Carabineros matam dois torcedores do Colo-Colo em intervenção policial
Apesar do assassinato ocorrido nas proximidades do estádio e da comoção generalizada entre os torcedores, a Conmebol optou por ignorar o episódio e deu início à partida como planejado.

Torcedores do Colo-Colo invadem o campo do estádio Monumental em protesto contra a polícia pela morte de dois adolescentes. Reprodução/Foto: Brasil de Fato.
Por Guilherme Sá
Na quarta-feira (10), a partida entre Fortaleza e Colo-Colo, válida pela edição atual da Conmebol Libertadores, foi interrompida pela invasão de adeptos do clube chileno ao campo de jogo, após dois menores de idade serem assassinados pela Polícia Militar do Chile, os Carabineros, nos arredores do Estádio Monumental, em Santiago.
Martina, de 18 anos e Mylan, de 14, estariam, segundo apurações, presos junto a uma cerca em meio a uma grande aglomeração de pessoas que, pouco tempo antes, teriam supostamente tentado invadir o estádio. Foi então que um veículo da polícia atropelou ambos enquanto lançava gás lacrimogêneo sobre a multidão.
Apesar do assassinato ocorrido nas proximidades do estádio e da comoção generalizada entre os torcedores — que, mais tarde, tomaram conhecimento do fato —, a Conmebol optou por ignorar o episódio e deu início à partida como planejado. Diante dos recentes casos de racismo e da violência policial reiterada contra os torcedores, a postura da entidade segue apática, em claro contraste com as punições rigorosas aplicadas a infrações como o uso de sinalizadores ou o descumprimento de protocolos relacionados a mosaicos e bandeiras.
Essa discrepância no tratamento de questões graves — que envolvem mesmo a integridade física dos presentes — reforça críticas sobre a seletividade da entidade, que parece priorizar o cumprimento de normas burocráticas em detrimento da segurança e da festa daquele que é um esporte essencialmente popular.
Enquanto a mídia hegemônica brasileira descreve como “cenas lamentáveis” a invasão do campo e trata com normalidade as punições eventualmente recebidas pelo Colo-Colo, a minimização do episódio ignora o enfático posicionamento da torcida colo colina contra a violência policial extremada, herança da ditadura militar vivida no país.
Por décadas, o Colo-Colo carregou uma contradição em sua história: enquanto sua torcida se consolidava como uma das mais passionais do Chile, o clube mantinha, em seus registros oficiais, o título de presidente honorário à Augusto Pinochet – uma homenagem ilegítima, imposta durante os anos de ditadura. Essa incongruência não era mero acaso, mas reflexo da instrumentalização do futebol e do clube pelo regime, que buscava associar-se ao poder simbólico do esporte mais popular do país. O título, longe de representar qualquer consenso, era uma ferida aberta para setores da torcida que já então rejeitavam o legado autoritário.

Mural pintado pelo coletivo “Campeones de Estampa” em 2013, fazendo referência ao papel de coesão social desempenhado pelo Colo-Colo durante os anos de aguda crise política no Chile. Reprodução: Redes Sociais
A virada só viria anos mais tarde, quando o movimento "Fuera Pinochet" conseguiu, em 2015, riscar de vez o nome do ditador da memória institucional do clube. Esse processo, parte de uma revisão histórica mais ampla na sociedade chilena, transformou o caso Colo-Colo em símbolo de como o futebol pode ser ressignificado: de ferramenta de propaganda autoritária a espaço de reparação democrática.
É nesse sentido que, em 2019, em meio aos intensos protestos contra o governo de Sebastián Piñera (1949-2024), até então principal figura do espectro neoliberal no país e representante do legado de Pinochet, o setor Antifascista da La Garra Blanca, torcida organizada do Colo-Colo, atuou como grande articuladora das mobilizações.
O firme posicionamento contra os admiradores da ditadura (los cuicos) e das políticas colocadas em prática pelas forças de segurança, revelam um longo enfrentamento contra a repressão generalizada, que tem nos estádios um de seus principais vetores.
Assim como ocorre em terras brasileiras, o afastamento dos torcedores dos estádios e a elitização do futebol vem colocando em xeque o engajamento das torcidas e sua própria paixão pelo esporte, indo de encontro aos pilares do neoliberalismo e a sede do lucro.
As mobilizações recentes e a ascensão do presidente social-liberal Gabriel Boric, nesse cenário, não foram, ao fim e ao cabo, capazes de efetuar mudanças significativas no processo de espoliação da classe trabalhadora chilena.
Em nota, La Garra Blanca denunciou, em decorrência da morte dos dois torcedores, a atuação assassina do Estado, relembrando que esta não é a primeira vez que torcedores são assassinados e declarando vingança (venganza) aos Carabineros.

Postagem realizada pela La Garra Blanca. Reprodução: Redes Sociais
Utilizando a palavra de ordem “2 vidas valem mais que 3 pontos”, os Antifascistas de la Garra Blanca apontaram para a gravidade do ocorrido, dada as justificativas dos Carabineros de que a ação buscava repreender a invasão ao estádio.
Em comunicado, a torcida indaga: “[...] como um jovem pode pagar o ingresso mais barato, que custa 15 mil pesos, se um único ingresso significa 20% do orçamento básico de sobrevivência de seus país?. [...] Tudo isso nada mais faz do que esclarecer” prosseguem “que o problema não é o ingresso, o problema é a CLASSE. Porque as ações criminosas e repressivas da polícia não são as mesmas de outros eventos de massa, como o Lollapalooza, onde também há aglomerações, onde os veículos blindados não atropelam as pessoas.”
Em entrevista, a irmã de Martina afirmou que a torcedora estava “com ingresso na mão”, junto de dois amigos, apontando ainda que a viatura responsável pelo atropelamento foi embora do local sem prestar socorro.
No dia seguinte (11), o Ministro da Segurança chileno, Luis Cordero, anunciou o indiciamento de um policial pelo assassinato dos dois adolescentes e que a Seção de Investigação de Acidentes de Trânsito da Polícia (SIAT) segue realizando a perícia no local.
Em nota, a CBF lamentou a morte dos torcedores, mas realizou um pedido para que o Fortaleza saísse, segundo o regulamento, com a vitória de 3x0 sobre o Colo-Colo, ignorando a gravidade do ocorrido e buscando vantagem para o clube brasileiro.