Protestos no Togo desafiam regime de meio século
A conjuntura togolesa se torna peça chave para acompanhar os rumos tomados na África Ocidental, região cada vez mais central nas disputas interimperialistas por recursos e influências políticas.

Policiais togoleses em patrulha na capital, Lomé, 6 de junho de 2025. Reprodução: X/Redes Sociais.
Por Guilherme Sá
No último dia 6 de junho, as ruas de Lomé, capital do Togo, foram tomadas pela população numa onda crescente de insatisfação com um regime que já dura mais de meio século. As manifestações ocorrem num momento delicado da conjuntura, togolesa, onde Faure Gnassingbé, presidente do país desde 2005, tomou posse no último mês como presidente do conselho de ministros, cargo criado para driblar o limite de seu mandato.
Com uma provocação calculada, o rapper togolês Aamron, crítico ferrenho do regime e com grande influência nas redes sociais, escolheu justamente o aniversário do presidente Gnassingbé para convocar os protestos. A data reforçaria a ironia do ato, fazendo a população ocupar as ruas para exigir não apenas sua renúncia, mas desafiar e quebrar o clima de medo imposto pelo regime. A prisão de Aamron logo após o chamamento inflamou a conjuntura, levando às mobilizações.
Os protestos e comícios políticos são proibidos no Togo desde 2022, quando o governo reprimiu violentamente manifestantes no grande mercado de Lomé, que reagiam a reforma constitucional que permitiu que Gnassingbé concorresse a um terceiro mandato.
Conquistando a maior parte das cadeiras nas eleições legislativas de 2024, o partido de Gnassingbé, União pela República (UNIR) agiu de diferentes modos para modificar a Carta Magna do país e coibir a reforma do sistema político, há muito em debate, que previa a mudança do regime presidencialista para um regime parlamentarista. Com o cargo da presidência passando a ser honorifico, Gnassingbé e seus aliados manobraram para garantir que o presidente ainda conservasse o poder, criando o cargo de presidente do conselho de ministros, agora o mais alto do executivo.

Líderes da oposição togolesa, Jean-Pierre Fabre (ao centro) e Dodji Apévon (à esquerda), em Lomé, em setembro de 2017. Reprodução: PIUS UTOMI EKPEI.
São nesses termos que tanto o Alliance nationale pour le changement (ANC), como o Dynamique pour la majorite du peuple (DMP), principais partidos de oposição no Togo, declararam o boicote às eleições para o Senado, instituição que passa a existir com a reforma do sistema político. Para além da acusação de interferência nos processos legais num “golpe de estado constitucional”, a principal crítica dos partidos e figuras críticas ao regime é centrada no fato de que as eleições para o cargo executivo não mais existem, sendo a indicação para o cargo de presidente do conselho de ministros feita pela maioria no legislativo.
Com o cerco cada vez mais fechado para a oposição, que há anos lida com medidas como a imigração forçada de eleitores às vésperas das eleições e a prisão de opositores, o movimento de trabalhadores togoleses segue sendo perseguido, possuindo pouca ou nenhuma margem de manobra para atuar em defesa dos direitos básicos para população.
Poder hereditário
A origem do autoritarismo e da extrema restrição aos direitos políticos no Togo, porém, não é recente. Vítima do colonialismo alemão, caracterizado por seu pragmatismo e repressão a qualquer forma de resistência, a então Togolândia foi redividida com o fim da Primeira Guerra Mundial entre Grã Bretanha e França, num mandato sob jurisdição da Liga das Nações e, posteriormente, da ONU. Com a realização de um plebiscito na década de 1950 definindo a anexação da parcela britânica por Gana, recém independente, a parcela francesa passou a ser administrada dentro da política de assimilação deste país.
Para preservar seu status de potência durante a polarização da Guerra Fria, a França negociou a independência de suas colônias africanas sob a estrutura da chamada Françafrique – um sistema de acordos e políticas que mantinha esses países economicamente dependentes e ideologicamente alinhados por meio de uma relação paternalista e neocolonial.
O termo Françafrique designa justamente essa integração forçada, em que Paris continuava a exercer influência sobre as ex-colônias por meio de laços financeiros, militares e diplomáticos, muitas vezes sustentando governos locais aliados em troca de vantagens estratégicas, além de promover o assassinato e perseguição de líderes progressistas.
Com diversas particularidades, o Togo adquiriu sua autonomia a partir do poder econômico e político das elites locais, que reivindicavam a independência justamente nos marcos de um nacionalismo ideologicamente alinhado à Paris e à ala direita do pan-africanismo, facilitando as negociações com a metrópole.

Sylvanus Olympio. Reprodução: Diário da Causa Operária.
Sylvanus Olympio, principal figura do Partido da Unidade Togolesa (CUT na sigla original), foi, assim, eleito como primeiro presidente do país, em abril de 1960. Descendente do afro-brasileiro Francisco Olympio da Silva, traficante de escravos que retornou à África no século XIX, Sylvanus lidaria com a instabilidade regional, que dividia lideranças do norte e do sul, além de ter sua atuação econômica limitada pela concessão das minas de fosfato, principal recurso natural do Togo, às empresas francesas.

