Campanha salarial das trabalhadoras e trabalhadores dos Correios
A luta por direitos em convergência com a defesa da soberania nacional é fundamental e passa pela defesa dos Correios enquanto projeto de nação.

Mobilização dos trabalhadores dos Correios. Reprodução/Foto: FENTECT.
Em meio às contradições acentuadas do governo federal, que em suas promessas de campanha no pleito de 2022 estava o da revogação da reforma trabalhista, previdenciária e a retirada de diversas estatais do Plano Nacional de Desestatização, o não cumprimento da maioria dessas questões, além do cumprimento apenas em caráter parcial de outras, jogou a classe trabalhadora em meio à uma situação de descrença, tensionamento de interesses e reacendeu uma chama em uma panela de pressão. É nesse cenário em que os trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafos travam uma batalha tanto por uma reposição salarial, reintegração de benefícios e cláusulas sociais retiradas de acordos coletivos passados, quanto pela reestruturação da empresa que vem de um sucateamento sistêmico, que foi acentuado no governo Bolsonaro e se estende durante a gestão Lula.
Segundo a pauta protocolada pela Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (FINDETC), algumas das questões envolvem os seguintes eixos:
Das questões econômica:
● Reajuste salarial: 100% do INPC;
● Aumento real de 5,0% (cinco por cento) a título de produtividade;
● Aumento linear de R$ 300,00;
● Correção retroativa do reajuste salarial do ACT anterior, garantindo que todos os empregados tenham reajuste mínimo de R$ 250,00 no salário base;
● Retomada do interstício entre as referências salariais, de 5,0% (cinco por cento)
● Mínimo de R$ 900,00 para funções motorizadas e todas as demais funções;
Adicional de Mercado de, no mínimo, R$ 300,00 para todos os empregados.
Dos benefícios:
● Vale Alimentação de R$ 70,00 e Vale Cesta de R$ 500,00;
● Retomada da quantidade dos Vales Refeição para 26 e 30 vales;
● Retomada dos 0,5% do compartilhamento máximo do Vale Alimentação/Refeição;
● Retomada do Vale Extra (Peru);
● 70% de Gratificação de Férias para todos os empregados e retroativo a 2020
Retomada do Vale Cultura, reajustado para R$ 100,00 e estendido a todos os empregados;
● Retomada dos 70% das Horas Extras;
● Retomada dos 60% de Adicional Noturno (das 20h às 06h);
● Reajuste do Reembolso Creche/Babá para R$ 1.500,00;
● Férias em dias úteis;
● Vale Combustível para os que não recebem o Vale Transporte;
● PCCS: Adicional de 30% para todas as atividades/empregados;
● Expansão do Auxílio a Dependentes com Necessidades Especiais também para os empregados;
● Adicional de Periculosidade (motociclista) retroativo a novembro/2014;
Anuênio sem limitação dos 35%.
Do plano de saúde:
● Redução da mensalidade, coparticipação e custeio dos empregados no plano de saúde;
● Mensalidade do plano de saúde calculada pelo salário base e não sobre o salário bruto;
● Reintegração imediata dos ex-empregados aposentados, sem carência;
● Reintegração imediata dos dependentes pais/mães, sem carência.
Demais eixos:
● Fim do SD da Morte e implementação da percorrida máxima de 08 km;
● Entrega matutina em 100% das unidades e fim do DDA;
● Concurso Público e fim das terceirizações;
● Mulheres: Cota de 33% para funções de confiança;
● Negros(as): Cota de 33% para funções de confiança;
● Sustentabilidade: Cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU;
● Reabilitação Profissional sem necessidade do(a) empregado(a) estar afastado;
● Fim das perseguições: revisão e arquivamento de processos administrativos;
● Inclusão de todos os abonos no ACT, incluindo abono de aniversário e entrada/saída antecipada;
● Ampliação da redução de jornada e do trabalho remoto.
O exposto acima demonstra não apenas uma pauta realista, mas uma defesa de questões básicas como reposição salarial que rebata as perdas de anos anteriores, retomada de direitos perdidos durante os últimos anos e a garantia de emprego e livre manifestação dos trabalhadores, que foram duramente perseguidos nos anos de governo Bolsonaro, quando não apenas nos Correios, mas em todas as estatais, a perseguição à lideranças de trabalhadores nos locais de trabalho tornaram-se atos de praxe.
Ataques aos trabalhadores e o sucateamento como uma herança negada
Durante o governo Bolsonaro, a gestão da empresa atuou tanto de maneira a atuar firmemente na retirada de benefícios e cláusulas sociais, somando mais de 40 itens subtraídos, que ocasionaram uma precarização absurda nos postos de trabalho do quadro funcional da ECT, além de criar uma fraude fiscal em forma de calote de precatórias, a fim de inflar os números da empresa e ao mesmo tempo criar uma situação de sucateamento da estrutura da empresa. Esse sucateamento só não se transformou em privatização durante os anos em que Bolsonaro e Paulo Guedes estiveram a frente do modelo de governança das estatais devido a luta incisiva de trabalhadores, que mesmo com as mais diversas adversidades, incluindo uma pandemia global, mantiveram a coesão da mobilização coletiva e perseveraram frente ao antagonismo do fascismo neoliberal.
Com a troca de governo, essas questões relativas à estrutura da companhia surgem como uma herança maldita em que o governo Lula, junto ao seu ministro da fazenda, Fernando Haddad, não demonstram vontade e nem capacidade de trabalhar numa forma de reorganização rápida e pujante da empresa, evitando o diálogo com quem de fato conhece cada farelo de concreto das paredes da instituição, daqueles que sabem o nome de cada rua em todas as cidades do país, dos milhares que trabalham para integrar o Brasil de ponta a ponta, os trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafos.
