Projeto que equipara aborto a homicídio é colocado em regime de urgência na Câmara
A pressa em aprovar o PL 1904/24 sem a devida discussão pública e registro nominal dos votantes é um ataque direto aos direitos humanos das mulheres, pessoas com útero e crianças. [...] Em 2023, mais de 5 mil meninas até 14 anos, vítimas de estupro, engravidaram.

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A recente aprovação do regime de urgência do Projeto de Lei (PL) 1904/24, que equipara o aborto de gestações acima de 22 semanas ao homicídio, representa um gravíssimo retrocesso nos direitos das mulheres, das pessoas que gestam e das crianças no Brasil. Este projeto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros, foi votado pela Câmara dos Deputados para entrar em regime de urgência, sem a devida discussão e transparência necessárias para um tema tão sensível e crucial.
O PL 1904/24 propõe alterações drásticas no Código Penal, com o objetivo de criminalizar o aborto inclusive em casos de estupro. Atualmente, o artigo 128 do Código Penal permite o aborto em casos de risco de vida para a gestante, gravidez resultante de estupro, e feto anencéfalo. No entanto, o projeto quer retirar essas garantias quando houver "viabilidade fetal", presumida em gestações acima de 22 semanas.
Além de aumentar as penas para as mulheres e pessoas que gestam que realizarem abortos, o projeto permitirá que o juiz mitigue a pena ou até mesmo deixe de aplicá-la, caso as consequências do ato já sejam suficientemente graves para a gestante. No entanto, essa suposta flexibilização não mascara a brutalidade da proposta, que criminaliza e revitimiza mulheres e pessoas com útero que já sofreram violências extremas.
A pressa em aprovar o PL 1904/24 sem a devida discussão pública e registro nominal dos votantes é um ataque direto aos direitos humanos das mulheres, pessoas com útero e crianças. De acordo com a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que votou contra a urgência, 60% das vítimas de violência sexual têm menos de 14 anos. Em 2023, mais de 5 mil meninas até 14 anos, vítimas de estupro, engravidaram. Estas crianças, por lei, deveriam ter acesso ao aborto legal, mas enfrentam inúmeras barreiras no sistema de saúde.
No Brasil, são poucos os hospitais que realizam o procedimento de aborto legal, concentrados majoritariamente na região Sudeste e nas capitais, dificultando ainda mais o acesso para meninas do interior e outras regiões. O Nordeste, por exemplo, lidera o número de gestações de crianças, representando 38% dos partos.
Estima-se que 822 mil casos de estupro ocorrem anualmente no Brasil, uma média de um a cada dois minutos, número subestimado devido à baixa taxa de denúncia. Das denúncias recebidas pelo Disque 100, quase 80% são de crianças e adolescentes. Esses números revelam a gravidade da situação e a necessidade urgente de proteção e apoio às vítimas.
O PL 1904/24 faz parte de uma série de ações da bancada conservadora para retirar direitos arduamente conquistados pelas mulheres trabalhadoras no Brasil. Recentemente, foram instituídas leis como a "Semana de Conscientização Contra o Aborto" e o "Dia Municipal da Valorização da Vida do Nascituro", que promovem uma agenda pró-vida em detrimento dos direitos reprodutivos das mulheres e pessoas que gestam.
A tentativa de criminalizar o aborto é uma ameaça direta à vida e à dignidade das mulheres e pessoas com útero, especialmente das mais pobres e vulneráveis. É urgente que a classe trabalhadora brasileira se mobilize contra este retrocesso, reafirmando seu compromisso com a luta por um aborto legal, seguro, livre e gratuito.