A violência policial atua contra a redução das taxas de homicídio no Brasil
Relatórios apresentaram diminuição das taxas de homicídio, mas é duas vezes mais fácil ser assassinado apenas por ser jovem. Na contramão, somente no estado de São Paulo, as mortes de jovens decorrentes da intervenção policial aumentaram 120%.

Reprodução/Foto: Rosilene Miliotti/OBSERVATORIODEFAVELAS.
De acordo com o Atlas da Violência, em 2023, o Brasil registrou a menor taxa de homicídios desde 2013. O país teve uma taxa de 21,2 registros de homicídios a cada 100 mil habitantes em 2023, uma queda de 2,3% quando comparado ao ano anterior. De forma abrangente, entre 2013 e 2023 houve uma queda a nível nacional na taxa de homicídios de 20,3%. Entretanto, apesar de uma queda nacional significativa, as díspares realidades que se apresentam através das violências específicas – étnicas, de gênero, raciais, etárias e econômicas – nos demonstram que essa redução é um tanto quanto sinuosa.
Por exemplo, os dados do Atlas da Violência de 2023 explicitaram que quando o assunto é violência contra mulheres, os dados continuam praticamente os mesmos, quando comparados com 2019, com praticamente nenhuma diminuição.
Um agravante para a taxa de homicídio é a idade das vítimas. Em 2023, os homicídios de jovens entre 15 e 29 anos ceifaram a vida de um total de 21,8 mil jovens. Os dados dizem que nesse mesmo ano, o total de homicídios foi de 45,7 mil. Isso significa que jovens nesta faixa de idade possuem duas vezes mais chances de serem vítimas de um homicídio.
O dado é ainda mais preocupante quando se compara o número de homicídios com o número total de mortes (violentas e não-violentas) da juventude nesta faixa etária: a cada 100 mortes de jovens entre 15 e 29 anos, 34 delas se deram através de homicídio. Os homens foram vítimas de 93,5% dos registros.
Se ser jovem é um intenso agravante para as mortes violentas, de acordo com os dados, ser negro é possivelmente ainda pior. O estudo do Atlas da Violência é realizado pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e cruza os dados de violência com dados de características da população, principalmente para indicar como elas interferem na taxa de homicídios no Brasil. A partir disso, é possível afirmar que em 2023, pessoas negras tiveram 2,7 vezes mais chances de serem assassinadas do que pessoas não-negras.
De acordo com o Brasil de Fato, os pesquisadores concluem que “as discrepâncias observadas nas taxas e no risco relativo de vitimização letal evidenciam que a população negra permanece submetida a um cenário de violência desproporcional”.
Além disso, apesar da diminuição da taxa de homicídio a nível nacional, há grandes disparidades dos números quando se comparam as diversas regiões e estados brasileiros. Os dados indicam que as Unidades Federativas (UF’s) com menores taxas de homicídio a cada 100 mil habitantes se encontram no sul do país, ao lado de SP, DF e MG. Podemos observar, por exemplo, uma taxa de 62 homicídios para cada 100 mil habitantes para o Rio Grande do Sul. O abismo regional se explicita quando se compara, por exemplo, ao Amapá, que apresentou uma taxa de 273,6 a cada 100 mil habitantes para a mesma faixa etária; ou com a Bahia, que apresentou uma taxa de 220,6.
A mira da polícia militar sobre a juventude brasileira
Em números absolutos, entre 2022 e 2023, foram vítimas de mortes violentas intencionais 46.328 brasileiros, de acordo com dados coletados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Dentre elas, 13,8% foram mortes violentas intencionais ocorridas em função da intervenção policial.
Ao se atentar aos dados sobre mortes violentas intencionais causadas a crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos, teremos o número de 2.229 jovens no ano de 2023 – uma leve queda quando comparada ao ano anterior, que teve 2.489 vidas de crianças e adolescentes ceifadas através de mortes violentas e intencionais. Desse total de mortes do ano de 2023, 346 foram decorrentes de intervenção policial.
Mais uma vez, os dados de diminuição das taxas de homicídio se confrontam com algumas crescidas nas taxas regionais e estaduais, como é o caso da juventude do estado de São Paulo sob o governo Tarcísio de Freitas. Os dados compilados pelo Brasil de Fato indicam um crescimento de 120% de mortes de crianças e adolescentes causadas em decorrência da intervenção policial no estado de São Paulo entre 2022 e 2024.
