Recursos públicos às feiras do agro aumentaram em 300%
Segundo denúncia feita pelo TCE-AC, as edições da EXPOACRE em Rio Branco e Cruzeiro do Sul aumentaram significativamente em relação ao ano passado, órgão expõe a preocupação desses investimentos em momento de crise ambiental e surto de sarampo.

Reprodução/Foto: Folha do Acre.
A 50ª edição da Expoacre em Rio Branco, o maior evento agropecuário do estado do Acre, foi encerrada no dia 3 de agosto. Marcada por shows de grandes nomes do sertanejo universitário e financiamento com recursos públicos, a feira foi alvo de controvérsias, incluindo denúncias feitas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-AC) em relação aos recursos destinados ao evento.
Dias antes do encerramento, em 25 de julho, o TCE-AC protocolou uma medida cautelar determinando a suspensão de novos repasses da Secretaria de Estado de Agricultura (Seagri) à Federação NBHA do Acre, entidade responsável pela organização da Expoacre Rio Branco 2025. A decisão, baseada em indícios de falta de comprovação da finalidade pública dos recursos, trouxe à tona questionamentos sobre a transparência na aplicação do dinheiro público.
A decisão foi assinada pela conselheira relatora Naluh Gouveia e tem como base indícios de que os recursos públicos transferidos não tiveram sua finalidade pública devidamente comprovada.
O TCE-AC já havia recomendado anteriormente que a Seagri não realizasse novos pagamentos à federação sem a devida apresentação de documentos que justificassem a legalidade e legitimidade dos gastos. No entanto, mesmo com a orientação, foi realizado um repasse de R$ 1,5 milhão - fato que motivou a adoção da medida cautelar.
Em nota, o Tribunal de Contas do Estado do Acre (TCE-AC) expressou preocupação diante do aumento expressivo dos recursos públicos destinados à realização da Expoacre Juruá do dia 01 ao dia 06 de julho e da Expoacre Rio Branco do dia 26 de julho a 03 de agosto, que cresceram mais de 300% em comparação ao ano anterior.
A transferência de recursos acontece em um contexto marcado pelo agravamento das desigualdades sociais, altos índices de violência, precariedade em áreas essenciais como a educação e o recente decreto de emergência sanitária em razão da emergência do sarampo, além dos efeitos provocados pela crise climática que são visíveis no Estado, como a seca histórica dos principais rios que banham a região do Juruá.
O tribunal também destacou a falta de transparência e a ausência de acesso público às informações sobre as contratações relacionadas aos eventos, o que acentua as preocupações quanto à gestão adequada dos recursos públicos.
Além disso, Shows com grandes nomes como Gustavo Lima e Zezé de Camargo, só com a edição realizada em Rio Branco, foi gasto 31 milhões em shows.
A Expoacre em Rio Branco, que em 2025 completa 50 edições, é muito mais do que uma feira agropecuária. O evento consolidou-se como uma vitrine do agronegócio no estado, mas também como instrumento de propaganda política e ideológica. Com forte apelo midiático e apoio institucional, feiras como essa promovem a expansão de um modelo econômico que articula cultura, consumo e poder.
Shows de sertanejo universitário e música gospel (worship), cavalgadas com exibição de animais e veículos, vestimentas padronizadas e um discurso de exaltação do “campo” compõem o cenário cuidadosamente construído por estratégias de marketing. Esse pacote cultural, muitas vezes importado de outras regiões, contribui para uma homogeneização simbólica que mascara as desigualdades do setor do agro. A imagem de harmonia entre grandes e pequenos produtores, do agronegócio e da agricultura familiar reforça uma falsa ideia de inclusão e esconde as contradições de um modelo que contribui diretamente para o agravamento da crise climática.
No Acre, estado que carrega em sua história a luta dos seringueiros e uma economia marcada pela atividade extrativista da borracha, agora ver a ascensão do discurso do agro e é forjado para a população uma nova identidade cultural que tem materialidade na economia, a do “desenvolvimento” com a soja e o boi. Enquanto é propagandeado que a borracha e a plantação da mandioca significam permanecer na miséria.
Desde o fim dos anos 1990, o Acre vive uma guinada em suas políticas de desenvolvimento. Com a Frente Popular no governo, liderada pelo PT, surgiram propostas de "florestania", voltadas à um tipo de preservação ambiental capitalista e ao extrativismo de frutos da floresta e madeira chamado de “sustentável”. No entanto, essas políticas acabaram beneficiando grandes empresas, enquanto os extrativistas foram deixados à margem.
A legalização da exploração madeireira como “manejo florestal” e o crescimento da pecuária transformaram a economia local. A borracha perdeu espaço, e comunidades tradicionais passaram a depender da criação de gado para sobreviver. Aos poucos, a floresta cedeu lugar à produção extensiva e ao desmatamento.
A partir de 2018, com a eleição de Gladson Cameli (PP), o discurso “verde” deu lugar à defesa aberta dos interesses ruralistas. Cameli, ligado a uma família envolvida em desmatamentos ilegais, prometeu livrar produtores de multas ambientais e acelerou o avanço do agronegócio. Enquanto isso, comunidades locais, desiludidas com promessas anteriores, viram no novo governo uma chance de mudança.
O resultado tem sido o aprofundamento da destruição ambiental e o aumento da produção de soja. O Acre, antes símbolo de luta extrativista na década de 80, vive hoje sob uma política que privilegia o lucro e fragiliza ainda mais a floresta e seu povo.
A pesquisadora Ana Manuela de Jesus Chã em seu trabalho intitulado “AGRONEGÓCIO E INDÚSTRIA CULTURAL: estratégias das empresas para a construção da hegemonia” destaca que a força do agro no Brasil não se dá apenas pela produção em si, mas pela capacidade de moldar o pensamento social. Segundo ela, essa hegemonia atua sobre os modos de vida, valores e identidades, consolidando um projeto político que se impõe nas instituições e na cultura. No Brasil, isso se expressa pela presença de uma bancada ruralista atuante e por meios de comunicação, locais e nacionais, que ajudam a difundir essa visão.
Diante da emergência climática e da crescente destruição ambiental, é urgente colocar esse modelo produtivo em debate. Somente com a defesa da agricultura familiar, do sistema agroflorestal e da soberania alimentar, da Nacionalização das Terras e da construção das condições para o socialismo é que se pode pensar em um futuro para a humanidade.