Universidade de Brasília concede título de Doutora Honoris Causa para militante e intelectual negra Lélia Gonzalez
O título, concedido por distinção pelo saber ou atuação em prol da causa social e do melhor entendimento entre os povos, foi recebido por sua neta, Melina de Lima. Além do título, o Centro de Convivência Negra (CCN) da UnB foi renomeado para Centro de Convivência Negra Lélia Gonzalez.

Reprodução/Foto: MST.
Por Anthony Kenneth
A Universidade de Brasília (UnB) concedeu, em uma cerimônia marcada por reconhecimento histórico, o título de Doutora Honoris Causa póstuma à intelectual, militante e referência do pensamento negro e feminista no Brasil, Lélia Gonzalez. A outorga ocorreu no auditório da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB) em 6 de novembro de 2025. O título, concedido por distinção pelo saber ou atuação em prol da causa social e do melhor entendimento entre os povos, foi recebido por sua neta, Melina de Lima. Além do título, o Centro de Convivência Negra (CCN) da UnB foi renomeado para Centro de Convivência Negra Lélia Gonzalez.
O pensamento de Lélia Gonzalez
A concessão do título de Doutora Honoris Causa a Lélia Gonzalez, que faleceu em 1994 aos 59 anos, é um marco para a história da academia brasileira. A UnB faz da intelectual a segunda mulher negra a receber essa honraria na instituição, sendo a primeira a filósofa Sueli Carneiro, em 2022. Lélia Gonzalez é celebrada por ter rompido as fronteiras entre a academia e a militância, utilizando o conhecimento como um instrumento de libertação coletiva.
O legado de Lélia Gonzalez é indispensável para a compreensão científica da formação social e do capitalismo dependente brasileiro, sendo reconhecida como uma intérprete do Brasil. Lélia baseou seu pensamento em eixos estruturais que articulam o marxismo, a teoria social e a psicanálise. Ela desenvolveu uma perspectiva interseccional que relaciona de forma indissociável raça, classe e gênero na sociedade brasileira, bem antes da ebulição desses termos no campo acadêmico.
Em suas análises, Gonzalez demonstrou como o capitalismo brasileiro, enquanto capitalismo dependente patriarcal-racista, se estrutura através da manutenção do mito da democracia racial e da tripla discriminação sofrida pela mulher negra (raça, classe e sexo). Ela aplicou conceitos marxistas, como a superpopulação relativa e a massa marginal, para evidenciar que as questões relativas ao subemprego e baixa participação no mercado de trabalho recaem justamente à população negra, em especial às mulheres negras. Lélia argumenta que a formação do capitalismo no Brasil é marcada pelo prolongamento da pilhagem colonial e pela coexistência do regime escravista e do trabalho assalariado. O racismo é funcional para o sistema, estabelecendo uma divisão racial do trabalho, e se manifesta como "racismo por denegação", um sintoma da neurose cultural brasileira que nega o passado escravocrata e hierárquico da sociedade.
O pensamento de Lélia Gonzalez oferece lições cruciais para a luta revolucionária do proletariado no Brasil. Lélia criticou a esquerda brasileira por ser "excessivamente eurocentrada" e por absorver a tese da democracia racial, reduzindo a questão racial a meras contradições de classe. O PCBR, em sua Estratégia Socialista, luta contra toda manifestação do reacionarismo burguês, incluindo o racismo e o machismo. É crucial que os comunistas no Brasil rejeitem o economicismo reducionista que reproduzindo uma injustiça racial paralela, torna-se cúmplice do racismo disfarçado. Lélia nos lembra que a luta pela libertação do povo negro começou muito antes de um ato de formalidade legal e continua até hoje, sendo a revolução socialista o único caminho para a superação do capitalismo dependente e das opressões que o estruturam.