Expansão, às pressas e sem verba definida, da UFRGS para a Serra Gaúcha preocupa a comunidade acadêmica
Fica evidente que a maneira acelerada que o processo está sendo tocado é uma tentativa de esconder as relações conflituosas de interesse entre, por um lado, promessas eleitorais e a burguesia regional, por outro.

Campus 8 da Universidade de Caxias do Sul. Reprodução/Foto: Gilmar Gomes/Guia de Caxias do Sul.
Por Raul Orcy e Julius Neto
Neste último ano foi apresentado à comunidade de estudantes, servidores, técnicos-administrativos e professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um projeto de expansão da universidade na região da Serra Gaúcha, que se propõe à instalação de um novo campus da instituição em Caxias do Sul. Esta proposta foi apresentada pela atual reitoria, nas figuras da reitora Márcia Barbosa e do vice-reitor Pedro Costa, apoiadas pelos setores governistas, como o PCdoB, PT e o Resistência/Afronte, e acabou sendo aprovada pelo Conselho Universitário (CONSUN) no dia 31 de outubro, após muita pressão política por parte destes setores citados para que houvesse a aprovação.
Este projeto que tem respaldo devido sua inserção no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) retoma uma necessidade histórica pela ampliação da educação superior pública com qualidade nessa região do estado, fundamental para a universalização do ensino e da produção de conhecimento. Entretanto, em uma análise pormenorizada, fica evidente que a maneira acelerada que o processo está sendo tocado é uma tentativa de esconder as relações conflituosas de interesse entre, por um lado, promessas eleitorais e a burguesia regional, por outro.
Não é de hoje que o discurso brando dos que ocupam cargos de relativa importância nos rumos da educação brasileira é insuficiente frente aos problemas estruturais que afetam nossas universidades, como é o caso dos campi já existentes da UFRGS, que presenciam a precariedade de seus espaços como consequência direta da tendência dos cortes de gastos no orçamento da educação.
A UFRGS teve, em 2014, através do REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) a oportunidade de inaugurar o seu primeiro campus fora da cidade sede. O Campus Litoral Norte (CLN), na cidade de Tramandaí-RS, vem através da perspectiva de expansão universitária acelerada, que resulta em uma defasagem estrutural, falta de recursos financeiros e descaso histórico na participação política pedagógica nas decisões da instituição, com o desafio de receber estudantes de toda região do Litoral Norte Gaúcho. Quando se aborda a extensão universitária, não se pode deixar de lado a experiência e a posição do CLN como este primeiro “filho abandonado” que resiste devido à união e luta das diversas categorias acadêmicas. Até hoje, onze anos após a fundação, o Movimento Estudantil da UFRGS Litoral Norte reivindica moradia estudantil e alojamento, transporte intercampi e municipal, e investimento na consolidação do espaço físico do campus – condição mínima para permanência e produção de conhecimento de qualidade. É neste cenário negativo que se discute na UFRGS avançar na expansão universitária, sem privilegiar a consolidação e a qualidade daquilo que já está em atividade de forma precária.
Como foi abordado pelo PCBR em sua nota política sobre o tema, outro importante contexto histórico a ser apresentado é o da discussão sobre a universidade pública em Caxias do Sul, local que conta com o IFsul e a UERGS como opções públicas que oferecem 1560 vagas anualmente, e, em contrapartida, apenas levando em consideração as quatro maiores privadas (Universidade de Caxias do Sul (UCS), Faculdade da Serra Gaúcha, Centro Universitário Uni Ftc, e Faculdade Fátima), oferecem 6920 vagas por ano, evidenciando uma disparidade na oferta de educação superior na região. A necessidade e a reivindicação por mais opções públicas já acontecem desde os anos 60 em Caxias do sul, principalmente na UCS, o movimento Estudantil da universidade diversas vezes realizou mobilizações pela federalização da universidade, pauta que foi abandonada pelo MEC em um claro acordo de conciliação com a burguesia local que influencia diretamente no funcionamento da UCS.
Dentro do debate público, a Seção do ANDES-Sindicato Nacional (ANDES-SN) na UFRGS denunciou que a instalação de um novo campus na Serra Gaúcha deve ser entendida para além de um projeto feito às pressas sem se limitar a um mero papel estratégico regional. Entendendo que é uma necessidade inegociável a expansão acadêmica digna e com qualidade, a posição do ANDES/UFRGS acerta em reconhecer que para o processo atender as demandas da população da região é preciso desenvolver um diálogo com a comunidade local e os movimentos sociais, fortalecendo a integração efetiva dos trabalhadores no espaço de ensino federal. Outro posicionamento relevante para compreender a criação de um novo campus da UFRGS é a nota técnica escrita e divulgada pela direção da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE), na qual, por sua vez, entende que o projeto como é expresso publicamente pela Reitoria apresenta diversos riscos tanto no custeio e estruturação do equipamento, e na manutenção do espaço físico com grande possibilidades de superar o orçamento previsto quanto na frágil definição do currículo pedagógico, que fracassam em detalhar as atividades específicas que precisam ser desenvolvidas para a implementação do campus na Serra Gaúcha.
A Reitoria neste processo atua como mão do governo federal, apresentando a proposta e colocando como inevitável a expansão, mesmo que o custo para isto seja a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão, da participação popular, e até mesmo o diálogo da comunidade acadêmica. Diante disso, o atual Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFRGS se compromete com aquilo que se propõe a fazer desde o início de sua gestão, equivalente a uma Pró-Reitoria Discente da Reitoria, completamente aparelhada pelo Governo Federal, fazendo aliança para defender este processo. O atual DCE (UJS, JPT, Levante Popular e Afronte) é marcado por uma indisposição de analisar de forma metódica e radical os problemas da universidade, com uma perspectiva de ruptura com o capital, se limitando a lutas imediatistas e pragmáticas, com uma compreensão rasa de que a expansão universitária a qualquer custo de algum modo expande o acesso do povo ao ensino superior (como se não fosse fundamental a existência de condições mínimas de permanência para que isto seja possível), que seguem a agenda neoliberal, no caso do Campus Serra, servindo o interesse da burguesia regional, desde a escolha dos cursos até os primeiros diálogos para a realização.
Durante o debate no CONSUN foi observado por alguns representantes do Conselho, e membros da comunidade acadêmica, preocupações acerca da infraestrutura como: a ausência de um espaço para o Restaurante Universitário, Casa do Estudante e Centros Acadêmicos, e também fora indagado o orçamento para a abertura do campus, e quais serão as viabilidades e/ou consequências para o funcionamento dos outros campus, pautas essas que estão diretamente ligadas a qualidade dos serviços oferecidos pela universidade. Ao fim do Conselho, os apontamentos permaneceram sem respostas satisfatórias, limitando-se à posições demagógicas por parte da bancada responsável, as quais sustentam que a expansão com qualidade será garantida após sua implementação, conforme a possibilidade dos recursos liberados pelo governo federal. Assim, é nítido que a atuação da Reitoria é vacilante frente a qualidade do ensino superior público e a inserção e permanência dos trabalhadores.