Fomentação das bets em Sergipe e a conivência dos setores progressistas: rendição silenciosa?
Em julho, a Câmara de Vereadores de Aracaju aprovou a criação do que poderia ser a primeira casa de apostas administrada por um banco público estadual, a LOTAJU, que posteriormente foi vetada.

Por Fábio David
No dia 18 de julho de 2025, a Câmara de Vereadores de Aracaju aprovou a criação do que poderia ser a primeira casa de apostas administrada por um banco público estadual, a LOTAJU, que posteriormente foi vetada. Em um período de normalização e expansionismo das bets e de suas consequências sociais pelo Brasil, Sergipe se integra a esse processo de forma institucional por meio da medida adotada. O que chama a atenção, no entanto, é a passividade e a conivência com que representantes da esquerda hegemônica tratam a existência de uma bet patrocinada pelo próprio Governo.
Surgimento da LOTESE
Um ano após o aval do STF para estados brasileiros atuarem no mercado de jogos, foi publicada a Lei Estadual nº 8.901 de 2021, que permitia ao poder executivo a criação e a administração de loterias em Sergipe.Por conseguinte, em setembro de 2024, a ALESE (Assembleia Legislativa de Sergipe) aprovou a Lei Estadual nº 9.440, autorizando o Banese a mediar, operar e administrar, em nome do poder Executivo, os serviços lotéricos em Sergipe, e em novembro do mesmo ano, recebeu autorização do BACEN para criar uma subsidiária com a finalidade explorar o negócio de loterias em Sergipe.
Esses fatores planejados culminaram na produção e na aprovação da Lotese, que se tornaria a primeira casa de apostas administrada por um banco público estadual (sob fiscalizações operacionais feitas pela Agência reguladora sergipana) e que foi apresentada à população sergipana em maio de 2025. Como já é feito de forma recorrente pelo Governo Estadual, a medida foi tomada sem nenhum debate público sobre os riscos psicológicos e financeiros apresentados pelas apostas para a população e, desnecessariamente, se viabilizou como uma outra forma de arrecadação pública, além dos impostos estaduais como o ICMS, da movimentação econômica e outras.
A plataforma atua nos 75 municípios de Sergipe com mais de 600 tipos de jogos nas modalidades de cota fixa (jogos online), prognóstico numérico (quando o apostador tenta acertar os números que serão sorteados) e instantâneos (conhecidos como “raspadinhas”). Além disso, dentre as destinações sociais, foi definido que haverá a destinação mínima de 5% da arrecadação para o estado e que sobre a receita líquida auferida haverá os seguintes repasses: 35% para Inclusão e Assistência Social, 25% para a Cultura, 25% para o Esporte e 15% para o Meio Ambiente em Sergipe.
Contudo, tornam-se visíveis os dilemas quanto ao funcionamento e à transparência dos recursos da plataforma. Inicialmente, em seu lançamento, era possível utilizar cassinos virtuais e jogar o “jogo do tigrinho”, modalidade que ficou conhecida nacionalmente e foi promovida por diversos influenciadores digitais como uma forma falsa de enriquecimento e lucro rápido. Após poucos dias e diversas contestações em redes sociais, o “tigrinho” foi removido, porém diversas formas de cassino online ainda se fazem presentes na Lotese. Além disso, recentemente o Banese, banco público do Estado de Sergipe, recorreu ao argumento do “sigilo comercial” para esconder — por ao menos 20 anos — os detalhes do contrato celebrado pela instituição com um consórcio de empresas responsável por gerir os serviços da loteria estadual. É inadmissível que uma plataforma criada sob a justificativa de arrecadação e desenvolvimento social esteja ocultando informações que têm participação direta do dinheiro público sergipano.
Todas essas manobras jurídicas têm facilitado e induzido a normalização das “bets” localmente, plataformas que iludem e endividam cada vez mais trabalhadores, destruindo lares e finanças com falsas promessas. Apesar disso, são apresentadas como uma forma de arrecadação, entretenimento e investimento social em Sergipe. A criação de um stand no evento junino “Arraiá do Povo” e a instituição da Copa Lotese de futebol, que envolve apenas times sergipanos, são exemplos da estratégia de difusão regional da plataforma, o que, por sua vez, reverberou indiretamente também na tentativa de criação de uma loteria municipal em Aracaju.
