Como combater o reacionarismo burguês e o liberalismo pós-modernista no mês do orgulho LGBTI+

O fortalecimento do moralismo conservador só pode ser compreendido, no atual contexto de degradação das condições materiais de vida da maioria trabalhadora da população, como uma forma de dividir e nublar a consciência de classe.

28 de Junho de 2025 às 15h00

Ato em defesa da juventude trans e travesti em Fortaleza, no dia 25 de abril. Foto: Jornal O Futuro.

No Brasil e no mundo, diversos ataques aos direitos da população LGBTI+ têm avançado: a recente resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) restringindo o acesso à hormonização terapêutica, o combate pelo governo de Donald Trump à população trans e a decisão, pela Suprema Corte britânica, definindo a mulher a partir do “sexo biológico” são alguns dos exemplos do aprofundamento da onda anti-LGBTI+, sobretudo nos ataques específicos à população trans. Nesse quadro, é necessário que os comunistas combatam o fortalecimento da extrema direita fascista no mundo ao mesmo tempo em que enfrentam o liberalismo pós-modernista, que abraça as questões LGBTI+ sem um compromisso consequente com os dramas econômicos dessa mesma população e com a classe trabalhadora.

O fortalecimento do moralismo conservador só pode ser compreendido, no atual contexto de degradação das condições materiais de vida da maioria trabalhadora da população, como uma forma de dividir e nublar a consciência de classe. Por meio da demagogia reacionária e do chauvinismo sexista, a extrema-direita busca, entre outras coisas, desviar o foco dos problemas comuns e cotidianos dos trabalhadores para uma suposta “degradação moral da sociedade”, responsabilizando as minorias oprimidas (no caso, a população trans) pelos problemas causados à maioria oprimida (o proletariado) por uma minoria opressora (a burguesia).

Mas não se trata apenas de uma “cortina de fumaça”: reafirmando os papéis sociais de gênero sob uma perspectiva patriarcal, a direita cumpre um papel funcional para a reprodução econômica do capital, preservando o ambiente doméstico familiar como um âmbito de realização de trabalho não pago. A tática não é nova: já na época de Marx e Engels, os fundadores do socialismo científico tiveram que combater duramente as perspectivas machistas que se infiltraram em meio ao sindicalismo, culpabilizando a presença das mulheres no mercado de trabalho pelo rebaixamento dos salários masculinos. Com isso, o movimento sindical era colocado a reboque dos interesses da burguesia, justificando e naturalizando os baixos salários femininos e condenando as mulheres a uma eternidade de trabalhos não remunerados em suas próprias casas.

É imprescindível uma ação política que, simultaneamente, escancare as reais causas da deterioração da qualidade de vida da classe trabalhadora e aponte para respostas verdadeiramente radicais - ou seja, que vão à raiz dos problemas. Só assim se pode forjar uma unidade na luta entre as camadas oprimidas do povo e o proletariado, remodelando a sociedade em direção à emancipação humana em relação a toda forma de opressão e exploração.

É fundamental que o movimento dos trabalhadores se aproprie do que o movimento LGBTI+ já produziu de mais avançado teoricamente até aqui e pensar o que a política revolucionária tem a contribuir para a organização do movimento LGBTI+ em sentido mais amplo. Somente desse jeito é possível superar a falsa dicotomia entre o identitarismo e uma perspectiva classista. Essa falsa dicotomia só se sustenta a partir de visões unilaterais, que não analisam a totalidade das contradições sociais em seu desenvolvimento.

Nesse processo, é preciso disputar os rumos adotados pelo movimento LGBTI+ em sua conformação hegemônica, inclusive no sentido de depuração dos elementos reacionários que, como parte constitutiva da ideologia dominante, são passíveis de assimilação por todos os setores da classe trabalhadora, mesmo entre os grupos oprimidos. A criminalização da homofobia e transfobia, por exemplo, celebrada como uma forma de garantia de alguma dignidade a pessoas LGBTI+, acaba evidenciando, de muitas formas, os limites do movimento: ao mesmo tempo em que essa criminalização coexiste com os ataques ao direito a atendimento especializado para a juventude trans e inúmeros projetos de lei anti-trans pelo país, ela se inscreve em um contexto de crescente criminalização dos mais pobres. É preciso questionar as reais consequências dessa medida num país de encarceramento em massa da população negra e periférica. E, com efeito, a permanência dos índices alarmantes da violência contra a população LGBTI+ evidenciam os limites de medidas desse tipo.

Ao comparar, por exemplo, os dados do Grupo Gay da Bahia sobre homicídios e suicídio de pessoas LGBTI+, se constata que não houve diminuição de casos. Além de não diminuir, há, no lugar, um aumento em comparação aos dados do ano seguinte à criminalização da homofobia/transfobia (2020), e do ano de 2024. Esse aumento é de mais de 22% (de 237 casos para 291 casos).

Um movimento semelhante de falseamento de realidade, típico da ideologia dominante, também está na base da compreensão liberal sobre a questão LGBTI+, considerando as relações sociais e categorias relativas de dada formação social como dados objetivos e imutáveis. A defesa acrítica e abstrata da tolerância e da diversidade, de um direito individual em geral toma, em última análise, a existência de pessoas LGBTI+ como algo dado, que tão somente precisa ser acolhido e respeitado. Não se questiona, com isso, o processo de formação social dos papéis e identidades de gênero.

