Golpe militar interrompe eleição e consolida domínio neocolonial na Guiné-Bissau

O golpe, ocorrido às vésperas da divulgação dos resultados que apontavam para uma vitória da oposição, numa coalizão apoiada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), colocou no poder o general Horta Nta Na Man como presidente interino.

8 de Dezembro de 2025 às 21h00

O Brigadeiro-General Denis N'Canha concedeu uma conferência de imprensa no Estado-Maior das Forças Armadas anunciando a suspensão das eleições e tomada de poder. Reprodução/Foto: Carta Capital.

Por Guilherme Sá

No fim do mês de novembro, militares depuseram o presidente Umaro Sissoco Embaló e suspenderam o processo eleitoral na Guiné-Bissau. O golpe, ocorrido às vésperas da divulgação dos resultados que apontavam para uma vitória da oposição, numa coalizão apoiada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), colocou no poder o general Horta Nta Na Man como presidente interino. A ação, que incluiu fechamento de fronteiras e toque de recolher, foi classificada pela oposição como um "autogolpe" para evitar uma transição democrática.

O recém formado Alto Comando Militar para a Restauração da Segurança Nacional e Ordem Pública anunciou a deposição do presidente após efetuar disparos nos arredores do palácio presidencial e da comissão eleitoral. Em comunicado, os oficiais alegaram a existência de um suposto plano orquestrado por “certos políticos nacionais” e “conhecidos barões das drogas nacionais e estrangeiros” para desestabilizar o país.

Além da detenção de Embaló, os militares detiveram o ex-primeiro-ministro e líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira e o advogado Octávio Lopes. Fernando Dias da Costa, candidato à presidência pelo Partido da Renovação Social (PRS), relatou em um vídeo nas redes sociais que escapou da ação dos militares para prendê-lo graças a ação de um grupo de jovens militantes, que garantiram sua fuga. A coalização formada em torno da candidatura de Dias alega a vitória nas eleições com 51,08% dos votos.

Fernando Dias no dia da votação em Guiné-Bissau. O candidato afirma que saiu vencedor das eleições. Reprodução/Foto: Brasil de Fato.

Nestes termos, deputados e militantes da oposição sugerem enfaticamente que a ação dos militares foi orquestrada por Embaló e seus aliados, indicando um “autogolpe” para evitar a derrota eleitoral e recalcular suas decisões políticas, que levaram à crise e desconfiança sobre a sua figura.

Desde a independência, conquistada em 1974 através luta armada contra os colonialistas portugueses, e o tráfico assassinato do líder revolucionário Amílcar Cabral, a Guiné-Bissau vive um processo político conturbado. Com pelo menos nove golpes ou tentativas em meio século, o país assistiu ao longo das décadas ao desgaste do PAIGC, corroído por disputas internas entre socialistas e grupos direitistas que abriram espaço para projetos de poder antagônicos ao seu legado revolucionário.

Nos últimos anos, essa crise se aprofundou de forma decisiva na recusa do ex-primeiro ministro Simões Pereira em seguir os ditames do FMI e do Banco Mundial durante a crise na década de 2010. O então presidente José Mário Vaz, à época membro do PAIGC, escancarou suas divergências com o projeto político autônomo do partido, demitindo o governo e anunciando Embaló como novo primeiro-ministro.

Em 2019, Embaló chegou à presidência por meio de uma eleição contestada, na qual se autoproclamou vencedor em uma cerimônia em um hotel, sob proteção militar, antes mesmo de uma auditoria judicial ordenada pela Suprema Corte. Seu governo, desde o início, operou à margem da constituição, dissolvendo o parlamento eleito, atacando o judiciário e governando por decreto.

Atuando diretamente em benefício do capital estrangeiro e do sistema financeiro ocidental, Embaló tornou-se pilar do neocolonialismo na África Ocidental, passando a destacar-se no âmbito da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) com uma política voltada a continuidade da subserviência, especialmente no que se refere aos interesses franceses na região.

Emmanuel Macron e Umaro Sissoco Embaló. Na ocasião, o presidente guineense recebeu a Legião de Honra, a mais alta condecoração francesa, em dezembro de 2024. Reprodução/Foto: rfi.

Nesta toada, com os golpes ocorridos na região do Sahel, levando ao poder regimes antagônicos à política neocolonial francesa, Embaló não apenas apoiou, mas defendeu ativamente as sanções econômicas devastadoras impostas pela CEDEAO contra Mali, Burkina Faso e Níger, e foi um vocal apoiador de uma intervenção militar contra este último país após o golpe que derrubou seu governo pró-França em 2023.

Este posicionamento transformou a Guiné-Bissau sob Embaló em um Estado-tampão, uma ferramenta de contenção fundamental contra a onda nacionalista e anticolonial que varre o Sahel. Enquanto Mali, Burkina Faso e Níger expulsavam tropas francesas e buscavam novas parcerias estratégicas, Bissau se firmava como aliada do imperialismo na costa atlântica, garantindo que a influência ocidental não fosse completamente apagada da África Ocidental.

As ações de Embaló, no entanto, renderam nos últimos anos uma crescente deslegitimação de seu governo não apenas por parte da oposição, encabeçada pelo PAIGC, mas pela juventude influenciada diretamente pelos processos em voga no Sahel, que derrubaram governos a muito ligados à França.

Nesse contexto, horas após o golpe liderado pelo exército, organismos internacionais foram contatados e informados que Embaló já estava em Dacar, capital senegalesa, graças a um voo especial garantido pela CEDEAO. A não relutância do regime no poder em encarcerar Embaló e a agilidade com que saiu do país, assim, vem reforçando a tese do “autogolpe” em meio a outras inconsistências no processo de tomada do poder.

General da Guiné-Bissau Horta Nta Na Man saúda um oficial durante a cerimônia de sua posse como líder de transição e chefe do Alto Comando em Bissau na quinta-feira, 27 de novembro de 2025. Reprodução/Foto: AFP.

Em recapitulação, semanas antes das eleições, uma decisão da Suprema Corte impediu o PAIGC de concorrer às eleições numa clara manobra que visava favorecer Embaló, que garantiu em seu mandato o controle do judiciário. Nesse sentido, a formação da frente de apoio à candidatura de Fernando Dias garantiu amplo apoio das bases do partido, ameaçando o então presidente.

Dias depois do golpe, com o país já sob toque de recolher e a suspensão das liberdades de imprensa, a sede do PAIGC foi invadida por homens encapuzados que agrediram lideranças do partido em Bissau. Em comunicado, o porta-voz do partido, Muniro Conte, afirmou que o objetivo das forças de segurança era "introduzir armas [no local] para depois acusar o partido".

Em nota, a União Africana (UA) condenou o golpe, suspendendo a Guiné-Bissau até que a ordem constitucional seja reatada.