Lobby das Autoescolas: o tiro saiu pela culatra?

Mais uma vez os centros de formação utilizam de falso debate para demonstrar sua indignação com a proposta do Ministério dos Transportes que visa a revogação de resoluções que tratam do processo de formação de condutores, encontrando-se em estágio de consulta pública.

8 de Novembro de 2025 às 21h00

Por Ferdinando Holanda Baptista

O lobby institucionalizado não é novidade nos meandros de Brasília. Quando se fala em defesa de interesses privados, o Congresso Nacional é expert nesse mister. A Federação Nacional das Autoescolas – FENEAUTO é uma das entidades privadas que atuam em defesa dos seus interesses e dos seus associados. No estado do Ceará, há o Sindicato dos Centros de Formação de Condutores – SINDCFC, que faz o mesmo papel da FENEAUTO, mas em âmbito estadual.

Pois bem, no ano de 2020, no auge da pandemia de COVID-19, para que não houvesse “prejuízo ao aprendizado dos alunos” as diversas instituições usaram suas influências junto a congressistas e seus representantes no Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN (órgão máximo normativo de trânsito responsável pela elaboração e aprovação das resoluções e deliberações normativas), para a elaboração da Resolução nº 783/2020 que permite a utilização da educação à distância síncrona, a qual deveria perdurar somente durante o período de crise sanitária.

Contudo, como se é de esperar, a sanha capitalista fala mais alto, os custos de manutenção com a sala de aula diminuíram, o lucro dos empresários aumentou, mas o custo para os usuários continuou o mesmo. Não satisfeitos com o ganho durante o período mais trágico de nossa história, as instituições citadas, atuaram para a elaboração da Resolução nº 928/2022 que institui o ensino à distância por parte de instituições privadas e públicas.

Ora, caro leitor, as organizações que atuam em prol dos interesses das autoescolas agiram diretamente pelo ensino à distância. Em nenhum momento houve a preocupação por parte dessas instituições quanto à aprendizagem e o valor que seria pago por parte dos usuários. Ano após ano, os examinadores do Detran/CE, estes indignos e defenestrados pela opinião pública, sentem a queda na qualidade do ensino aos futuros condutores. Muitos podem opinar sobre o momento de tensão, nervosismo que paira sobre o candidato no momento do exame prático, mas o que é visto, são conceitos básicos que o candidato parece não ter aprendido ou entendido quando no período do curso teórico. Se o examinador fosse seguir à risca os requisitos de avaliação previstos no art. 19 da Resolução nº 789/2020, a taxa de reprovação seria altíssima, a quem isso interessaria? Aos Departamentos Estaduais de Trânsito? Aos examinadores? Ou aos centros de formação, que cobram taxas altíssimas para o reteste dos candidatos?

No último dia 23/10/2025, houve uma grande movimentação por parte das autoescolas, os gritos de ordem eram: “O estado não investe na educação para o trânsito e quer que os centros de formação resolvam o problema”; “Serão milhares de pais de família desempregados”; ou “Irão falir os centros de formação”. Mais uma vez os centros de formação utilizam de falso debate para demonstrar sua indignação com a proposta do Ministério dos Transportes que visa a revogação de resoluções que tratam do processo de formação de condutores, encontrando-se em estágio de consulta pública. O mais engraçado é que em nenhum momento as empresas se preocuparam em preparar o futuro condutor para conduzir o veículo de forma cidadã, pelo contrário, as aulas são apenas uma formalidade exigida, o que se dá na realidade, são apenas dicas e bizus para passar na prova teórica e prática.

Além disso, é muito comum o candidato reclamar da demora entre o período da última aula prática para o dia do exame, podendo ficar 60 dias sem praticar a condução de um veículo automotor. Há também a demora para o início das aulas práticas após o fim do ciclo teórico. Até hoje não vi nenhuma autoescola realizar paralisação ou protesto visando à celeridade na prestação dos exames teóricos e práticos, pelo contrário, se locupletam com o fracasso dos alunos. Enquanto o DETRAN cobra um valor de R$72,36 para o reteste do exame prático, há autoescolas cobrando entre R$250,00 a R$350,00; com a justificativa de ser referente aos custos administrativos. Não vemos nenhuma reclamação por parte das instituições interessadas, certo?

Quanto à proposta do Ministério dos Transportes, as categorias que seriam afetadas seriam apenas as iniciais ACC, A e B, para aqueles candidatos à primeira habilitação. As autoescolas ainda estariam à frente dos processos das categorias C, D e E, os candidatos a essas categorias ainda necessitariam buscar os centros de formação. Quando afirmamos que existe um falso debate, não é apenas retórica rasa, mas uma constatação, tendo em vista que a proposta de resolução que está sendo debatida, ainda garante uma grande fatia de mercado aos centros de formação.

Para os candidatos às categorias iniciais, irá haver uma flexibilização da aprendizagem, quem quiser fazer o exame teórico pela plataforma disponibilizada pela Secretaria Nacional de Trânsito – SENATRAN, nos moldes atualmente já estão regulamentados. Ademais, os instrutores poderão oferecer seus serviços de forma particular, negociando diretamente com os candidatos, desde que devidamente cadastrados e cumprindo os termos do art. 76 da proposta e cumprindo os requisitos definidos na Lei nº 12.302/2010. Essa flexibilização visa a diminuir os custos para os candidatos à primeira habilitação, sem a intermediação, por vezes, perniciosa, das autoescolas. Além da descentralização da prestação de serviços, haverá a disponibilidade de serviços por profissionais credenciados diretamente pelos órgãos de trânsito. Então, essa história de demissões em massa, desemprego e falência dos centros de formação, são apenas artifícios retóricos, buscam criar um alarde em meio à população.

Por fim, para não dizer que não falei das flores, há pontos da resolução que são bastante controversos, a exemplo do art. 41, que trata da pontuação para aprovação dos candidatos. Há uma enorme discrepância na pontuação aplicada por infrações cometidas e o que está previsto no Código de Trânsito Brasileiro, o que permitiria o cometimento de três infrações gravíssimas ou quatro infrações graves para que houvesse a eliminação do candidato, ou seja, seria possível que o candidato ultrapassasse o semáforo com o sinal vermelho, transitasse sobre a calçada e conduzisse o veículo pela contramão para ser eliminado, por exemplo. Há claramente um desvirtuamento no caráter avaliativo, cremos que deveria haver uma reavaliação dos quesitos da Resolução nº 789/2020 e as devidas retificações e adequações ao CTB, não uma leniência com o candidato faltoso, dando a oportunidade de alguém despreparado obter o direito de dirigir um veículo automotor, colocando em risco a segurança viária.

É necessário, caro leitor, que haja um debate franco, transparente, buscando o melhor interesse da coletividade, não o interesse de poucos que já se alimentam de um sistema com tantos problemas. Educação para o trânsito, engenharia viária e fiscalização são o tripé para a construção de um trânsito seguro. É necessária a participação de toda a sociedade, contribuindo com a sua opinião na consulta pública que objetiva a elaboração da resolução do novo processo de formação de condutores.