Ao não saber como trabalhar com o rombo de R$ 4,3 bilhões de reais no primeiro semestre de 2025, um prejuízo maior do que todo o ano fiscal de 2024 – que girou na casa dos R$ 2,3 bilhões, o governo federal também atua no achacamento do trabalhador da empresa, que fica com seu acordo coletivo aberto enquanto a direção da empresa suspendeu as negociações em 13 de agosto de 2025 e retomou em 28 do mesmo mês sem critérios minimamente responsáveis, numa tentativa de esvaziar o movimento dos trabalhadores, tratando os empregados da companhia como se fossem os responsáveis pelos calotes do governo anterior e pela má gestão do governo Lula.
Segundo Emerson Marinho, Secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (FENTECT), a diretoria da empresa permanece em grande parte a mesma do governo anterior, demonstrando uma pouca vontade em fazer uma reestruturação de quadro que não passe por arrochos salariais, planos de demissão voluntária e planos de demissão individual, práticas contumazes de redução de quadros, situação em que corta-se custos nos setores produtivos das estatais, para não discutir os quadros de alta gestão, que são utilizados como forma de conciliação por indicações políticas.
Quebra de promessas de campanha e a austeridade fiscal
Segundo a diretoria dos Correios, parte da responsabilidade também seria fruto da dinamicidade e transformações do setor de logística, em que a concorrência com empresas como Mercado Livre e Amazon, que inicialmente atuavam restritamente como operadoras de marketplace, desenvolveram suas cadeias de logística, reduzindo suas dependências com relação aos Correios, que passou a só atender essas companhias para remessas em locais de difícil acesso, locais onde o custo de operação supera o de venda do serviço, deixando o ônus operacional com a empresa que tem como sua função social atender todas as localidades do país.
Se num primeiro momento essa desculpa parece algo plausível, torna-se necessário relembrar que essas empresas de marketplace com sistema próprio de logística possuem trabalhadores terceirizados, numa função “uberizada” de entrega, que acaba criando uma concorrência desleal. Os entregadores não possuem vínculos empregatícios, direitos trabalhistas como FGTS e férias, além de usarem seus veículos próprios para a realização de entregas, tendo como forma de pagamento percentuais dos valores das remessas.
Com essas questões abordadas anteriormente, o sucateamento dos Correios conversa diretamente com as reformas neoliberais que vieram a partir do governo Michel Temer, como a reforma trabalhista que havia tido promessa de revogação na campanha de Lula, no pleito de 2022, o que não se concretizou. Além de não revogar a reforma trabalhista, o governo federal comemorou a aprovação da PLP 12/2024, que criou a aberração jurídica do trabalhador autônomo por aplicativo, outorgando essa prática de precarização dos postos de trabalho e dando força para a concorrência logística dos correios.
Outro fator que vem sendo apontado com um dos responsáveis pelos números negativos dos Correios foi a chamada “taxa das blusinhas”, onde uma alíquota de 20% para compras até U$ 50,00 em compras do exterior, tendo empresas como a Shein, uma empresa chinesa que opera na venda de vestuários e enxovais, tanto com venda própria e direta quanto por meio de marketplace, era um dos principais clientes do sistema de logística dos Correios até então. Só no primeiro mês da aplicação da taxação em cima de importação de pequeno valor, em agosto de 2024, ocorreu uma redução de aproximadamente 40% do volume de importações em comparação ao mês anterior, quando a regra fiscal ainda não estava vigente.
“Solução mercantil” em mudança de escopo
Uma das propostas como solução aos problemas de caixa da estatal, tem sido apontada como a construção de um portal de marketplace da própria empresa, que, inclusive, em abril já havia iniciado o cadastro prévio de vendedores interessados em expor seu comércio na plataforma da empresa, que ainda não saiu do papel. O que poderia ser uma saída para os problemas de caixa da empresa, também são frutos de certa insegurança em um cenário em que uma das pautas dos trabalhadores é justamente o fim das terceirizações dentro da companhia, prática normalizada dentro das possíveis concorrentes conforme apontado anteriormente.
Os trabalhadores na vanguarda de defesa dos direitos e da empresa
Com todo o setor liberal apontando para a privatização como única solução para os problemas enfrentados pela companhia, escondendo por trás desse verniz todo interesse da burguesia nacional e internacional em absorver o gigante mercado de logística dos Correios, os trabalhadores para além de suas pautas econômicas, atuam diretamente na defesa do Correios público.
Em visita recente ao Ministério da Fazenda, representantes dos trabalhadores por meio da FENTECT, entregaram uma carta ao ministro Fernando Haddad não apenas defendendo à pauta de acordo coletivo dos trabalhadores, mas sim a companhia em caráter estatal como setor estratégico na soberania nacional. A carta não expõe apenas as reivindicações legítimas de uma categoria que sofre ataques constantes das alterações das relações comerciais e trabalhistas oriundas do neoliberalismo, mas uma preocupação direta e genuína com um projeto de soberania do país.
Em tempos de intervenção estrangeira escancarada na América Latina, tanto por meios militares, como ocorre na Venezuela, quanto por meio de barreiras tarifárias, como vem ocorrendo no Brasil, a defesa dos Correios, única empresa presente em todas as cidades brasileiras não pode ser fruto de uma retórica esvaziada, mas sim de um projeto de nação onde a defesa de nossas fronteiras, tanto física quanto alfandegária, passe diretamente por uma estratégia de operação logística moderna e eficiente, tendo os correios como ator preponderante. Defender os correios é defender o Brasil e os trabalhadores dos Correios são os verdadeiros heróis nessa luta.