“A Hora Próxima”: romance operário completa 70 anos sem publicações
Escrita pela dirigente comunista Alina Paim, a obra publicada em 1955 pelo PCB, na coleção “Romances do Povo”, está entre o melhor que a literatura brasileira ligada ao realismo socialista pode oferecer, mas nunca teve novas edições.

Capa do livro "A hora próxima", de Alina Paim.
Por Teylor Lourival
A escritora Alina Paim é uma das maiores figuras desconhecidas da literatura brasileira. Nascida em 1919, no interior do Sergipe, mudou-se cedo com a família para a Bahia e aprendeu a ler com a mãe, que morreu quando Alina tinha seis anos. Criada pela tia, que também veio a falecer, Alina fez seus estudos em um orfanato novamente em Sergipe.
Publicando suas primeiras peças escritas em jornais escolares, formou-se professora em 1932 e mudou-se para o Rio de Janeiro. É quando Alina e seu marido, o médico Isaías Paim, conhecem o então Partido Comunista do Brasil (PCB) e passam a integrar suas fileiras. Organizada na célula de escritores do Partido, pelos próximos 16 anos Paim escreve para um programa do Ministério da Educação e Cultura direcionado às crianças, o "No reino da alegria", veiculado na Rádio MEC. Na capital federal, Alina foi impedida de seguir lecionando por não ter seu diploma sergipano reconhecido, sendo forçada a cuidar da casa e passando a escrever o seu romance de estreia.
“A estrada da liberdade”, publicado em 1944, aborda o primeiro emprego de uma jovem professora, recebendo menos que seus pares homens, tendo suas opções limitadas em que a protagonista, para aumentar seu grau de instrução, passa a ter contato com "literatura subversiva". Ainda que não considerasse sua literatura propriamente feminista — classificando-a como ‘realismo social’ —, as mulheres ganham protagonismo especial na escrita da autora, recebendo nuances e personagens complexas, desenhando com maestria suas condições materiais e psicológicas.
Apesar de ter nada menos que nove romances e quatro livros infantis publicados, que abordam profundamente aspectos sociais nas tramas, a sua principal obra é marcadamente um romance operário. Publicado em 1955, o título “A Hora Próxima” expõe o ápice da literatura de Paim. A coleção “Romances do Povo”, da editorial Vitória, em que o romance revolucionário de Alina fora publicado, foi dirigida por seu grande amigo Jorge Amado, que organizou vinte e cinco títulos de mais de quinze países diferentes, todos dentro da estética do realismo socialista. Característica comum desta escola literária, o romance de Alina retrata um fato histórico ocorrido previamente, uma greve na principal estrada de ferro do país, em Minas Gerais, no ano de 1950.

Alina Paim.
Abordando a vida comum dos operários, com todas as maravilhas e mazelas, em suas jornadas de trabalho, com suas famílias e em suas horas de lazer, a escritora traz o protagonismo para o sujeito conjunto e não para o indivíduo, criando uma espécie de “herói coletivo”. A organização política dos personagens é colocada no centro da mediação das relações sociais e pauta o desenrolar da narrativa. Com todas suas contradições, de ferramenta revolucionária a palco para oportunistas, o Partido é uma figura onipresente na relação das pessoas na obra como foi de fato na greve da Rede Mineira.
Por ser uma ficção-histórica ligada ao realismo socialista, a escritora teve o esforço hercúleo de romancear fidedignamente uma greve tão marcante. A este respeito, e com ênfase no protagonismo político feminino empregado pelas mulheres na greve e imprimido por Alina Paim, diz a autora Cíntia Schwantes, da Universidade de Brasília:
“É também significativo que não apenas a ação inicial do romance é levada a cabos pelas personagens mulheres, que formam os piquetes que obrigam os maquinistas a parar as máquinas, mas também esse é o fio condutor do romance: a ação das mulheres na continuidade da greve, sua organização, sua decisão, que torna o movimento possível, sua motivação (elas defendem seus maridos e, principalmente, seus filhos, que passam fome), sua coragem. Por trás da escolha romanesca, há um fato histórico: as mulheres eram encarregadas de encabeçar, ao menos de forma visível, os movimentos grevistas, uma vez que as empresas não poderiam despedi-las (elas não eram empregadas) nem tinham respaldo legal para despedir os maridos em virtude das ações das esposas.”
“A Hora Próxima” retrata também a repressão da polícia, as contradições com os engenheiros e operários que se opunham à greve, os interesses dos patrões e faz uma complexa análise do sistema capitalista como o causador dos males aos quais a greve fez frente. Balizando-se a partir de Lenin — de quem foi uma das tradutoras oficiais no Brasil —, a escritora retrata a imprensa popular, democrática e revolucionária como um sustentáculo do processo grevista, garantindo a cobertura da greve para pressionar a Rede Mineira e conscientizar o conjunto da classe trabalhadora.
A autora levanta também algumas polêmicas como a relação do movimento comunista com o anticlericalismo e a salvaguarda da postura do exército, que têm sido exploradas em alguns trabalhos acadêmicos, ainda que seus livros estejam fora de circulação.
Sua trajetória literária é extensa, com livros traduzidos para o russo, chinês, alemão e búlgaro: A estrada da liberdade (1944), Simão Dias (1949), À sombra do patriarca (1950), Čas blizok [russo] (1957), 时候 就要 到 了 ou Shi hou jiu yao dao le [chinês] (1959), Sol do meio-dia (1961), O sino e a rosa (1964), A chave do mundo (1964), O círculo (1964), Mittagssonne [alemão] (1968), A Correnteza (1979), A sétima vez (1994). E, ainda, quatro livros infantis, nos quais é precursora na forma de tratar personagens infantis como pares, e não subservientes aos adultos: O lenço encantado (1962), A casa da coruja verde (1962), Luzbela vestida de cigana (1963) e Flocos de algodão (1966).
O hiato em sua obra ocorreu por conta da ditadura empresarial-militar no Brasil, que perseguiu-a, mas nunca a prendeu, forçando a dirigente comunista à clandestinidade. Alina Paim seguiu escrevendo para os jornais e revistas do Partido na Bahia, Sergipe e no Rio de Janeiro, sendo registrada também suas passagens por algumas fazendas clandestinas do PCB no interior de São Paulo.
Premiada duas vezes pela Academia Brasileira de Letras, Alina Paim faleceu em 2011 e segue sendo uma titã desconhecida da literatura no país. Seus romances são encontrados a peso de ouro, em edições históricas em sebos ou para consultas e empréstimos nas bibliotecas de algumas grandes cidades. Sua obra mais marcadamente revolucionária, “A Hora Próxima”, completa 70 anos sem nenhuma nova edição. Passa da hora de, não somente as editoras marxistas, mas de todo o mercado editorial brasileiro, resgatar a obra de Alina Paim, ao passo que cabe aos comunistas também a tarefa de não manter sua memória revolucionária viva.