Acidentes de moto estão entre as principais causas de morte da juventude brasileira

Dados sobre as principais causas de morte da juventude brasileira dizem que acidentes de motocicletas são 53% das mortes de acidentes de trânsito. Os dados acompanham o crescimento do número de motoristas e entregadores por aplicativo.

22 de Setembro de 2025 às 21h00

Dados da Fiocruz atestam para o fato de que 65% das mortes de jovens no Brasil são ocasionadas por fatores externos como acidentes e violência. O estudo epidemiológico conclui que na faixa dos 15 aos 29 anos, armas de fogo e acidentes de motocicleta têm peso significativo nas causas de mortalidade juvenil.

Apesar do relatório ter sido claro que a idade é o fator mais importante para a mortalidade da juventude, a região também possui grande influência sobre as taxas de mortalidade dos jovens. O último levantamento ressalta que o maior risco de morte por violências e acidentes na juventude ocorre nos estados do Norte e Nordeste. Na faixa dos 20 aos 24 anos, os estados do Amapá e a Bahia foram destaques com 447 óbitos para cada 100 mil habitantes no primeiro e 403 para o segundo. Na população brasileira como um todo, a taxa é de 250,6 para cada cem mil habitantes.

Outro fator influenciador da morte da juventude brasileira é a cor. O relatório aponta ainda que os negros (pretos e pardos) representam 73% dos óbitos por causas externas, que é 90% maior que a taxa de mortalidade de jovens brancos e amarelos. Isso revela mais uma faceta da desigualdade racial que existe no Brasil, principalmente quando o assunto é violência.

Os acidentes de transporte ceifam principalmente jovens, sendo a maioria das vítimas homens, que representam 84% das mortes. Dessas mortes ocorridas no trânsito, em 53% dos casos o meio de transporte foi a motocicleta. O que pode levar a outras conclusões preocupantes ao analisar o crescimento do número de trabalhadores por aplicativos de transporte e entrega no Brasil.

Dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) indicaram um crescimento de 35% no número de motoristas que trabalham por meio de aplicativos de transporte de passageiros entre 2022 e 2024. Os entregadores tiveram um aumento de 18%. Em números absolutos, totaliza-se 2,2 milhões de trabalhadores que estão nessa categoria.

Retornando aos dados da Fiocruz, são justamente os jovens que possuem de 20 a 24 anos, no início  da vida no trabalho, que estão mais sujeitos a mortes violentas. 7 em cada 10 mortes por causas externas são de jovens negros. A oferta de trabalho pelos aplicativos pode parecer uma oportunidade tentadora, mas está diretamente relacionada com esses dados.

Entregadores e motoristas trabalham muito e recebem pouco

O crescimento no número de trabalhadores por aplicativo também traz à tona o debate sobre a responsabilidade dos aplicativos quanto às condições de trabalho que são oferecidas aos entregadores e motoristas. De acordo com pesquisas do Cebrap em parceria com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), a renda média mensal bruta para os entregadores varia entre R$2.669 e R$3.581. Isso significa uma renda média pelo menos duas vezes maior que a do salário mínimo – que para 2025 está no valor de R$1.518. Ainda de acordo com o Cebrap, a jornada dos entregadores varia entre 9 e 13 horas por semana.

Os dados, produzidos por pesquisa patrocinada pela Amobitec, associação patronal que representa os grandes aplicativos que atuam no ramo (iFood, 99, Uber), além de poderem ser questionados sobre sua parcialidade, também escondem que o rendimento bruto é amplamente consumido pelos gastos para trabalhar, como aluguel e combustível.

Dados da Gigu apontam para uma perspectiva mais crítica. Através de um estudo que ouviu 1.252 motoristas de todos os estados, a pesquisa contrasta com os dados da Amobitec, ao revelar sobre as jornadas extenuantes a que estão submetidos os trabalhadores da categoria, que em capitais como São Paulo chegam a trabalhar 60h semanais em muitos casos. Tudo isso para obter, em média, R$4,1 mil mensais, mas perder grande parte disso devido às inúmeras despesas que enfrentam os trabalhadores da categoria, como o combustível, o aluguel de veículos, o conserto e manutenção das motocicletas e as multas que sofrem eventualmente.

