Guerra tarifária expõe o parasitismo da indústria de transformação brasileira

Segmentos controlados por multinacionais entraram no mercado brasileiro durante o século passado e passaram a exigir uma série de benefícios e proteções à indústria, eliminando a concorrência.

23 de Setembro de 2025 às 15h00

Reprodução/Foto: Carlos Barria/Reuters.

A escalada da guerra tarifária entre Estados Unidos e Brasil, capitaneada pela presidência de Donald Trump segue impondo restrições profundas à maioria das exportações brasileiras, entretanto, tais medidas também vem produzindo impactos profundos nos Estados Unidos. O episódio deixa transparecer como o imperialismo utiliza instrumentos comerciais para impor sua hegemonia, ao mesmo tempo em que transfere os custos de suas crises estruturais para trabalhadores de ambos os países. Assim como as disputas pelo controle dos mercados em benefício das grandes empresas monopolistas foi um dos detonadores da Primeira Guerra Mundial, a agressão estadunidense, principalmente contra países dos BRICS, representa mais uma escalada em direção a um novo conflito de escala planetária.

Nesse sentido, no Brasil as consequências já são visíveis. O agronegócio, setor central da pauta exportadora, sofreu retração acentuada, segundo a organização patronal, Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), as exportações de carne bovina para os EUA, que giravam em torno de 30 mil toneladas mensais antes das tarifas, caíram para apenas 7 mil toneladas em setembro. O segmento de subprodutos como o sebo bovino, praticamente dependente do mercado norte-americano, perdeu quase toda sua competitividade. Produtos tradicionais como suco de laranja, café verde e açúcar também enfrentam barreiras que comprometem bilhões em receitas. Estima-se que as tarifas, que entraram em vigor no dia 6 de agosto, devem atingir por volta de 35,9% das exportações brasileiras para os Estados Unidos, ou 4% do comércio brasileiro com o resto do mundo.

Para o consumidor brasileiro, infelizmente a possível oferta maior de carne bovina no mercado doméstico em razão do tarifaço não significa necessariamente menores preços. A de carne bovina é controlada por enormes conglomerados empresariais de frigoríficos com poder para impor seu próprio preço, empresas como a JBS, Minerva Foods e Marfrig detém força o suficiente para reduzir a oferta interna e impedir uma queda no preço da carne.

Se no agronegócio os efeitos da guerra tarifária são imediatos e visíveis, na indústria de transformação o impacto é ainda mais estratégico, porque toca no coração da dependência estrutural do Brasil. Grandes segmentos industriais são controlados por empresas estrangeiras ou empresas brasileiras com forte participação do investimento estrangeiro, setores como automóveis, siderurgia e metalurgia são os maiores exemplos. A situação do capitalismo dependente brasileiro é típica de um país periférico.

No setor de siderurgia e metalurgia, o Brasil tem forte presença nos EUA com exportações de aço semi-acabado e ferro-níquel. A sobretaxa temporária de 50% reduziu drasticamente a atratividade desse comércio, mesmo após a revogação parcial em setembro sobre a celulose e o ferro-níquel. Isso forçou empresas brasileiras a buscarem alternativas na Ásia e no Oriente Médio, mas sem conseguir compensar integralmente a perda de participação no mercado americano.

Tais segmentos, controlados por multinacionais, entraram no mercado brasileiro durante o processo de industrialização no século passado e, a partir daí, passaram a exigir uma série de benefícios e proteções aos grandes conglomerados industriais, eliminando a concorrência. Por isso, gigantes do setor automobilístico, como a estadunidense Stellantis, se beneficiarão enormemente das tarifas, com menos acesso da concorrência no mercado de automóveis nos Estados Unidos, principalmente contra as novas empresas chinesas de carros elétricos, como a BYD.

Assim, ganham proteção no mercado estadunidense enquanto reforçam sua posição já monopolista no mercado brasileiro, além disso, qualquer custo advindo de maiores preços para produção podem ser facilmente colocados contra o salário dos trabalhadores. Portanto, a vulnerabilidade da indústria de transformação é a expressão mais clara da condição dependente da economia brasileira. Enquanto a burguesia nacional se acomoda na exportação de commodities, abdica de um projeto de industrialização autônoma. O resultado é uma classe trabalhadora duplamente sacrificada: perde empregos de qualidade e fica presa a setores de baixa complexidade, com menor capacidade de gerar desenvolvimento soberano.

Classe trabalhadora estadunidense também sofre pelo tarifaço

Embora o discurso oficial do governo Trump aponte para a “proteção da indústria nacional” e “defesa de empregos americanos”, os resultados concretos das tarifas contra o Brasil mostram o contrário, a classe trabalhadora nos EUA é quem mais sente os efeitos.

Nos Estados Unidos, a guerra tarifária registrou diversos efeitos adversos. O aumento dos custos de importação atingiu setores industriais que dependem de insumos brasileiros, provocando demissões e retração na geração de vagas. Segundo dados oficiais do governo estadunidense, desde abril, a indústria de manufaturas perdeu cerca de 42 mil empregos. Em agosto, a criação de postos de trabalho no país limitou-se a 22 mil, muito abaixo das expectativas, sinalizando estagnação. A juventude certamente é a que sofreu os maiores impactos, em julho de 2025, a taxa de desemprego entre jovens de 16 a 24 anos subiu para 10,8%, contra 9,8% no mesmo período de 2024. Assim como no Brasil, os trabalhadores mais jovens estadunidenses são afetados por uma precarização crescente, marcada por baixos salários e instabilidade.

As tarifas também encarecem produtos para os consumidores norte-americanos. O suco de laranja brasileiro, por exemplo, responde por quase 90% do consumo interno dos EUA; com o encarecimento, os preços no varejo subiram em média 15% nos últimos meses. O mesmo vale para carnes, aço e papel, pressionando a inflação em bens básicos.

Esses fatos recentes confirmam que a guerra tarifária não é apenas um episódio de política comercial, mas expressão da crise estrutural do capitalismo. Ao impor tarifas, o imperialismo estadunidense busca proteger setores internos e pressionar países periféricos, mas gera custos sociais que recaem sobre sua própria classe trabalhadora. No Brasil, os auxílios estatais atenuam a pressão imediata, principalmente para os grandes empresários nacionais, mas não enfrentam a contradição fundamental: a condição de economia dependente, especializada na exportação de commodities.

Os impactos nos EUA confirmam que o imperialismo já não consegue sustentar a promessa de bem-estar nem dentro de suas fronteiras. A burguesia norte-americana, ao usar tarifas para pressionar concorrentes e extrair vantagens geopolíticas, acaba corroendo a base social de sua própria hegemonia. A crise do emprego juvenil e a perda líquida de postos industriais são expressões de um sistema incapaz de oferecer estabilidade às massas trabalhadoras, mesmo no centro do capitalismo mundial.

Assim, a disputa tarifária escancara um cenário no qual tanto os trabalhadores brasileiros quanto os norte-americanos arcam com as consequências de uma política voltada à defesa dos lucros dos patrões. O imperialismo mostra sua face mais nítida: incapaz de oferecer progresso, promove crises e instabilidades. Para além de medidas emergenciais, a verdadeira superação dessa lógica só pode vir da reorganização da economia em favor da classe trabalhadora e de um projeto soberano de desenvolvimento.