UECE nega cotas e evidência exclusão de estudantes pobres das universidades
Mais de 7 mil estudantes da rede pública tiveram sua cota negada — social e racial — pela Comissão Executiva do Vestibular da Universidade Estadual do Ceará (CEV/UECE).

Reitoria da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Reprodução/Foto: UECE.
Por João Lucas Leite
A Universidade Estadual do Ceará (UECE) divulgou, no último dia 22 de outubro, o resultado das solicitações para vagas de cotistas no vestibular de 2026.1. Mais de 7 mil estudantes da rede pública tiveram sua cota negada — social e racial — pela Comissão Executiva do Vestibular da UECE (CEV/UECE).
O acontecimento se deu a partir de uma confusão gerada pelo sistema de inscrição no vestibular e de cotas, onde a UECE exigia a anexação de documentos comprovando a aptidão dos candidatos para as vagas reservadas para cota. Na sessão do site da universidade reservada para o envio dos documentos constava, segundo alegação de estudantes, a orientação de anexar o "Documento de identidade do candidato ou de Membro da Família (frente e verso)" gerou ambiguidade para os candidatos devido a utilização do conectivo “ou”, indicando que bastava somente um dos documentos indicados. Entretanto, a CEV/UECE exigia os dois documentos por parte dos candidatos, fazendo com que o pedido para concorrer a vaga como cotista desses estudantes fosse indeferido.
Esses estudantes de escola pública, então, iriam disputar a vaga na “Ampla Concorrência”, com alunos formados no Farias Brito, Ari de Sá, 7 de setembro e outras escolas privadas cujo a população periférica não é capaz de acessar.
A indignação dos candidatos inscritos para o vestibular resultou em diversas mobilizações em escolas do Ceará. Na E.E.M. Dr. Cesar Cals, os estudantes em conjunto com professores e funcionários da escola, organizaram um protesto denunciando a situação no dia 24 de outubro, ecoando nas ruas as palavras “UECE não me enrola, eu quero a minha cota”. O jornal O Futuro entrevistou uma das participantes da manifestação, a aluna do 3° do Ensino Médio da escola e diretora da União Estudantil de Fortaleza (Unefort), Ivna Holanda. Ela relatou que “é um absurdo que a UECE negue a cota de tanta gente que precisa. Isso só mostra como o sistema não quer que a gente que estuda em escola pública esteja na universidade. [...] Tem que rever isso aí. Se for pensar, pensar mesmo, não precisava nem de cota, era só acabar o vestibular e ter universidade pra todo mundo”.
O vestibular é um processo de seleção para a universidade, que, segundo organizações do movimento estudantil, na prática é uma forma de exclusão da maioria pobre da sociedade que tem o seu direito à educação de qualidade no ensino básico negado pelo Estado, favorecendo estudantes de escolas particulares que pagam para ter acesso a algo que deveria ser direito de todos. Consequentemente, esses alunos possuem maior preparação para as provas. A política de cotas, instituída na lei nº 12.711, de 2012, que estabeleceu a reserva de 50% das vagas em universidades e institutos federais para alunos de escolas públicas no Brasil, surge como uma tentativa de reduzir a desigualdade de acesso ao ensino superior entre estudantes de escola particular e escola pública — sistematicamente precarizada, seguindo a cartilha neoliberal de reduzir o papel do Estado na vida pública.
Conforme dados apresentados pelo Censo de 2022, em um cenário em que mais de 40% das vagas em universidades públicas ficam ociosas no mesmo ano em que o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) teve mais de 3 milhões de inscritos, o vestibular se mostra como um processo “seletivo” irracional para muitos secundaristas e universitários, na prática se comportando como um processo de exclusão da maioria pobre que não atinge as notas de corte mínimas.
Hoje mais de R$7 trilhões são destinados para pagar a dívida pública do Estado brasileiro, ao mesmo tempo em que menos de 3% do orçamento é destinado para toda a educação (menos de R$200 bilhões). A educação pública se vê em uma situação de desinvestimento. As escolas e universidades não têm estrutura para se manter funcionando, com cortes de verbas para materiais didáticos, baixos salários dos professores, terceirização dos serviços, ausência de política de assistência estudantil, etc. A crise que enfrenta hoje a educação no Brasil, resultado do projeto de austeridade fiscal e corte gastos — através de políticas como o Novo Teto de Gastos, o Novo Ensino Médio, a contrarreforma administrativa, entre outras — agrava a disparidade de concorrência entre estudantes da rede pública e da rede particular, produzindo resultados cada vez mais alarmantes onde, mesmo com as cotas aumentando o número de ingresso de estudantes pobres na universidade, eles não têm como se manter estudando.
O erro de comunicação no sistema da CEV/UECE é, na verdade, expressão de uma política estrutural de excluir os estudantes da rede pública da universidade. O indeferimento das cotas para milhares de estudantes de baixa renda, estudantes de escola pública, pretos, pardos e indígenas demonstra como o ingresso no ensino superior é exclusivo e segregado para os filhos dos empresários e políticos.
Os estudantes se mobilizam, como o caso da E.E.M. Dr. Cesar Cals, reivindicando a revisão dos indeferimentos das cotas expondo a situação e apontando que, sobretudo, somente a luta popular pode conquistar melhorias e avanços. No comunicado publicado dia 03 de novembro pela CEV/UECE foi divulgado o resultado definitivo das cotas, após o envio dos recursos dos candidatos e mobilização popular dos estudantes. Nesse contexto, os gritos do movimento estudantil organizado reivindicando o fim do vestibular e a garantia do acesso à universidade pública a todos que quiserem ingressar nela ficam cada vez mais fortes entre estudantes organizados de todo o Brasil.