Aprovação e veto de uma loteria municipal
O vereador Isac Silveira (PDT) apresentou, no dia 18 de junho, o Projeto de Lei Complementar nº 6/2025, que propõe a criação do serviço público de loteria de Aracaju, a LOTAJU. A plataforma teria diversas fontes de receita, incluindo a arrecadação das apostas, rendimentos financeiros, doações, auxílios, legados, convênios e até mesmo prêmios não reclamados após 90 dias. Para sua operação, a LOTAJU utilizaria modalidades de ganho imediato, como raspadinhas ou jogos simples de caça-níqueis, além de apostas esportivas.
O Projeto de Lei foi aprovado com 14 votos favoráveis e 7 contrários(. No entanto, a contradição do processo tornou-se evidente nas críticas ao que foi proposto: enquanto os vereadores da extrema-direita Moana Valadares (PL) e Lúcio Flávio (PL) fizeram as críticas mais contundentes sobre o fomento às apostas na capital, observa-se que representações da esquerda, como Camilo Daniel (PT) e Iran Barbosa (PSOL) — este último, apesar de seu papel histórico combativo na política sergipana e de ter sido favorável a uma modificação no projeto — na prática, também votaram a favor da criação da proposta. Por fim, a criação da loteria foi vetada pela prefeita de Aracaju Emília Corrêa(PL) e não saiu do papel.
Ausência de confronto
Recentemente, a deputada estadual Linda Brasil (PSOL) adotou uma importante posição crítica à omissão de dados nos contratos da LOTESE, cobrando total transparência da casa de apostas. Contraditoriamente, os principais quadros da “esquerda” regional não apresentaram críticas contundentes ao processo e nem à criação da plataforma. A ausência de um posicionamento forte sobre uma medida que prejudica a classe trabalhadora, ainda mais em um momento de crescimento exponencial das bets e de suas problemáticas nacionais, deixou o caminho aberto para que a direita se apossasse do discurso de denúncia nos espaços parlamentares.
É intrigante e contraditório que temas tão cruciais e caros, que levam à despolitização, ao endividamento e ao adoecimento da classe trabalhadora, sejam tratados com tanta brandura por aqueles que aparecem como seus representantes. Conforme relatado pelo Mangue Jornalismo, há diversos casos em Aracaju de pessoas que perderam bens, o convívio familiar e até parte de sua saúde mental devido ao vício em apostas. Esses casos locais refletem um problema nacional, onde R$30 bilhões são gastos mensalmente em apostas no país. A maior parte desse valor vem de pessoas que ganham menos de dois salários mínimos e, entre os 20 milhões de apostadores nacionais, quase metade afirma estar endividada.
Vivemos em uma realidade em que 11 milhões de brasileiros apostam de forma desmedida, a ponto de arriscar suas necessidades básicas em busca de lucros que, na maioria das vezes, se tornam prejuízos e dívidas. É preciso entender que o crescimento das grandes empresas de apostas, à custa da renda da classe trabalhadora, é uma problemática que deve ser criticada e combatida por quem tem verdadeiro compromisso com quem sustenta o Brasil e Sergipe. Nessas lacunas deixadas pela dita esquerda institucional ou liberal, a direita e a extrema-direita se impõem — com ou sem demagogia — e conquistam a opinião popular sem nenhum confronto de ideias ou resistência.
A partir dessas conclusões, o dever ideológico também é conscientizar ao povo das mazelas provocadas pela ludopatia e que essa é mais uma das armadilhas do capitalismo para apreensão de valor e reprodução de desigualdade em larga escala. Isso se torna explícito quando o lucro das empresas das bets no brasil chegou a R$ 20 bilhões em 2024 e cresceu de forma exorbitante nos últimos anos, enquanto os apostadores(majoritariamente jovens e de baixa renda) perderam R$ 23 milhões no total. Portanto, a denúncia e o confronto ideológico sobre maneiras mais viscerais de exploração do trabalhador deve ser feita continuamente, e não apenas em momentos críticos ou quando um Estado já esteja administrando uma casa de apostas e essa ação seja vista com normalidade.