Greve política dos taxistas em Angola
Petróleo, sangue e lucro: o que move a máquina de repressão estatal na Greve dos Taxistas de Angola.

Tumultos na greve em Angola. Reprodição/Foto: Julio Pacheco Ntela/AFPL.
Desde o dia 28 de julho, uma greve nacional, inicialmente organizada pela Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANATA), colocou o país sob a luz dos movimentos sindicais e sua capacidade de mobilização popular, com o governo de João Lourenço, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), empurrado contra as cordas. A greve nacional iniciou-se por conta de um aumento do valor dos combustíveis, com destaque para o diesel, que subiu de 300 kwanzas para 400 kwanzas, um acréscimo de 33%, que em valores de aumento de tarifas de táxis chegou a até 50%.
Em um cenário em que boa parte da população depende do transporte de táxis coletivos conhecidos como “candongueiros”, um aumento de até 50% na tarifa acaba por impactar não apenas os trabalhadores do transporte, mas toda a população dependente de transporte coletivo ou particular, além da cadeia produtiva carente de logística viária. Com essa situação apontada, formou-se o ambiente perfeito para que uma greve de categoria viesse a se tornar uma greve nacional, escalando para conflitos violentos com forte repressão estatal frente às demandas dos trabalhadores.
Uma retomada das jornadas de 2023
Esta insurgência não é um fato espontâneo que surgiu no fim de julho deste ano, ela remete a junho de 2023, quando o governo de Angola reformulou sua política de preços dos combustíveis e mobilizações populares tomaram as ruas das principais cidades e províncias do país. Diante do avanço das políticas neoliberais por parte do governo João Lourenço, entre os meses de março e junho de 2024, greves foram conclamadas pelas 3 maiores centrais sindicais de Angola, deflagrando uma crescente insatisfação com o governo. Portanto, os atos que iniciaram no dia 11 de julho de 2025 em Luanda, onde a população retomou as mobilizações nos dias 14 e 15 de julho, e que se alastraram para outras cidades feito rastilho de pólvora, como em 19 de julho na cidade de Malanje, são frutos de um processo histórico de constantes ataques a direitos básicos, pautados pela agenda neoliberal do governo do MPLA, em associação ao imperialismo internacional.
A escalada de violência registra até o momento 30 mortes, mais de 200 feridos e 1500 detenções, além de 45 carros e ônibus destruídos, 92 estabelecimentos comerciais e um banco que foram depredados e saqueados em um processo de extrema violência repressiva por parte do governo, que vem afundando sua popularidade por conta de uma política de extrema austeridade fiscal. O que iniciou com um processo de luta de uma categoria de trabalhadores, com previsão de duração de 3 dias pela ANATA, tomou contornos de insurreição social, com situações que, para além de toda a violência que tomou conta do país, prateleiras de supermercados sofrem com o desabastecimento, jogando a população em situações de contraste com a fome.
Perseguição e repressão política
Entre os presos estão o presidente e vice-presidente da ANATA, Francisco Paciente e Rodrigo Catimba. A repressão ainda estendeu-se a lideranças da Associação dos Taxistas de Angola (ATA), Francisco Eduardo, o presidente da Cooperativa de Táxis Comunitários de Angola (CTCA), Rafael Ginga Inácio, e o presidente da Cooperativa dos Taxistas e Motociclistas Freitas (CTMF), António Alexandre Freitas. Todas as lideranças sindicais presas com acusações de associação criminosa, incitação à violência, atentado contra a segurança nos transportes e terrorismo, uma clara configuração de perseguição política por meio do governo de Angola que viola direitos de manifestação e cerceia a liberdade de sindicalistas opositores ao projeto neoliberal.
Ao toque em que os conflitos jogaram o país em um colapso de abastecimento de itens básicos, o governo de Angola pouco procura conter a situação ao mesmo tempo em que reforça seu compromisso em reestabelecer toda infraestrutura privada danificada, enquanto as camadas mais vulneráveis da sociedade amargam com a falta de acesso à água, com escassez de alimentos e a convivência com a violência e repressão que tomou conta das ruas, em uma tentativa de reafirmar a “ordem social”, suprimindo o direito de manifestação frente à insatisfação popular.
Dentro dos pronunciamentos oficiais do governo, há uma enorme tentativa de controle de notícias, expondo uma clara preocupação com transmissões que possam prejudicar o projeto de governo que afunda a classe trabalhadora em meio ao atendimento de uma agenda pautada pela austeridade, no que alegam ser transmissão de notícias falsas, conforme comunicado abaixo proferido pela conselheira, Paula Simon:
“O Conselho da República apela à população angolana à manutenção de uma postura cívica e ordeira, pautando pelo exercício responsável e consciente dos direitos e liberdades consagrados na Constituição da República de Angola e na Lei e pelo respeito às Autoridades, evitando, igualmente, a disseminação de desinformação nas plataformas digitais, de modo a se salvaguardar o bem-estar de todos”.
“A Sonangol tem um excesso de 2000 funcionários.”
Com forte pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo de Angola vem reduzindo os subsídios de combustíveis progressivamente desde 2023, em uma tentativa de redução do déficit público, implementando algo como foi o PPI (Paridade de Preços Internacional) da Petrobrás no Brasil. Vale recordar que Angola possui uma das maiores fatias da produção petrolífera em África, tendo a empresa Sonagol (Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola) como a principal companhia de extração e refino de petróleo do país, operando de forma 100% estatal com capital fechado. Mesmo com capacidade de entrega de combustíveis subsidiados à nação angolana, o governo de João Lourenço vem aumentando os ataques às necessidades básicas do país, em uma tentativa de garantir um balanço fiscal positivo em cima de maiores dividendos por parte da principal companhia de Angola.
Como bem manda o receituário do FMI, o governo de Angola prepara um plano de demissão em massa dos trabalhadores da Sonagol, onde o CEO da companhia, Sebastião Gaspar Martins, comunicou a intenção de demitir boa parte do quadro de funcionários, que em suas palavras são “a Sonagol tem um excesso de 2000 funcionários”, para então abrir seu capital para investidores privados, prevendo inicialmente o repasse de 30% da companhia para a especulação privada.
Esse movimento não pode ser visto apenas como um aceno, mas sim um afago aos interesses imperialistas do FMI, que culminaram nos atos que não podem ser encarados como um movimento isolado, mas sim implicações de tensionamentos de classe que vêm ocorrendo há anos, em uma situação onde a MPLA abre mão de qualquer disputa com apreço popular, cedendo cada gota de petróleo, suor e sangue da população angolana, para atender os interesses escusos da burguesia nacional e internacional.
O resgate dessa história recente de mobilizações populares deve ser feito para que haja a compreensão de que essa greve geral não é resultado de um movimento isolado, mas sim o desenlace de um processo histórico de cessão e entrega do governo angolano às demandas imperialistas, pautadas pela figura do FMI. Portanto, o que ocorre hoje pelas ruas de Luanda, bem como pelas províncias de Benguela, Huambo, Huíla e Icolo e Bengo, são consequências das contradições, da precarização e da imposição de uma agenda neoliberal, que atenta contra a vida e do trabalho da classe trabalhadora de Angola.