Em Belém, por exemplo, os gastos mensais com gasolina chegam a R$2.341 – que equivale a cerca de 40% do faturamento. Outra despesa impactante no orçamento mensal é o aluguel de motos. Os dados da Gigu revelam que 30% dos motoristas utilizam veículos alugados.

Na pesquisa, os trabalhadores relataram jornadas médias de trabalho de longas 52 horas semanais. Longas jornadas levam os trabalhadores ao cansaço e podem levá-los a assumirem riscos que os deixam sujeitos a ocorrência de acidentes de trânsito.

Há diferenças gritantes entre os valores das rendas mensais entre estados e cidades diferentes, principalmente devido ao valor do custo por quilômetro rodado. Em Maceió, onde o custo (ao motorista) por quilômetro rodado é o mais alto do país, a renda mensal líquida é de apenas R$1,8 mil.

De acordo com a própria Gigu, essas disparidades e as reduções nos ganhos estão ligadas à falta de transparência nos repasses da plataforma, ao aumento do preço da gasolina – que é diferente em cada estado – e às mudanças no modelo de precificação das plataformas. Tudo isso submete esses trabalhadores a maiores riscos no trânsito, trabalhando sob cansaço.

Para além dos riscos de saúde, a categoria se encontra em situação bastante precária. 92% da categoria se encontra endividada e em 68% dos casos as dívidas comprometem despesas essenciais, como alimentação e moradia. Esse fato impulsiona também um trânsito menos seguro e jornadas mais longas, sem garantia de que todas às contas serão pagas.

Entre os mais jovens, 61% dizem não conseguir planejar o futuro devido à instabilidade de renda e ao aumento do custo de vida. Além da falta de horizonte de futuro, devido às longas jornadas semanais de trabalho, 70% deles afirmam não ter tempo nem renda suficiente para descansar e mais da metade deles já pensaram desistir da categoria e apontam a baixa remuneração, a insegurança e os riscos nas ruas e a pressão exercida pelos algoritmos das plataformas como motivos para isso.

A responsabilidade dos aplicativos de entrega e transporte

Desde a pandemia, é possível notar um enorme crescimento dos aplicativos de transporte e de entregas, sendo os dois maiores a Uber e o iFood, respectivamente. Apesar do iFood ter hoje 83% do mercado de entregas no Brasil, está com seu monopólio ameaçado com a chegada de novas concorrentes, como as chinesas Keeta e a Didi (dona do 99Food) que chegam no país com muitos recursos próprios, além de descontos e subsídios milionários pelo governo.

Com o aumento da concorrência das grandes empresas de aplicativo, isso pode trazer algumas mudanças tanto para os consumidores quanto para os trabalhadores das plataformas. Há uma promessa de que os entregadores terão aumento na remuneração, com direitos à renda mínima e bônus.

Comentários feitos em matéria publicada pela Click Petróleo e Gás sobre o tema estão recheados de trabalhadores questionando a validade dos dados apontados pelo jornal.

"Tem certeza do que está falando, entrevistou um motoboy raiz de pista mesmo, pq não teve melhora nenhuma, se acha que 0,50 centavos é melhora enquanto o café tem um aumento de mais de 50% e passa de 8,00 passa a custar 20 reais, seus cálculos estão totalmente equivocados ou então furou as aulas de matemática, só pode."

Muitos motoristas estão na categoria porque não encontraram oportunidades dignas de emprego no mercado formal. Alguns afirmam ter optado pela categoria devido a flexibilidade de horário, mas em contrapartida acabam trabalhando mais que as 44h semanais estabelecidas como máximo pela CLT no Brasil.

Os trabalhadores por aplicativo, em sua grande maioria homens, se colocam em risco ao ficarem expostos a longas jornadas de trabalho, que recebem pouco, descansam menos e os deixa vulneráveis à violência, problemas de saúde mental e aos acidentes fatais de trânsito (dos quais 53% acometem motociclistas, segundo os dados da Fiocruz).

A regulamentação das plataformas é necessária, mas insuficiente. A flexibilização da legislação trabalhista, aliada com a ausência de empregos dignos, com bons salários e jornadas reduzidas, são as grandes promotoras do trabalho por aplicativo. Enquanto esse cenário continuar, estes trabalhadores seguirão tomando rotinas cansativas e perigosas, o que poderá fazer com que as estatísticas continuem acompanhando o crescimento de trabalhadores por aplicativo no Brasil.