O Partido Democrata não quer, mas terá um social-democrata na disputa por Nova York

Com um discurso anti-imperialista e foco no custo de vida, Mamdani mobiliza a classe trabalhadora enquanto enfrenta a hostilidade aberta de republicanos e da velha guarda democrata.

27 de Junho de 2025 às 18h00

Reprodução/Foto: David ‘Dee’ Delgado/Reuters.

Por R.C. (correspondente internacional nos EUA)

O símbolo do partido democrata estadunidense é o jumento. Historicamente, adotou-se o animal em resposta a ataques republicanos, supostamente representando a teimosia combativa do presidente Andrew Jackson. Hoje, porém, o símbolo parece mais adequado à realidade do partido: um animal incapaz de avançar, atolado na inércia e, mesmo não sendo verdadeira a platitude, idiótico. A institucionalidade democrata não apenas falha em conter o avanço fascista de Donald Trump como, não raro, flerta com ele.

Figuras mefistofélicas da ala direita do partido, como o governador da Califórnia, Gavin Newsom, fazem acenos reacionários em podcasts ao lado de figuras como Steve Bannon, o mesmo ideólogo do projeto autoritário de Trump. Enquanto isso, a base trabalhadora, abandonada pelo partido, oscila entre a apatia e o desespero, alimentando tanto a abstenção quanto o crescimento do MAGA.

No entanto, a vitória do socialista democrático Zohran Mamdani nas primárias democratas em Nova York acendeu um raro entusiasmo na esquerda popular estadunidense. Com um discurso anti-imperialista e foco no custo de vida, Mamdani mobiliza a classe trabalhadora enquanto enfrenta a hostilidade aberta de republicanos e da velha guarda democrata. Entre suas principais propostas estão:

  • Moradia como direito universal: Despejo zero e construção de habitação social pública, com taxação de imóveis vazios pertencentes a grandes proprietários.
  • Saúde e transporte gratuitos: Expansão do sistema público de saúde e passe livre no transporte coletivo, financiado por impostos progressivos sobre os ricos.
  • Anti-imperialismo aberto: Corte de fundos municipais a Israel e pressão pela prisão de Benjamin Netanyahu por crimes de guerra, além de solidariedade ativa a movimentos palestinos.
  • Justiça econômica radical: Tributação de grandes fortunas, salário mínimo de US$30/hora para entregadores por aplicativo e expropriação de imóveis de grandes especuladores.

Pela primeira vez em décadas, um projeto explicitamente anti-sistêmico vence dentro do Partido Democrata, ainda que apenas nas primárias. O cenário é significativo: Nova York não é uma cidade qualquer, mas o centro financeiro e midiático dos EUA, cujas disputas políticas frequentemente ditam a agenda nacional. A eleição geral será em novembro, mas a campanha de Mamdani já rompeu o tabu do que é "aceitável" no debate político estadunidense.

As limitações do DSA (Democratic Socialists of America) são evidentes — sua estratégia eleitoral ainda opera dentro do campo reformista. Não há que se iludir com a socialdemocracia. No entanto, vitórias como a de Mamdani devem ser usadas como ferramenta de agitação, demonstrando que é possível desafiar o establishment.

Atento ao perigo que uma candidatura verdadeiramente popular representa, a institucionalidade do Partido Democrata já mobiliza seu arsenal habitual de ataques racistas e apelos a “ameaça comunista” contra Mamdani - tática bem ensaiada após anos sufocando qualquer projeto minimamente progressista dentro do partido. Os mesmos democratas que se vendem como bastiões do "anti-racismo" não hesitarão em atiçar a islamofobia contra o candidato, explorando sua herança muçulmana e posições anti-imperialistas. Sua oposição frontal ao regime sionista de Israel, em particular, servirá como combustível para uma campanha de difamação bipartidária, onde democratas e republicanos - tão rápidos a se digladiar em farsas parlamentares - encontrarão rara unidade no ataque a um inimigo comum: a ameaça de um socialista eleito.

O resultado desta campanha difamatória será paradoxal: ao unirem-se para atacar Mamdani, democratas e republicanos escancararão o que sempre negaram - que seu conflito político é encenação. Esta união reacionária deve servir como prova definitiva da impossibilidade de reformar o Partido Democrata, reforçando a necessidade de construir uma alternativa política independente do duopólio capitalista.

É crucial entender que Zohran não é um revolucionário, mas o mesmo impulso que derrotou Cuomo — o governador reacionário forçado a renunciar após escândalos — pode se tornar o fermento para um movimento radical que desestabilize a institucionalidade burguesa nos EUA. Sua vitória expõe uma tendência de rejeição à democracia liberal num momento em que o capitalismo estadunidense, pela força de suas próprias contradições, sofre imensa pressão interna.

O grande desafio dos comunistas será canalizar esse crescente sentimento anti-sistêmico — hoje majoritariamente capturado pelo fascismo de Trump — para um projeto verdadeiramente classista e revolucionário. A alternativa é clara: ou se avança como força revolucionária, iliberal e radical ou o fascismo consolidará seu domínio sobre o descontentamento popular.