Os dados retirados são do relatório As câmeras corporais na Polícia Militar do Estado de São Paulo (2ª edição): mudanças na política e impacto nas mortes de adolescentes e indicam, inclusive, que para as crianças e adolescentes negros do estado, a incidência de intervenções militares violentas é 3,7 vezes maior que para as crianças e adolescentes brancos.
Há um destaque importante a ser feito quanto a essas informações estatísticas. Na primeira edição do relatório (2023), houve uma diminuição de 66,3% das mortes de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos quando comparada com 2019. O portal Brasil de Fato aponta que, de acordo com as organizações, “o posterior crescimento de mortos nessa faixa etária está relacionado a mudanças nos protocolos de uso das câmeras corporais e em outros mecanismos de controle de uso da força".
Este mesmo estudo aponta que o não uso de câmeras corporais têm contribuído pelo aumento da letalidade policial e inclusive para a maior exposição dos próprios agentes de segurança à situações de risco.
Entretanto, é importante salientar que o aumento da letalidade policial ocorreu tanto em batalhões que não aderiram a utilização dos dispositivos, como nos batalhões que fizeram o uso deles. Na verdade, de acordo com os dados, os batalhões que aderiram às câmeras, inclusive, tiveram o maior aumento em porcentagem quando comparado com os que não aderiram. Isso indica que a utilização dessa tecnologia, se não estiver associada a outros mecanismos de controle, não surtirá efeito na diminuição da letalidade policial.
“As recentes mudanças nas políticas de controle de uso de força resultaram no crescimento da letalidade policial tanto nos batalhões que utilizam as câmeras como nos demais, na evidência de que a tecnologia é importante, mas precisa estar associada a outros mecanismos de controle”, afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Enquanto as taxas de homicídio diminuem, a letalidade policial segue subindo
A diminuição das taxas nacionais de homicídio da juventude brasileira não implicam na conclusão de que o país deixou de ser violento, muito menos que essa violência não possui valores e características específicas. Na verdade, ao notar um crescimento da violência e da letalidade policial, conclui-se que as políticas de controle da atuação militar – nesse caso, a falta delas – têm seguido na contramão da diminuição das taxas de homicídio do país.
De acordo com a Agência Brasil, das vítimas de mortes violentas que possuíam entre 0 e 19 anos, 34% delas foram vítimas da intervenção policial em serviço, em 2024. Esses mesmos parâmetros apresentaram em 2022 um percentual de 24%. Esse aumento, dentre outros motivos, se explica devido a atuação do governador Tarcísio de Freitas.
“O governador Tarcísio de Freitas desdenhou de denúncias de violência policial feitas por entidades de direitos humanos para a ONU, dizendo ‘pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que não tô nem aí’. Essas declarações acabam configurando uma verdadeira ‘licença’ para abusos e violência policial”. Afirma o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em segurança pública e direitos humanos e presidente de honra do Grupo Tortura Nunca Mais São Paulo.
O Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil constata um claro crescimento da parcela da morte de jovens causada por intervenção militar. Enquanto que em 2021 as intervenções respondiam a 14% das mortes, em 2022 esse número subiu para 17,1% e 18,6% em 2023.
Apesar de o estado de São Paulo ter sido exemplo de aumento das taxas de letalidade da polícia militar sobre a juventude, ele não está nem entre os estados que estão acima da taxa nacional de morte violenta de jovens de até 19 anos ocasionadas pela ação policial (1,7 por 100 mil habitantes). Os maiores índices estão com Amapá (10,9), Bahia (7,4), Sergipe (3,7), Rio de Janeiro (3,1), Mato Grosso (2,9), Pará (2,5), Rio Grande do Norte (2,3) e Espírito Santo (1,9).
Em síntese, o relatório deixa claro que, para que seja feito uma política eficaz de uma diminuição da taxa de homicídio da juventude brasileira, é necessário, primeiro, que não haja a omissão do fato de que a intervenção e ação militar têm, não apenas causado a morte da juventude – principalmente negra, periférica e masculina – como têm aumentado suas taxas e seus índices em vários estados.
A partir disso, em segundo lugar, para que se cessem os homicídios cometidos contra os filhos da classe trabalhadora, necessariamente, é preciso considerar o controle do uso da força das polícias, que de forma desmedida, tem sido uma das homicidas da juventude brasileira.