Mapa do Togo. A disparidade regional entre o Sul, onde se encontra a capital, Lomé, e o Norte foram, historicamente, ponto de instabilidade no país. Reprodução: Wikimedia Commons.
Em 1963, banindo partidos da oposição e pressionado pela juventude, Sylvanus foi a primeira vítima de golpe de estado no continente, com seu assassinato sendo orquestrado, com apoio do imperialismo francês e britânico, além do governo ganês, pelo exército, à época liderado por Gnassingbé Eyadéma, pai do atual presidente Faure Gnassingbé.
À frente do executivo até sua morte em 2005, Eyadéma governou com mão de ferro, ignorando inúmeras manifestações populares pela abertura política e eleições livres. Eventualmente, com a criação da União Europeia, o Togo foi alvo de sanções e contestações, dribladas pelo governo francês, que continuava a sustentar seus interesses na região a partir da manutenção do regime. Com a transferência do poder à Faure, com as bençãos neocoloniais, o Togo ampliou as restrições a qualquer direito político à classe trabalhadora, que enfrentam, hoje, um dos piores índices de direitos humanos do continente.
Promoção da austeridade
Desde 2017, figuras políticas e movimentos populares vêm intensificando as mobilizações contra o governo Gnassingbé, numa onda de protestos de caráter semelhante ao que atingiu diversos países da África Ocidental ao longo da década, sobretudo Burkina Faso. Reflexo do apoio irrestrito das forças de segurança ao regime no poder, as manifestações são respondidas continuamente com a violência extrema, chegando a própria proibição dos comícios e protestos.
Hoje, a elevada tensão criada com os protestos do dia 6 vem não apenas da manutenção de Gnassingbé no poder, mas de medidas econômicas que sufocam cada vez mais a população. Em recente entrevista ao portal TV5 Monde, o cientista político togolês Mohamed Madi Djabakate apontou o aumento de 12,5% nas taxas dos já precários e insuficientes serviços de fornecimento de eletricidade como um dos principais estopins para a insatisfação popular.
O imediato aumento no custo de vida lembra o fato do Togo apresentar uma taxa de pobreza de 45% e um rendimento real per capita inferior a 900 dólares por ano, fazendo com que o país enfrente uma desigualdade extrema. A situação passa a piorar com o fato de que as secas se tornam cada vez mais frequentes, num país onde a agricultura mantém cerca de 40% da economia, mesmo o setor estando defasado tecnologicamente.
Contudo, mesmo com a restrição de direitos, repressão, censura, ameaças de golpe e índices elevado de pobreza, o Togo segue sendo elogiado pelo Banco Mundial por suas iniciativas de cortes de gastos, projetando um crescimento significativo a partir de pretensos projetos de industrialização. Além disso, em recentes encontros em Fóruns e bilaterais, o governo chinês reafirmou seu compromisso com o governo togolês, discutindo futuros investimentos no país em consonância com sua atuação regional.

A ex-primeira-ministra do Togo, Victoire Sidemeho Tomegah Dogbe, e o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, janeiro de 2024. Reprodução: Xinhua.
Perspectivas Regionais
Preso por duas semanas após incitar as mobilizações populares, o rapper Aamron reapareceu em suas redes pedindo desculpas formais ao presidente Gnassingbé, num ato que a população aponta como clara coação.
O Rapper Aamron, crítico do regime togolês, em pedido de desculpas em sua rede social.
Mundialmente, togoleses em diáspora seguem denunciando o regime nas redes sociais, criando um clima de instabilidade e contestação da subserviência ao ocidente que é reforçado pelo contexto que a região se insere, marcado pelos golpes de estado no Níger, Mali e Burkina Faso e a criação da Aliança dos Estados do Sahel (AES), confederação que visa não apenas a segurança e defesa, mas a integração econômica nos marcos do fim das estruturas da Françafrique.
A ameaça dos grupos jihadistas, que aparentam começar a se aproximar do norte do Togo, em sua fronteira com Burkina Faso, fizeram com que Gnassingbé e o governo togolês iniciassem conversas com a AES, almejando uma possível integração, utilizando a saída ao mar como trunfo nas negociações, uma vez que Costa do Marfim, Benim e Nigéria, países que fazem fronteira com Níger, Mali e Burkina Faso, permanecem ligados ao Ocidente, especialmente à França.
Somada à cada vez mais incisiva presença militar e econômica russa e de capitais turcos, chineses e iranianos na região, além da ameaça cada vez mais eminente de uma possível intervenção francesa, visando retomar sua influência, a conjuntura togolesa se torna peça chave para acompanhar os rumos tomados na África Ocidental, região cada vez mais central nas disputas interimperialistas por recursos e influências políticas.