Programa Gás do Povo instrumentaliza política social para fins eleitoreiros
Lula anunciou a criação do programa Gás do Povo, que prevê a distribuição de vouchers de gás de cozinha para brasileiros inscritos no Cadastro Único a partir de 2026.

Reprodução/Foto: Douglas Magno/AFP.
No dia 4 de setembro de 2025, o governo Lula anunciou a criação do programa Gás do Povo, que prevê a distribuição de vouchers de gás de cozinha para brasileiros inscritos no Cadastro Único a partir de 2026. Apesar de ser uma medida que, em tese, representa importante auxílio para famílias em situação de vulnerabilidade, o programa tem sido apontado como iniciativa de forte caráter eleitoral. A crítica se fortalece ao se observar que políticas dessa natureza costumam ser lançadas em momentos estratégicos, servindo não apenas como mecanismo de proteção social, mas também como instrumento de ampliação de capital político do governo.
O contexto se aproxima do debate sobre o uso de emendas parlamentares para controlar o orçamento público, tema discutido por especialistas, segundo Gustavo Sampaio, professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), em que se aponta que a destinação de recursos muitas vezes segue lógicas políticas e de barganha, colocando em risco a transparência e até mesmo a saúde democrática do país. Nesse sentido, programas como o Gás do Povo, embora revestidos de discurso social, podem reforçar práticas clientelistas, funcionando mais como estratégia de consolidação de apoio eleitoral do que como política de Estado duradoura e pautada em critérios técnicos claros., sobretudo em um governo reformista que tem como seu principal caráter a conciliação com os setores a direita no congresso.
A situação atual traz agravantes. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, a distribuição de emendas parlamentares se intensificou. Durante a gestão Bolsonaro, o orçamento público foi praticamente entregue ao Congresso em troca de apoio político, consolidando uma relação de dependência do Executivo. “O governo Lula herdou um modelo viciado, em que o Legislativo controla uma fatia desproporcional do Orçamento, forçando o Executivo a negociar sua governabilidade”, avalia Sampaio. Entre 2019 e 2024, os gastos públicos sem a devida transparência ultrapassaram R$ 180 bilhões, aplicados sem controle adequado, reflexo de uma gestão marcada pela maioria ultradireitista no Congresso. Essa base política, além de flexibilizar regras, facilitou investimentos questionáveis ao longo do período. “Jair Bolsonaro não ficou refém do Congresso. Ele entregou o orçamento público ao Congresso Nacional em troca do apoio necessário para aprovar medidas e evitar ser afastado do poder”, reforça o especialista. Um exemplo emblemático ocorreu em 2022, quando escolas de Alagoas receberam R$ 26 milhões do MEC para investimentos em robótica por emenda do relator do Orçamento, Arthur Lira (PP). O recurso resultou na entrega de 330 kits a instituições que, em sua maioria, não possuíam sequer computadores ou abastecimento de água. Embora o orçamento público seja “dinheiro de todos”, sua má gestão prejudica diretamente a população: “Aquela pessoa em condição de rua, que consegue juntar algum dinheiro para comprar um saco de arroz, está contribuindo com tributos, e o orçamento público vem desse tributo”, explica o professor.
Ademais, propostas de cunho social com caráter puramente eleitoral, embora a curto prazo possam trazer benefícios ao Estado de bem-estar social, a longo prazo tendem a se tornar insustentáveis e vulneráveis a ataques e revogações. Dessa forma, tais medidas tornam-se inviáveis como políticas permanentes, reforçando sua natureza imediatista e voltada apenas à ampliação de capital político circunstancial.
Nesse cenário de distorções orçamentárias, o anúncio do programa Gás do Povo, feito pelo governo Lula, em setembro, surge como política social com forte potencial de instrumentalização política. A iniciativa prevê vouchers de gás para famílias inscritas no Cadastro Único a partir de 2026, mas levanta críticas quanto ao seu caráter eleitoral, uma vez que pode ser usado para fortalecer a popularidade do Executivo em um momento de instabilidade e disputa de poder com o Legislativo. Assim como as emendas parlamentares foram transformadas em moeda de troca para sustentar governos anteriores, programas sociais de grande alcance e visibilidade podem reproduzir a mesma lógica, funcionando menos como políticas de Estado estruturantes e mais como mecanismos de curto prazo para ampliação de capital político.