BOPE invade acampamento sem-terra e mata um camponês em Rondônia

Operação policial em Machadinho d’Oeste (RO), revela como agentes do Estado atuam como milícias privadas e usam a violência para defender os interesses de latifundiários e grileiros; Presidente não se manifestou sobre o caso durante passagem por Porto Velho

3 de Setembro de 2025 às 0h00

Reprodução/Foto: AND Rondônia/Jornal A Nova Democracia.

Por Carolina Mello

Em 8 de agosto, a população de Rondônia amanheceu com a notícia de uma operação do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) realizada no acampamento Valdiro Chagas, em Machadinho d’Oeste, município localizado a 296,7 km de Porto Velho.

A ação foi anunciada pelo comandante-geral da Polícia Militar de Rondônia, o coronel Regis Braguin, em um vídeo publicado no Instagram em colaboração com perfis dos principais sites de notícias do estado.

“Hoje eu quero trazer uma notícia! O presidente Lula estará em Rondônia, mas não é essa notícia que eu quero dar não. O BOPE da PM de Rondônia acaba de neutralizar o grupo armado da conhecida organização criminosa chamada LCP, a Liga dos Camponeses Pobres”, disse o coronel citando Lula, que cumpriu agenda oficial em Porto Velho na tarde daquele dia e não se manifestou sobre o caso.

“Nós tivemos um indivíduo neutralizado que decidiu não ser apresentado à Justiça, resolveu confrontar o BOPE e veio à óbito”, afirmou Braguin, se referindo a um camponês que foi baleado durante a operação policial. “Outros indivíduos fugiram para a mata”, acrescentou.

Em uma tentativa de justificar o assasinato, o comandante disse que a vítima era foragida da justiça, faccionada no Comando Vermelho e que já teria sido presa por sequestro, cárcere privado, roubo e possuía mais de dez anos de condenação. “Esse é o tipo de criminoso que tem sido recrutado por essa tal de LCP”, ressaltou.

“Existem pessoas que usam essa narrativa para dizer que se trata de um movimento de sem terras. Mas que na verdade a Liga dos Camponeses Pobres usa como seu lema ‘morte ao latifundiário’ aqui no estado de Rondônia”, disse o comandante da PM de Rondônia.

Em nota, a Comissão Nacional das Ligas Camponesas e a Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental (LPC) negaram as acusações e enfatizaram que a Polícia Militar implantou as “munições de guerra” anunciadas como prova de armamento pesado para justificar a violência da operação.

O movimento também enfatizou que no acampamento Valdiro Chagas moram dezenas de famílias que lutam pelas terras da fazenda Jatobá há mais de dez anos. Desde 2019, essas famílias vivem e trabalham na terra, o que teria despertado a ira de grandes fazendeiros da região que rotineiramente contratam “guaxebas” (pistoleiros) para atacar o acampamento com o objetivo de expulsar essas famílias, tomar suas posses e aumentar suas propriedades latifundiárias. Entretanto, os camponeses vêm resistindo bravamente a esses seguidos ataques.

Para a LCP, a operação policial de 8 de agosto é vista como mais uma entre a coleção de provas de como a Polícia Militar vem substituindo os guaxebas para aterrorizar as famílias que vivem no acampamento, pois além da abordagem violenta, os agentes do Estado destruíram casas e estruturas de energia por painéis solares, queimaram objetos e veículos, envenenaram poços, destruíram plantações e mataram animais, assim como fazem os pistoleiros contratados pelos grandes latifundiários da região.

Madrugada de terror

Na noite anterior aquela sexta-feira, 8 de agosto, os camponeses do acampamento Valdiro Chagas se prepararam para dormir após um longo dia de trabalho na terra. Durante a madrugada, acordaram surpreendidos por helicópteros sobrevoando o local e disparando tiros contra suas casas.

“Eles entraram atirando. Eles não vieram para fazer expedição igual eles vem. Eles já chegou de madrugada atirando”, disse uma moradora do assentamento Valdiro Chagas, que é mãe de um bebê recém-nascido.

