Endividamento das famílias cresce e sufoca a classe trabalhadora
Juros altos e crédito seletivo agravam a crise e crédito consignado do FGTS não é solução. A população está gastando uma fatia cada vez maior de sua renda para pagar dívidas, enquanto os bancos e o sistema financeiro seguem lucrando com juros abusivos.

Reprodução/Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
O endividamento das famílias brasileiras está longe de ser um problema resolvido. Embora o percentual de endividados tenha caído, atingindo 76,1% em janeiro, a realidade por trás dos números conta uma história diferente. A população está gastando uma fatia cada vez maior de sua renda para pagar dívidas, enquanto os bancos e o sistema financeiro seguem lucrando com juros abusivos. Para a classe trabalhadora, especialmente os mais pobres, que já enfrentam dificuldades para acessar crédito, o aperto é ainda maior.
Os dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostram que 20,8% das famílias agora gastam mais da metade do que ganham para pagar dívidas, o maior índice desde maio de 2024. Ao mesmo tempo, os juros elevados e a seletividade do crédito impedem muitas famílias de renegociar suas dívidas, criando um ciclo vicioso onde a pobreza se aprofunda e os grandes bancos seguem ditando as regras.
Se a situação financeira dos brasileiros já está difícil, para as famílias de baixa renda o cenário é ainda mais alarmante. Segundo a pesquisa da Quaest, 77% da população de classe baixa está endividada, sendo que 25% se consideram "muito endividados". Essas famílias, que ganham até três salários mínimos, são as únicas cujo endividamento aumentou na comparação anual. São justamente essas famílias que mais dependem do crédito para sobreviver e, ao mesmo tempo, as que enfrentam mais barreiras para acessá-lo.
Apenas 40% das pessoas da classe baixa têm um cartão de crédito, um dado que desmonta o mito de que a classe trabalhadora se endivida porque gastam demais. A realidade é que essa população frequentemente recorre a alternativas mais caras e precárias, como empréstimos com juros exorbitantes, carnês e financiamentos abusivos. A falta de acesso a crédito barato não impede o endividamento, apenas o torna mais profundo.
Enquanto a renda das famílias fica comprometida com dívidas, os bancos seguem impondo taxas de juros que beiram o absurdo. A taxa básica de juros (Selic) está em 13,25% ao ano e deve subir ainda mais em março. Mas quem sente esse aumento não são os donos de grandes fortunas ou investidores. São as famílias que veem suas prestações ficarem cada vez mais caras e sua margem de manobra financeira desaparecer.
O Banco Central já alertou que o crédito de alto risco está crescendo e que a qualidade das concessões de empréstimos piorou. Ou seja, o sistema financeiro segue liberando crédito para quem pode pagar mais juros, enquanto nega melhores condições para quem realmente precisa. Isso gera ainda mais endividamento, mais inadimplência e mais famílias presas num ciclo de dívidas sem fim.
Mesmo com uma leve queda na inadimplência nos últimos meses (de 29,3% para 29,1%), as projeções não são otimistas. A CNC alerta que o número de endividados pode voltar a crescer ao longo do ano, fechando 2025 com 77,5% das famílias nessa situação e 29,8% inadimplentes. Isso significa que, se nada mudar, mais brasileiros seguirão comprometendo boa parte de seus rendimentos para pagar juros e dívidas, enquanto o custo de vida sobe e o acesso a direitos básicos, como moradia, alimentação e saúde, se torna ainda mais difícil.
O governo federal pretende regulamentar, por meio de uma Medida Provisória, uma nova modalidade de crédito consignado para trabalhadores da iniciativa privada, utilizando o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia. A proposta permitirá que trabalhadores com carteira assinada tomem empréstimos com desconto direto na folha de pagamento, comprometendo até 35% de sua renda mensal. Além disso, em caso de demissão sem justa causa, parte da multa rescisória e até 10% do saldo do FGTS poderão ser retidos para quitar a dívida, o que, segundo o governo, reduziria o risco para os bancos e levaria a uma queda nas taxas de juros.
No entanto, a medida pode agravar o endividamento dos trabalhadores, especialmente aqueles com menor estabilidade no emprego. Com um percentual significativo do salário comprometido antes mesmo do recebimento, o acesso facilitado ao crédito pode incentivar gastos além da capacidade de pagamento, levando muitas famílias a recorrer a novos empréstimos para cobrir despesas essenciais. Além disso, a retenção de parte do FGTS em caso de demissão enfraquece a função original do fundo como uma reserva emergencial, deixando os trabalhadores mais vulneráveis a períodos de desemprego. Sem mecanismos de proteção a nova modalidade pode, na prática, ampliar a precarização da renda e aprofundar o endividamento da população mais pobre.
A cada ano, os bancos batem recordes de lucro, enquanto as famílias lutam para pagar as contas. O endividamento da população é uma peça fundamental desse sistema que transfere riqueza de quem pouco tem para quem já tem demais. O que se vê é uma economia estruturada para beneficiar especuladores, enquanto a classe trabalhadora se afoga em juros impagáveis.