.

A recomposição de R$ 400 milhões foi necessária após o orçamento, ao passar pelo Congresso Nacional, sofrer um corte de R$ 340 milhões em relação ao que havia sido inicialmente encaminhado pelo governo. O MEC fará a recomposição desse valor, com um acréscimo de R$ 60 milhões, totalizando os R$ 400 milhões anunciados.

Já os R$ 300 milhões que foram liberados estavam retidos por um decreto estabelecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determinava que cada órgão federal pudesse empenhar, até maio, apenas 1/18 dos gastos discricionários (não obrigatórios) a cada mês, em vez do limite usual de 1/12, previsto em caso de atraso na aprovação do orçamento. O ministro informou a liberação desses R$ 300 milhões e que, a partir de junho, universidades e institutos voltariam a receber seus recursos normalmente, sob a regra de 1/12, ficando de fora da exigência de cumprir a regra de 1/18.

No mesmo anúncio, o ministro da Educação, Camilo Santana, reforçou o compromisso de que universidades e institutos federais não sofrerão cortes ou bloqueios em seus orçamentos. A resposta do ministro acontece em meio à turbulenta relação entre a Câmara dos Deputados — institucionalmente fortalecida pelas emendas parlamentares — e uma presidência da República recuada frente aos parlamentares e fiel à agenda de austeridade conduzida pelo Banco Central e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Segundo reitores e movimentos de trabalhadores e estudantes, esse restabelecimento orçamentário representa apenas uma fração do necessário: o orçamento discricionário das instituições federais segue, mesmo com a correção inflacionária, abaixo do patamar de 2014. Tal dado escancara que o desfinanciamento dos serviços públicos, inclusive da educação, é uma política de Estado, inalterada pelas variações de governo.

Em novembro de 2024, foi anunciado um pacote de "corte de gastos" por Fernando Haddad, com potencial de atingir diretamente a educação básica. A proposta pode representar um corte de R$ 42,3 bilhões nos recursos do Ministério da Educação até 2030. A medida retira a obrigação de destinar verbas federais especificamente para a educação em tempo integral, permitindo que esses recursos sejam remanejados para outras áreas. A responsabilidade pelo custeio da expansão do tempo integral nas escolas públicas recairia exclusivamente sobre o Fundeb, composto majoritariamente por verbas de estados e municípios. Ainda que o Ministério da Fazenda garanta que 20% do aporte da União ao Fundeb será reservado para essa finalidade, esse repasse (que, no formato atual, já é destinado) dependerá do orçamento de cada ano e de sua aprovação no Congresso Nacional. Dessa forma, há importante risco de agravamento das desigualdades regionais, uma vez que muitos entes federativos não possuem capacidade de financiamento equivalente.

O lucrativo mercado da educação

Esse modelo de redistribuição de encargos e cortes não é novo. Desde os anos 1990, com a reforma do Estado brasileiro, consolidou-se uma política de contenção do investimento direto da União na educação pública, acompanhada por mecanismos de privatização e mercantilização do ensino. A Constituição de 1988 chegou a inaugurar uma concepção, ainda que limitada, de educação como direito social. Em paralelo, a correlação de forças da política institucional, sob a influência da burguesia e seus lobbies, garantiu o esvaziamento desse princípio por meio de legislações como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, que ampliou a participação da iniciativa privada e estabeleceu que ela deveria ser autofinanciada, com o Estado exercendo apenas funções reguladoras.

Com essa base legal, o setor privado cresceu de forma acelerada: entre 1996 e 2007, as matrículas em instituições privadas aumentaram 221%, enquanto, nas públicas, o crescimento foi de apenas 68%. Em 2007, 89% das IES brasileiras já eram privadas. Essa expansão foi sustentada por políticas públicas que, longe de fortalecer o ensino público, canalizaram recursos para o setor privado. O Prouni, criado em 2005, e o Fies, reformulado em 2010, funcionaram como mecanismos indiretos de financiamento estatal ao ensino superior privado, com repasses que superaram R$ 130 bilhões em uma década.

Além disso, o setor privado foi beneficiado pela desregulamentação promovida por legislações como a Lei da Liberdade Econômica (2019), que facilitou a abertura de cursos, inclusive a distância, sem a devida fiscalização. A expansão do EaD permitiu que grandes grupos empresariais reduzissem custos ao mínimo, mesmo com sérias implicações na qualidade do ensino e nas condições de trabalho dos professores. Algumas IES privadas chegam a registrar média de 500 alunos por docente, e cerca de 65% das matrículas em cursos superiores no país estão concentradas no EaD.

Essa financeirização do setor educacional culminou na formação de grandes oligopólios educacionais. Grupos como Cogna (Anhanguera/Kroton), YDUQS (Estácio), Ser Educacional e Ânima passaram a dominar o setor, abrindo capital nas bolsas de valores e captando recursos com investidores estrangeiros, em especial bancos dos Estados Unidos. Esses conglomerados não apenas operam como empresas lucrativas, mas também participam ativamente da formulação de políticas públicas por meio de associações e frentes parlamentares, moldando as políticas de educação ao sabor dos interesses de mercado.

Os impactos desse processo já são evidentes: estudantes de instituições públicas continuam se saindo melhor no Enade, especialmente nos cursos da área da saúde, enquanto cresce a preocupação com a qualidade do ensino ofertado nas IES privadas. A lógica empresarial imposta à educação transforma direitos em produtos, professores em prestadores de serviço precarizados e estudantes em consumidores.

A submissão da presidência à agenda de austeridade imposta pelos setores financeiros, somada ao poderoso lobby dos oligopólios fortalecidos sob os primeiros governos Lula, coloca um cenário de proliferação irrestrita da educação privada, favorecida pela asfixia orçamentária ao ensino público. Mesmo com o anúncio de R$ 177 bilhões na proposta orçamentária para a educação em 2025 — valor 10% maior do que no ano anterior —, o patamar ainda está muito distante da meta de 10% do PIB prevista no Plano Nacional de Educação.

O Novo Arcabouço Fiscal, em substituição ao teto de gastos, impõe — desta vez com a rubrica petista do ministro Haddad — limites a qualquer possibilidade de reversão desse cenário nas políticas sociais, travando o crescimento de investimentos em áreas fundamentais como saúde e educação.

Diante desse cenário, movimentos estudantis e sociais, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), deverim se mobilizar não só por recomposições orçamentárias que garantam a sobrevivência precarizada da educação pública, mas também pela revogação de medidas fiscais que restringem os recursos da educação pública, bem como contra a existência dos oligopólios do ensino, pelo fim da educação privada.