“Teve mãe com criança que correu para a mata, teve gestante que passou mal e entrou em trabalho de parto. Eu tô com um bebezinho aqui que nasceu prematuro. Tive que correr também pra mata porque eles passaram atirando e os tiro acertava nas casa da gente assim tipo bala perdida”, relatou a camponesa em um áudio enviado para a equipe jurídica da Associação Brasileira de Advogados do Povo - Gabriel Pimenta (ABRAPO). Para a entidade, a operação policial cometeu graves violações contra os direitos humanos.

Em nota publicada em seu site oficial, a ABRAPO enfatiza que a Polícia Militar de Rondônia não apresentou motivo ou mandado judicial para justificar a operação, tendo em vista que, de acordo com a Constituição Federal e um entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de 2021, a casa dos moradores constitui abrigo inviolável. “Além disso, a forma como a ação foi realizada configura crime, nos termos do art. 150 do Código Penal”, destaca a organização.

Ainda segunda a nota, a PM de Rondônia estaria dando cobertura e trabalhando em conjunto com pistoleiros da região servindo como uma milícia privada para defender os interesses de fazendeiros locais. Como prova, a entidade apresenta fotos que mostram homens fardados em fileira, uma viatura e uma caminhonete atuando juntos na região.

Para reforçar as afirmações, a entidade destaca que investigações da Polícia Federal já desarticularam milícias privadas em Rondônia, compostas por policiais, que eram pagas por fazendeiros. Como exemplo, a entidade cita uma operação da PF que confirmou que grandes grileiros estariam ordenando assassinatos de sem-terras, com a participação de policiais civis e militares.

No que se refere à tentativa de classificar a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) como “grupo criminoso”, a ABRAPO defende que é uma acusação absurda e desprovida de qualquer fundamento, além de um pretexto para justificar a política de extermínio contra todos que não aceitam ser explorados por latifundiários e grileiros.

“Não existem elementos para enquadrar um movimento de luta pela terra como facção criminosa. A autoproteção dos trabalhadores é legítima e legal, e sua classificação como organização criminosa apenas comprova que o Estado de Rondônia trata como inimigos prioritários os camponeses e trabalhadores da terra”, argumenta.

Reprodução/Foto: AND Rondônia/Jornal A Nova Democracia.

30 anos da Heróica Resistência de Santa Elina

Na manhã do dia seguinte, 9 de agosto, no município de Corumbiara (RO), localizado a 731,4 km de Porto Velho, aconteceu a Manifestação pelos 30 anos da Heróica Resistência de Santa Elina, que celebrou a memória da resistência dos camponeses assassinados em um triste episódio da história da luta pela terra em Rondônia conhecido como “Massacre de Corumbiara”, um dos conflitos agrários mais violentos do Brasil.

Em 9 de agosto de 1995, a Polícia Militar e pistoleiros invadiram um assentamento de trabalhadores sem-terra na Fazenda Santa Elina, em Corumbiara, culminando no assassinato de 12 pessoas, entre elas uma criança de apenas 7 anos.

O caso levou Rondônia e o Brasil a responderem por violações do direito à vida e dos direitos humanos na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), e se tornou um símbolo de resistência para aqueles que lutam pela terra. Para esses, o massacre de Corumbiara é conhecido como a “Heroica Resistência de Santa Elina”.

A concentração do ato aconteceu na Igreja Matriz, localizada no centro do município, e seguiu pela principal avenida comercial da cidade. Durante o trajeto, foram entoadas palavras de ordem como “Viva a Liga dos Camponeses Pobres!” e “Honra e glória eternas aos heróis e heroínas da resistência armada de Corumbiara”.

Além de camponeses, a manifestação contou com a participação de indígenas, estudantes, professores e apoiadores da causa que vieram de localidades diferentes.

O camponês assassinado na operação BOPE no assentamento Valdiro Chagas também foi homenageado. Sua morte foi denunciada pelos manifestantes como um ato terrorista do Estado, reforçando que o “sangue será uma semente” para a luta.