Com isso, sai de cena a historicidade das identidades LGBTI+ e, por conseguinte, se naturaliza o próprio regime cis-heterossexual. Esse regime é apresentando somente como mais uma identidade que aconteceu de ser hegemônica, de ser a norma, sem fornecer explicações históricas materiais sobre as causas disso ou, no máximo, se limitando a hipóteses culturalistas que enfatizam o papel da religião em parte desses processos (como se o próprio fato dessa religiosidade se conformar de tal ou qual maneira em tal ou qual realidade social não precisasse, por si só, de explicação).

Pessoas LGBTI+ (e não menos importante, cisheteros) passam a existir enquanto tal a partir da emancipação do trabalho produtivo da família nuclear e da correlata degradação relativa do papel desta família como instituição, a partir da generalização do trabalho assalariado, criando as condições históricas para se poder falar em uma sexualidade para além da reprodução humana, como uma identidade e uma orientação. A partir daí podemos compreender melhor as bases materiais desta forma de opressão, que busca assegurar que a família (que depende desses papéis de gênero e sexualidade), mesmo que degradada por não ser mais o espaço do trabalho produtivo (a produção de alimentos, vestimentas e etc.), siga sendo frequentemente o espaço de realização do trabalho reprodutivo (de garantir condições mínimas de vida, alimentação e higiene para seus integrantes; do cuidado das crianças e idosos e etc) não pago.

Sendo consequente com esse entendimento, a política comunista revolucionária deve, entre outras coisas, pautar desde já a socialização do trabalho reprodutivo em âmbito geral e particular: a luta por moradia (questão particularmente sensível para LGBTI+ trabalhadoras suscetíveis de serem expulsas de casa, inviabilizando com isso o acesso à saúde, educação ou trabalho), por aparatos coletivos de cuidado das crianças, da alimentação, saúde e assim por diante. É preciso que a reprodução da vida cotidiana dependa cada vez menos de cada família individualmente considerada, sendo cada vez mais uma responsabilidade coletiva da sociedade.

Além disso, o movimento dos trabalhadores deve assumir em suas mãos todo um conjunto de batalhas em nível imediato conforme as especificidades das LGBTI+ trabalhadoras, como a resistência frente aos ataques à juventude trans, a luta por estatísticas oficiais sobre este setor da classe para a formulação de políticas, as cotas trans, a garantia de moradia como pré-requisito para demais direitos básicos e entre outras. A capacidade de conjugar e identificar as conexões dessas pautas com demais tarefas e lutas táticas e estratégicas gerais da classe trabalhadora em sua totalidade é parte indispensável do processo de elaboração de uma política comunista no combate às opressões e à exploração.

Como parte dessa política, faz-se necessária uma agitação contra a redução de símbolos e datas históricas do movimento à condição de mera mercadoria. É preciso denunciar a hipocrisia das grandes empresas, que lucram com a opressão da população LGBTI+ ao mesmo tempo em que se vendem como “simpatizantes” da causa, buscando cooptar as simpatias dessa população. Essas empresas não têm o menor compromisso com o combate à homotransfobia: basta ver o exemplo da Meta e da Google, monopólios da tecnologia da informação que, após muitos anos de demagogia fizeram, sem a menor hesitação, um giro completo em suas relações públicas, aderindo à agenda reacionária do governo Trump.

Esse exemplo ajuda a demonstrar que o reacionarismo burguês e o liberalismo burguês são, apesar das aparências, duas faces da mesma moeda. Seu único compromisso real é com a manutenção da exploração capitalista e o combate às ideias socialistas, seja pela via da repressão ou pela via da cooptação. Sua demagogia moral, seja ela conservadora ou progressista, apenas busca desviar a atenção dos trabalhadores para longe dos seus problemas materiais - que, a despeito da diversidade das condições de existência dos trabalhadores, são, no geral, muito semelhantes: problemas de sobrecarga de trabalho, de desemprego, de condições de moradia etc. Por isso os comunistas chamam a atenção para esses interesses comuns do proletariado, ao mesmo tempo em que lutam para despertar em meio ao movimento operário a consciência da necessidade de converter esse movimento na vanguarda da luta social não apenas contra a exploração de classe, mas contra toda forma de opressão.

A consciência da classe operária não pode ser uma verdadeira consciência política se os operários não estiverem habituados a reagir contra todos os casos de arbitrariedade e opressão, de violências e abusos de toda a espécie, quaisquer que sejam os grupos sociais afetados; e a reagir, além disso, do ponto de vista comunista e não de qualquer outro. A consciência das massas operárias não pode ser uma verdadeira consciência de classe se os operários não aprenderem, com base em fatos e acontecimentos políticos concretos e atuais, a observar cada uma das outras classes sociais em todas as manifestações da sua vida intelectual, moral e política; se não aprenderem a aplicar na prática a análise materialista e a apreciação materialista de todos os aspectos da atividade e da vida de todas as classes, camadas e grupos da população.

Aqueles que buscam dirigir a atenção, o espírito de observação e a consciência da classe operária exclusivamente para si própria, considerada como uma entidade abstrata (sem gênero, sem raça, sem orientação sexual etc.) não é um comunista, porque o conhecimento de si própria por parte da classe operária está inseparavelmente ligado a uma clara compreensão não só dos conceitos teóricos... ou melhor: não tanto dos conceitos teóricos, como das ideias elaboradas com base na experiência da vida política sobre as relações entre todas as classes e camadas da sociedade atual. Nesse sentido, as denúncias políticas que abarcam todos os aspectos da vida são uma condição indispensável e fundamental para educar a atividade revolucionária das massas - e nisso se inclui, em posição destacada, a luta contra o reacionarismo em matéria de gênero e sexualidade.